Grande Futebol
Luís Campos: A inovação, o carimbo da incompetência e a cobiça. Por esta ordem
2017-11-16 19:00:00
O ex-treinador teve de superar a má imagem que deixou nos bancos, para ser um diretor desportivo de sucesso.

Luís Campos foi considerado, durante muitos anos – e por muitas pessoas –, um sinónimo de incompetência como treinador, um carimbo que nunca o largou. Agora, é um diretor desportivo (ou coordenador de scouting, se preferir) cobiçado pelos principais clubes europeus. Por um lado, conseguiu-o por ter um bom amigo: Jorge Mendes. Por outro lado, conseguiu-o porque encontrou o cargo no futebol no qual consegue maximizar o seu vasto conhecimento.

Luís Campos esteve quase no Benfica, foi contratado pelo Real Madrid, ganhou fama no AS Mónaco e, agora, é cobiçado pelo Chelsea. Pelo meio, ficou com o carimbo da incompetência. A ler mais à frente.

Para já, importa explicar quem é este treinador de parco sucesso, que se transformou num diretor desportivo de sucesso europeu. É um homem “afável, comunicativo, alegre e sempre positivo. Encontra soluções em vez de problemas”, explica, ao Bancada, Carlos Mariano, ex-jogador de Luís Campos, no Varzim.

Hugo Luz, antigo lateral esquerdo do Gil Vicente, destaca “um treinador amigo do jogador e que se preocupava com o bem-estar de quem trabalhava com ele”. “Provavelmente, isso tem ajudado a que consiga bons resultados por onde tem passado, noutras funções”, argumenta.

O Benfica e o abismo

Não há perfil que não precise de um pouco de história cronológica, que prometemos ser breve. Cá vai: Luís Campos, nortenho, começou a carreira de treinador na União de Leiria e passou por vários clubes de divisões secundárias, mas foi no Gil Vicente que ganhou notoriedade. Em 2000/01, salvou os barcelenses da descida de divisão, depois de uma má primeira metade de campeonato.

No ano seguinte, chegou ao Vitória de Setúbal e foi aí que chegou a ser apontado ao Benfica. “Estive muito próximo [do Benfica]. Foram momentos de ansiedade, algumas noites mal dormidas, porque as conversas aconteceram e esteve tudo muito próximo, mas não aconteceu", reconheceu o próprio Luís Campos, ao jornal “O Jogo”.

Depois, o abismo. A primeira temporada no Sado foi boa, mas a segunda começou de forma desastrosa. Foi despedido e o Vitória acabou por descer de divisão. A seguir, pegou no Varzim, que… também desceu. Voltou a treinar o Gil Vicente e, mais tarde, no Beira-Mar, voltou a fazer parte de uma descida de divisão.

Tudo fruto da incompetência? Para Hugo Luz, não. “Lembro de o mister Luís Campos, na altura, ser até muito associado às ideias de Mourinho e a um treinador com métodos inovadores para a época. Infelizmente, nunca consegui passar isso para resultados desportivos”.

Carlos Mariano destaca também os métodos inovadores e ainda um momento em particular. “Sempre aplicou exercícios e métodos inovadores. Eu sentia que ele era competente tantos nos aspetos técnicos como nos pessoais”, disse, ao Bancada, antes de acrescentar: “Num momento de nuvens negras, no Varzim, ele veio dar uma lufada de ar fresco. Naquela altura veio desmistificar preconceitos que tínhamos como grupo”.

Há manhãs em que, à tarde, mais vale não sair à noite

Lembra-se de como foi o seu ano 2002/2003? O de Luís Campos foi terrível e marcou a carreira do ex-treinador. Em poucos meses, conseguiu descer de divisão com duas equipas, na mesma temporada, e não mais recuperou uma imagem de competência como treinador.

Um treinador ficar associado a uma descida de divisão nunca é bom, ficar associado a duas no mesmo ano pode ter-lhe hipotecado muito o seu futuro como treinador”, diz Hugo Luz numa visão não muito distante da de Carlos Mariano: “Esses casos deixam marcas profundas, mas depois demonstrou que a ambição e o conhecimento estão lá. É um homem conhecedor e isso ninguém nega. Mas ficou com o carimbo...”, lamenta, ao Bancada.

Tudo isto foi negativo, mas não durou para sempre. Em 2014, Luís Campos reentrou no círculo do futebol, após uma passagem pelo Real Madrid de Mourinho, como observador.

O jardim do Campos e a indecência de atirar 120 jogadores para Bielsa

Já depois de ser chamado por Mourinho para o Real Madrid, Luís Campos iniciou o caminho da redenção. Como diretor desportivo, foi um dos pais do sucesso do AS Mónaco, de Leonardo Jardim. Pode ser abusivo dizer que aquele era “o jardim do Campos”, mas o facto é que o diretor desportivo teve, no mínimo, uma palavra decisiva nas contratações de jogadores importantes como Bernardo Silva, Falcao, James Rodríguez, Fabinho, Martial, Lemar ou Ferreira-Carrasco.

Ajudou a equipa do luxuoso principado a colocar-se na rota dos “tubarões” europeus e ajudou o clube a encher os bolsos, com vendas milionárias. Sempre com a ajuda de... Jorge Mendes. A proximidade entre Luís Campos e Jorge Mendes não pode ser dissociada do recente sucesso do ex-treinador. “A relação próxima com Jorge Mendes pode ter-lhe aberto portas para outros voos no futebol, onde ele tem provado ser muito competente nessas áreas”, reconhece Hugo Luz. Ainda assim, a influência do empresário nem sempre é vista com bons olhos.

Quando muito se falou da possível ida de Luís Campos para diretor desportivo do Olympique Marselha, as vozes da crítica soaram em França. Daniel Riolo, jornalista gaulês, foi um deles: “Tenham cuidado, é uma maçã podre. Ir buscar Luís Campos é abrir a porta a Jorge Mendes, com tudo o que isso representa”.

O futuro não foi no Marselha, mas foi, ainda assim, fora do Mónaco. Em 2016, Luís Campos juntou-se ao Lille e juntou-se a “El loco” Bielsa. “Trabalhar com Luís Campos representa uma grande vantagem no que toca à construção da equipa”, disse o treinador argentino, que contou ainda um pormenor daquilo que faz Luís Campos. “A partir de uma proposta de Luís Campos, observei 15 jogos de cada um dos 120 jogadores referenciados, o que pressupôs a visualização de 1800 jogos até 31 de agosto”, contou, no início da temporada.

No Lille, a última temporada não foi famosa e esta menos ainda, com a equipa em lugares de descida de divisão. Fica uma dica: com o Chelsea interessado em Luís Campos, talvez seja a hora certa para Luís Campos se “pisgar” dali e evitar que duas más temporadas do Lille belisquem o sucesso e a aura que o agora diretor desportivo conseguiu criar nas últimas temporadas. É que de um carimbo de mau treinador é possível recuperar, mas se a esse juntarmos o carimbo de fraco homem de scouting, as coisas ficam complicadas...