Portugal
A traição de Vieira, o arroz de grelos com Pinto da Costa e a camisola rasgada
2018-11-22 20:30:00
"Maniche 18, as histórias (ainda) não contadas" é o título da biografia do antigo jogador internacional

Maniche resolveu contar em livro os episódios mais marcantes da carreira. Hoje, com 41 anos, é dos poucos jogadores portugueses que representou os três denominados grandes do futebol português e jogou em equipas de renome internacional como Chelsea, Atlético Madrid e Inter. Pela seleção nacional obteve 2 internacionalizações e marcou presença na fase final do Europeu de 2004 perdido para a Grécia.

A obra, cujo título é Maniche 18, as Histórias (Ainda) não Contadas, escrito em coautoria com Tiago Guadalupe e editado pela Prime Books, conta com prefácio de José Mourinho, posfácio de Gianni Infantino, presidente da FIFA, e testemunhos de Cristiano Ronaldo, Luiz Felipe Scolari, Fernando Torres, Pinto da Costa, Jorge Mendes, Jorge Jesus, Zlatan Ibrahimovic, entre muitos outros.

Mas vamos a algumas das histórias contadas por Maniche. O da recordação, por exemplo, daquele que foi o seu primeiro treinador, no Benfica, Arnaldo Teixeira, que esteve na origem da alcunha do jogador. "Arnaldo Teixeira foi muito mais do que um simples transmissor de conhecimentos, foi um lapidador, um educador, um formador, um excelente condutor de crianças (...) Além de tudo (...) o mister Arnaldo deu-me outra coisa: foi ele que me batizou como Maniche. Quando saí dos iniciados do Benfica para os juvenis, ele, como já referi anteriormente, era o treinador dos juvenis. O cabelo louro que eu apresentava, escorrido sobre um rosto branco, muito idêntico ao de Michael Manniche, o avançado dinamarquês que jogou no Benfica nos anos 80, foi o suficiente para ele me atribuir essa alcunha. As parecenças eram evidentes, mas só a nível físico, pois tínhamos características totalmente diferentes. E, assim, o Nuno tornou-se Maniche. Uma alcunha que passou a fazer parte da minha vida, que me acompanhou dentro e fora das quatro linhas, e que me irá escoltar até ao fim dos meus dias."

A saída do Benfica para o FC Porto em 2002 também é explicada no livro. E Luís Filipe Vieira não escapara a fortes críticas. Uma exigência do presidente do Benfica envolvendo o empresário Paulo Barbosa culminou no divórcio litigioso.

"Vieira vira-se para mim e diz-me: 'Tenho aqui um contrato de cinco anos para ti. Quero que renoves porque és um jogador importante para o presente e para o futuro do clube.' O contrato estava em cima da mesa, esperando apenas a minha assinatura. Nem olhei para o vencimento. Queria continuar no Benfica e cinco anos de contrato era um motivo de felicidade para mim. Aproximo-me. Pego numa caneta e, quando vou assinar o contrato, o Vieira diz: 'Espera! Espera! Assinas cinco anos, mas tens de ir para o José Veiga!' [...] 'Pensa bem porque se não fores para o Veiga, não jogas nunca mais aqui. Vais treinar à parte até ao final do teu contrato.' Mantive-me firme aos meus princípios, aos meus valores éticos e morais, e voltei a rejeitar a troca de empresário. Saí porta fora e não assinei o contrato que estava à minha espera. Aquela situação prejudicou-me? Sim e muito. Não só a nível desportivo mas principalmente em termos pessoais e familiares. O meu futuro, e por consequência o da minha família, ficou assim envolto numa nuvem de incerteza e repleto de pontos de interrogação."

Ao longo do livro, os elogios para José Mourinho que vai encontrar no FC Porto são recorrentes. É aliás o atual treinador do Manchester United que faz o prefácio do livro. "'Estás preparado para vir para o norte do país, jogar no FC Porto e enfrentar uma nova realidade? Posso contar contigo? Eu gostava muito e, caso aceites, falarei com o presidente Pinto da Costa para validar a tua contratação.' Acho que o mister Mourinho percebeu a minha incrédula reação. Fiquei mesmo surpreendido. Estava à espera de tudo menos da chamada do José Mourinho e, por consequência, do FC Porto. Respondi logo que sim, nem pensei duas vezes".

E outra história deliciosa chega-nos quando Maniche relata o jantar que teve em casa de Pinto da Costa antes de assinar pelo FC Porto. Vale a pena ler: "A mesa estava colocada na sua sala de refeições. Sentamo-nos e a sua esposa põe um tacho na mesa. Retira a tampa e eu nem queria acreditar no que vi... arroz de grelos com filetes de peixe. Pensei: 'Ooohhh, não!!!' Eu não gosto de leguminosas, e grelos, então, dispenso totalmente [...] Comi tudo, tudinho, até ao último bago de arroz. Mais, no final ainda elogiei: 'O arroz de grelos estava divinal. Muito, muito bom. Os meus sinceros parabéns.' O presidente do FC Porto ainda me perguntou se eu não queria repetir... 'Repetir?! Não!!!', pensei eu. Respondi que já estava saciado e que à noite, por norma, não gostava de comer muito [...] Saí da casa de Pinto da Costa radiante, cheio de vontade de começar a treinar no meu novo clube e... com fome! Até hoje não sei se Pinto da Costa percebeu em algum momento, naquela noite, que eu detestava grelos."

Há muitas revelações nesta autobiografia de Maniche, e uma das mais surpreendentes relaciona-se com o célebre episódio ocorrido em 2004 quando a camisola de Rui Jorge, então jogador do Sporting, foi alegadamente rasgada por José Mourinho. 14 anos depois, a revelação de Maniche: "Na sala de conferências de imprensa, o dirigente José Bettencourt mostrou a camisola do Rui Jorge rasgada. Atribuiu a ação ao Mourinho. Para Bettencourt, o treinador do FC Porto tê-la-ia rasgado em pleno balneário quando o roupeiro do Sporting a tentava trocar por uma outra de um jogador portista. A José Mourinho foi ainda atribuída a frase: 'Eu quero que o Rui Jorge morra em campo.' Terá sido assim? Todo o mundo pensa que foi o Mourinho que rasgou a camisola do Rui Jorge, mas não foi. Foi o Costinha. José Mourinho não rasgou e tão-pouco disse que queria que o Rui Jorge morresse."

As histórias com Mourinho no FC Porto são inúmeras, como aquela em que um dia, expulso ao intervalo conseguiu entrar no balneário para dar a palestra para a segunda parte escondido num...cesto de roupa suja. Ou quando recebeu ameaças de morte antes de conquistar a Liga dos Campeões, vindas do próprio clube portista. Mas o melhor é mesmo ler.

A passagem pela seleção também não podia faltar. A maneira como Luiz Felipe Scolari motivava os jogadores é revelada e de forma bem curiosa. O penúltimo capítulo é dedicado à seleção nacional e não faltam referências a Luiz Felipe Scolari e ao modo como o treinador brasileiro motivava os jogadores. A caminhada do Euro 2004 também é descrita ao pormenor, com referência ao grande golo que apontou frente à Holanda. "O Felipão perguntou-me como é que eu me sentia e se estava tudo bem. Falámos do jogo. Prolongámos a conversa por mais dez minutos sensivelmente, e o Scolari diz-me em jeito de conclusão da conversa: 'Maniche, tu és um grande médio-centro. Não tenho a mínima dúvida que tu e o Paul Scholes são os melhores médios do mundo.' Eu agradeci o elogio, despedi-me dele e saí do quarto cheio de moral, contente e com o meu ego bem alimentado. Regresso ao bar para me encontrar com o Deco. Assim que chego, o Mágico pergunta-me: 'Mano, o que é que ele queria?' Eu disse-lhe: 'Mano, disse-me que eu e o Scholes somos os melhores médios do mundo.' O Deco começa a rir à gargalhada. Eu pergunto-lhe a razão para tamanha risota e ele diz-me já com lágrimas nos olhos de tanto rir: 'Mano, eu não acredito nisto. Ele disse-me exatamente a mesma coisa. Tu e o Paul Scholes são os melhores médios do mundo.' Mas o melhor é mesmo ler.

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