Jogo do Povo
S. João Ver. A bola dá tanto e nunca questiona nada
2024-06-06 15:30:00
Entrevista a Edgar Almeida, um dos capitães do S. João Ver, que subiu à Liga 3

O futebol une mas também divide. Dá alegrias mas também tristezas. Pode ser de jogadas curtas, mas também das longas. O futebol é feito de erros colossais e de momentos que são verdadeiras epifanias, daquelas que levam os adeptos a meter as mãos na cabeça de perplexidade e o peito aos saltos de alegria.

O futebol resiste sempre, época após época, jogo após jogo, mudança após mudança. O futebol resiste sempre porque o futebol rola e vive da bola, a mesma que faz sonhar tantas e tantos desde tenra idade.

O futebol resiste sempre porque faz sonhar mesmo nos piores episódios. A bola salva os corações, mesmo os magoados. A bola deixa marcas, como no tempo em que é preciso ir salvá-la dos arbustos e do mato; no tempo em que os jogadores voltam ao ‘campo’ arranhados. A bola deixa marcas, como quando é preciso salvá-la debaixo dos carros no tempo de criança. Vive-se assim, com ela: na ponta dos pés e sempre no pensamento. A bola está lá, nunca questionando nada, dando sempre tudo. E quem dá o que tem a mais não é obrigado.

Em São João de Ver, município de Santa Maria da Feira, o Jogo do Povo cruzou-se com uma equipa que voltou à glória depois das lágrimas da derrota no passado. 

Ali, na terra dos ‘malapeiros’ que nunca viram a cara à luta. A Liga 3 volta a estar no horizonte de uma equipa que entregou tudo aquilo que tinha e conseguiu o grande objetivo: subir de divisão. 

É certo que o São João de Ver não foi campeão, mas garantiu o bilhete desejado para subir à Liga 3. E entregou tudo no campo.

E “quem dá o que tem a mais não é obrigado”. Assim reza o adágio popular, assim há anos o faz o povo de São João de Ver, como na época em que atiraram o que tinham (malápios, um fruto semelhante à maçã) quando foram à inauguração da Linha do Vale do Vouga em jeito de homenagem.

Edgar Almeida conduziu a ‘máquina’ nesta viagem por uma época que devolveu o São João de Ver à Liga 3. E fica a certeza de que os 'malapeiros' alinharam numa das séries do Campeonato de Portugal, que o jogador diz que se aproxima à Liga 3 em termos de competitividade.

"O Campeonato de Portugal está recheado de bons jogadores, uma competição que prima pelo equilíbrio principalmente na Série B, que é aquela que mais se aproxima da Liga 3", comentou Edgar Almeida, falando de "equipas organizadas, com bons treinadores, onde se nota que é muito difícil tirar pontos em casa dos adversários e onde todas as semanas existem surpresas exatamente pelo equilíbrio".

Quanto à Liga 3, o defesa aponta para uma competição pautada pela "intensidade e ritmo dos intervenientes" que "é diferente". "É uma Liga com uma visibilidade superior onde os melhores jogadores querem jogar, onde todos os clubes já encontram estruturas profissionais, maior rigor nas condições de trabalho, na exigência, o que faz com que a qualidade seja superior", salientou o camisola 12 do São João Ver, que tem no futebol um 'professor' com muitas 'lições' na 'mochila'.

"O futebol é quase que como uma segunda família", referiu, explicando que aprendeu com o futebol "o saber estar em grupo" e "o saber lidar com as adversidades que o desporto proporciona". Mas não só. Há outras lições que o futebol lhe dá.

Nome: Sporting Clube de São João de Ver

Associação: AF Aveiro

Estádio: SC São João Ver

"Viver com intensidade algo que nos deixa felizes, o trabalho diário, a exigência de quem quer ganhar, a rotina de dar o melhor por quem nos representa e acreditou em nós, a sede de títulos, de vitórias, de querer sempre mais", apontou Edgar Almeida, ele que não vive apenas do futebol, até porque quando se dá a paragem das competições, a cada final de época, as despesas e o orçamento familiar precisam de entrada de dinheiro.

"Acho surreal como a Federação pode permitir que um jogador do Campeonato de Portugal possa estar tanto tempo sem competir, sem ordenados, para além de ter poucos mecanismos de proteção para toda a época em relação aos salários", criticou o jogador do São João Ver, alinhando por um reparo que muitas das figuras do Campeonato de Portugal têm feito.

"Incerteza afasta muitos jogadores destes campeonatos que preferem mais estabilidade a patamares mais altos"

Para o camisola 12 do São João Ver, o facto de esta competição acabar "tão cedo" dificulta "todos aqueles que vivem e são dependentes do salário para o seu dia a dia". "Vemos jogadores a amealhar durante o ano dinheiro para chegar a esta fase e não passarem fome, e terem um lugar onde dormir com a incerteza de onde jogarão na próxima época, com a incerteza se os mandam embora das casas onde vivem", mencionou Edgar Almeida.

"Essa incerteza afasta muitos jogadores destes campeonatos que preferem mais estabilidade a patamares mais altos. Acho que sem dúvida devia ser revisto pela Federação, pois estamos sempre a tempo de corrigir aquilo que não está bem feito", alertou o defesa que não vive apenas do que o futebol lhe dá.

O homem dos charutos

"Sempre tive um plano B, algo que me dá garantia e estabilidade familiar, mesmo que em todos os clubes que passei tivesse sempre a 'sorte' de apanhar pessoas sérias e cumpridoras", referiu Edgar Almeida, em declarações ao Jogo do Povo.

"Acabei por ter sempre um plano B, trabalho numa tabacaria especializada na venda de charutos que, mesmo não sendo um trabalho que exija de mim fisicamente, obriga a ter muitos mais cuidados com o desgaste, com as horas de sono", revelou o atleta que se sente realizado no futebol.

"Quando se ama o que se faz, dá sempre para fazer tudo e para estar nas melhores condições quando chegamos ao clube. Assim, podemos representar no máximo das nossas capacidades o emblema", contou Edgar Almeida, desmistificando a teoria de que a vida de jogador da bola é de luxo.

"A paixão e crença nestes campeonatos é superior ao que auferem de salário"

"Muitos andam à procura de um sonho, largam as famílias, sujeitam-se a ter apenas um teto e comida na mesa para terem a oportunidade de se mostrar, de poder melhorar as suas vidas", observou o defesa do São João Ver, em entrevista ao Bancada, onde resumiu que tudo faz pate da "paixão".

"A paixão e crença nestes campeonatos é superior ao que auferem de salário, embora existam clubes que paguem e paguem muito bem, há também outros que vivem desses jogadores que lutam diariamente por um futuro melhor com salários míseros", declarou, falando também de uma carreira marcada pela "exigência".

"Tem de haver essa exigência, para haver resultados, para haver empatia entre todos tem que haver regras e exigência", salientou Edgar Almeida que, quando sai de campo, procura sempre sair com a consciência de que orgulhou o filho que tem na 'bancada' no apoio.

"Chegar a casa depois de um dia cansativo e ver o sorriso dele, brincar em família, sentir a alegria dele dá-me força para enfrentar qualquer desafio. Esse é sem dúvida o meu melhor passatempo e a minha maior alegria", confirmou o jogador que tem muitas vivências já no currículo, algumas delas que não podem ser reveladas. "Tinha de ter bolinha vermelha", justificou o defesa do São João Ver, famoso ao ponto de até entre adversários mais jovens ter apelos para oferecer a camisola. E esses golos, têm uma marca eterna. 

Edgar Almeida, do São João Ver, marcou um daqueles golos mágicos em Amarante. Apesar do desaire, não virou as costas ao apelo de um jovem amarantino, que lhe pediu a camisola. É também por estas e tantas outras que isto é o Jogo do Povo.

[Fotos Facebook São João Ver]