De psicólogo e confessor, de líder e mestre de táticas e estratégias, a vida de um treinador tem muito que se lhe diga. De unânime a contestado, por vezes nem são precisos 90 minutos para sair a sentença. O apito final do árbitro nem sempre determina a crítica ou o aplauso. Por vezes basta uma opção, uma ideia mal compreendida pelo ‘tribunal’.
Num futebol onde o adepto olha mais para as taças do que para o processo, há sempre queixumes quando a bola não entra. E quando se ganha, muita coisa se esquece. E no olhar de quem vê só a bola, raramente está aquilo que durante a semana é feito.
Aos olhos de quem sente e reage, nem sempre entra a lógica do (tanto) que se trabalha, tantas vezes à chuva e frio, como ao sol tórrido; tantas vezes em dias já longos depois da jornada de trabalho, porque, afinal, para muitos, a bola é um extra e não um emprego só; tantas vezes a chegar tarde da noite e a sair cedo para tudo bater certo no horário e no calendário.
De faróis do carro a dar luz no campo a treinar no estacionamento
Mas isto é futebol. Vive-se assim, é sentido assim. As regras são estas e os protagonistas aceitam entrar nesta dinâmica, muitas vezes porque desde tenra idade a conhecem assim. Não de outra forma. As regras da bola são estas.
Num futebol que tira cada vez mais espaço ao jogo, e tempo aos artistas, o pensamento do treinador tem de ser cada vez mais preciso, colocando os pontos nos is, rapidamente, procurando soluções tantas vezes em zonas exíguas e terrenos sinuosos.
O treinador, réu tantas vezes, é um faz tudo, um agregador entre a criação e a definição daquilo que quer.
O técnico é um colecionador de experiências ao longo da caminhada no desporto-rei, alguém que tem uma visão panorâmica do que está a acontecer, mas do que também virá a acontecer. E ainda que não tenha uma bola de cristal, tem de antecipar aquilo que pode ocorrer e avisar a equipa. Sempre o quanto antes, evitando levar com os ‘estilhaços’.
O treinador tem de pensar no plano e, muitas vezes, ultrapassar orçamentos e probabilidades, tem de trabalhar fora como dentro do holofote mediático. E tem de ter resultados. Anda sempre tudo à volta dos resultados.
Um começo em pisos de terra desalinhada
Eurico Couto cresceu no futebol entre pisos de terra desalinhada e procurou sempre a magia da bola em todos os espaços possíveis e imaginários; tantas vezes entre dois pedregulhos colocados à distância. E os resultados que tem na folha de serviços são de destaque.
Eurico Couto não entrou hoje ou ontem no mundo da bola. Cresceu com uma nos braços. “Desde do berço que a bola é o meu brinquedo favorito, assim como adereço, funcionando várias vezes ao longo de anos como companhia de cama e algumas vezes substituíndo os livros da mochila para escola”, revelou ao Jogo do Povo.
Nascido e criado em Paredes, desde os 6 anos de idade que o futebol passou a ser visto com as cores do clube da terra. “A nível desportivo, iniciei aos 6 anos no USC Paredes”, contou, realçando que a íris alcançou outras cores e outras paragens.
“Passei pelo FC Porto e FC Penafiel nas camadas jovens e a nível sénior joguei no Vila Meã”, salientou, lembrando que voltaria já homem ao Paredes “quer no futebol de 11 quer no futsal”.
Por isso, Eurico Couto é um conhecedor deste desporto. E embora não esteja na ternura dos 40, já tem um currículo vasto como treinador.
“Iniciei no FC Penafiel aos 19 anos na escola futebol ‘Os Peninhas’, passei pelo FC Paços Ferreira e USC Paredes. Percorri todos os escalões de formação como treinador e também como coordenador de formação”, contou Eurico Couto ao Jogo do Povo.
É certo que a rua dr. José Magalhães, em Paredes, foi o primeiro ‘palco’ de futebol no tempo dos sorrisos e sonhos de criança, sem as responsabilidades e preocupações da idade adulta. Mas os palcos são outros agora, como as “dificuldades”.
A necessidade aguça o engenho
“Digo sempre que todos os treinadores passam por dificuldades, cada um no seu contexto mas todos são naturalmente obrigados a superar adversidades”, realçou o treinador que já teve de lidar com algumas limitações para trabalhar no futebol.
“Não ter luz suficiente para treinar e utilizar a luz dos faróis dos carros para uma determinada zona do campo. Tomar banho de água fria no inverno durante dois meses após o treino devido a problemas com o gás”, relatou, lembrando que já chegou a fazer de ‘garçon’ e “ajudar a servir almoços de equipa”, tal como “conduzir as carrinhas para jogo” ou “treinar no parque de estacionamento” ou até mesmo ter de “abrir os guardas chuvas no balneário para não molhar a roupa já que chovia no interior”.
No futebol há todo um conjunto de missões extra que dão estrutura mental aos treinadores para enfrentarem as adversidades. Dentro e fora de campo. Mas são os sucessos após as adversidades que têm outro sabor.
“Acumular funções de treinador de juniores e séniores, subindo os juniores ao nacional e tirando os séniores do último lugar e garantir a manutenção, sair de um treino para outro diariamente, acumular jogos ao fim de semana tanto das minhas equipas como dos adversários obrigava o dia a ter mais que 24 horas”, recordou Eurico Couto, que tem sempre uma claque especial no apoio.
“A minha mãe e minha irmã vão a todos os jogos, seja onde for, desde de sempre”, expôs o treinador, narrando que, mais recentemente, outras figuras da sua vida se juntaram ao grupo organizado.
“A minha mulher e o meu filho acompanham. Estão sempre lá em todos os jogos e acredito que a estrela do meu pai me guia diariamente e me acompanha em todos os jogos”, descreveu Eurico Couto, em entrevista ao Bancada, ele que é um dos treinadores mais experimentados no Campeonato de Portugal, uma competição “competitiva”.
"CP é supercompetitivo. Mas são poucos meses de competição e, mesmo sendo poucos, existem várias paragens"
“O Campeonato de Portugal (CP) é supercompetitivo e nele existe muito talento e potencial, quer nos jogadores, como nos seus treinadores. Mas o seu enquadramento, neste momento, não me parece o mais adequado”, relatou, lamentando o formato da prova.
“São poucos meses de competição e mesmo sendo poucos existem várias paragens”, mencionou, lembrando que, desse modo, “são poucos jogos”. “E, sabendo nós, que a evolução cresce na competição não estamos de todo a promover nem um futebol melhor, nem uma evolução do nosso jogador e dos nossos clubes”, disse Eurico Couto, deixando um conselho aos responsáveis federativos.
“É necessária uma reestruturação detalhada para que este não se extinga que me parece o mais provável”, alertou este treinador que tem várias inspirações na arte do treino.
“Guardiola tem que ser uma inspiração, a referência principal para quem gosta de futebol e é treinador. Mas existem outros que aprecio como treinadores quer pela sua determinação, convicção, postura, legado ou pela parte estratégia que criam”, disse Eurico Couto, antes de revelar alguns desses nomes.
“Sir Alex Ferguson, Julian Nagelsmann, Mourinho ou Jorge Jesus”, mencionou Eurico Couto, que também se socorre de exemplos de outros desportos “como “Kobe Bryant, Novak Djokovic” no sentido de “motivar, instruir e construir mentalidades” na competição.
Liga 3 é "‘bola de ar puro e fresco’ para nosso futebol"
Uma das competições que mais tem crescido e pela qual já passou Eurico Couto é a Liga 3, que tem sido uma autêntica “promoção do futebol e uma aposta forte da Federação Portuguesa de Futebol para o crescimento do futebol a nível de infraestruturas e mentalidades no nosso país”.
“Tem sido uma montra para jovens jogadores e treinadores e uma ‘bola de ar puro e fresco’ para nosso futebol”, comentou Eurico Couto.
Ainda assim, nesta entrevista ao Jogo do Povo, o treinador admitiu que a Liga 3 deveria ter um formato de uma só liga nacional. “O seu formato não me parece adequado, quer na perda de pontos de quem luta para a manutenção, quer nas equipas que ficam em primeiro e tem uma 2.ª fase de dificuldade extrema praticamente com os mesmo jogos da 1.ªfase”.
"Em breve, Liga 3 vai ser um espelho da Liga 2"
Para Eurico Couto, isto é algo que não lhe parece “correto”. “Muito menos justo que prejudiquem quem faz mais pontos e acabem a premiar a sorte ou acaso para a manutenção ou triunfo de alguns clubes”, disse Eurico Couto, lembrando que “este formato brevemente será terminado e a Liga 3 vai ser um espelho da Liga 2”. E “quanto mais cedo acontecer melhor será”, prevê Eurico Couto, que em criança sonhou ser jogador de futebol e professor de educação física.
Pouco dado a aventuras ou “traquinices perigosas” desde criança, Eurico Couto assume ser alguém “tranquilo” no futebol mais exigente como era nos tempos em que jogava à porta de casa. Assim nascem os campeões, como o filho do sr. Joaquim e da D. Berta, que tocou a glória em 2021/22 no Jamor depois de tanto esforço ao longo da carreira e de tanto aguçar o engenho face às diferentes necessidades que este Jogo do Povo sempre coloca.
[Fotos Facebook União Paredes e Beira-Mar]