Entre uns mergulhos no mar e uma vida a olhar para aquilo que o oceano tem para dar, absorvendo na pele os rigores da natureza, Peniche é uma das zonas do país onde a paixão e a bola são indissociáveis.
Por muito que os desenvolvimentos tecnológicos sejam hoje grandes, e em constante mudança, o pescador desconfia sempre do mar morno e calmo para a pescaria, tal como um treinador de futebol, não raras vezes, tem de franzir o sobrolho quando são apontadas eventuais facilidades.
Quem anda nisto há muito, e mesmo os que agora chegam, sabem que facilidade e pesca não combinam. Tranquilidade e futebol é algo que nem sempre vem à rede. O futebol é emoção, imprevisibilidade, abre horizontes ao desconhecido, por mais que se queira conhecer o que está pela frente. É essa a vida da bola, é por isso que tantos gostam e se apaixonam pelo desporto-rei.
Lançar as redes e lidar com a maré do futebol em Peniche
E por muito que a maré seja favorável, todos sabem que basta uma onda mais traiçoeira para alagar o barco e colocar em causa objetivos e sustento. É, pois, no desassossego e no tormento do imprevisto que o barco se faz à água, mas também na esperança de que vai correr bem. No mar ou no campo de futebol enfrentam-se tempestades mas também há bonanças, que ficam cravadas na eternidade.
O Jogo do Povo esteve em Peniche para conhecer o clube que terminou em lugar de manutenção na Serie C do Campeonato de Portugal. O ‘mestre’ da embarcação (Tiago Vicente) guiou a conversa sempre com a certeza de que por mais bravas e agitadas sejam as águas “vale sempre a pena lutar pelos nossos sonhos”.
E para quem gosta de futebol, o sonho da vitória é permanente, bate à porta da cabeça constantemente, como que num apelo. Mas nem só de milhões de euros e grandes contratações é feito o mundo da bola.
Campeonato "dos pobres" na ideia da FPF
Em Peniche, terra de gente humilde e de trabalho, todos os tostões são contados e quando se lança a rede é na esperança de que a pescaria seja proveitosa.
A disputar o Campeonato de Portugal (CP), a equipa de Peniche faz de cada dia um horizonte de conquistas mesmo que para quem manda este seja um campeonato “dos pobres”.
“Para a Federação Portuguesa de Futebol é nacional dos pobres, mas na verdade é rico no equilíbrio, na qualidade dos executantes e muitos outros aspetos até no nome”, vincou o treinador Tiago Vicente, em entrevista ao Jogo do Povo.
Quem vive do mar e anda pelo mar sabe que mesmo em terra, o pescador não tem sossego. É preciso cuidar das redes, do barco e estar sempre preparado para enfrentar as águas. Também no futebol a mesma lógica é aplicada.
Tiago Vicente não vive só do que vem à rede com o futebol. Por isso, divide (ou tenta esticar) o horário para conseguir espaço para a bola e para o ramo empresarial onde trabalha na área da informática.
“Para a Federação Portuguesa de Futebol é nacional dos pobres, mas na verdade é rico no equilíbrio, na qualidade dos executantes e muitos outros aspetos até no nome”
Só que o escritório é um mar imenso de pensamentos. Por isso, tantas vezes dá por si a pensar em táticas e estratégias que quer mostrar aos seus rapazes. “Muitas vezes estou no trabalho só fisicamente porque a cabeça está no futebol”, confessou, entre sorrisos, o treinador de 45 anos, natural de Vieira de Leiria, certo de que no futebol não há tranquilidade quando em causa está uma competição exigente como o CP.
“Tranquilo só para quem vê a classificação final, até mesmo os jogos decididos na secretaria poderiam ter impacto na tabela”, justificou o técnico, lançado já a rede para o que aí vem.
“O que podemos prometer é muito trabalho”, já que “a realidade do Peniche” sabe o mar por onde deve navegar. “Não nos permite ter outras ambições”, admitiu o técnico, em declarações ao Jogo do Povo, no Bancada.
"Falta de respeito pelos adeptos, uma aberração por completo, não entendo eu, nem ninguém"
Agora, o futebol está parado e o trabalho faz-se em terra. Para muitos, são vários meses em que não há ‘peixe’. Tiago Vicente alinha pelos que criticam uma paragem tão longa.
“É um facto, e vamos ver as consequências que vai ter para os jogadores. Não vejo ninguém a falar na falta de respeito pelos adeptos dos clubes, uma aberração por completo, não entendo eu, nem ninguém”, criticou o técnico do Peniche, que tem muitas reservas relativamente à forma como a competição está estruturada.
Nome: Grupo Desportivo de Peniche
Associação: AF Leiria
Estádio: Peniche
“Duvido que quem tenha projetado este modelo tenha entendido que resolvia dois problemas do campeonato, a duração e a percentagem de equipas que descem, quatro séries de 16 equipas”, comentou o ‘mestre’ da embarcação do Peniche.
Cuidado com os banhos prolongados que a carrinha não espera
Num contexto do futebol em que é preciso fazer mais do que a função indica, Tiago Vicente é um treinador que não tem problemas em fazer de motorista para os jogadores na carrinha do clube. Mas é preciso ter cuidado com os horários e com os atrasos no banho após os treinos.
“Podem ficar a pé se não se despacharem no banho”, avisou o técnico, com humor à mistura.
Mais a sério e já com uma carreira longa dedicada a este desporto que apaixona milhões pelo mundo, “já pouca coisa” o surpreende a esse ponto. Contudo, há sempre algo mais no campo da “arrogância” que, por vezes, aparece e deixa mágoa a este treinador que nas (poucas) horas livres gosta lançar a cana para a pesca desportiva.
A pesca e o mar na zona da famosa praia de Supertubos
E como na pesca, nem tudo que vem à rede é peixe, Tiago Vicente aproveitou a entrevista ao Bancada para explicar que também no futebol nem tudo são boas experiências, que o diga Wlbonh Bissula, o guineense que num passeio antes do jogo em Castelo Branco foi ‘apanhado’.
“O Bissula pisou o que não devia, mas foi quase até ao joelho. No Natal oferecemos-lhe umas botas de borracha”, revelou o treinador que já lança as redes para a nova temporada do Peniche.
A esperança é que as ondas sejam tão atrativas como as da praia de Supertubos.
[Fotos Facebook GD Peniche]