Jogo do Povo
Lusit. Évora. E ninguém se lembra do capitão?
2024-05-23 16:40:00
Entrevista a Rafa Pinto, que alinhou no Lusitano de Évora, no Campeonato de Portugal

Évora não tem só o templo de Diana, ou a Capela dos Ossos. Évora não vive apenas do legado da época medieval com a sua Sé Catedral. Em Évora, não é preciso calcorrear muito pela rua João de Deus ou pisar os terrenos até ao Giraldo para perceber que a bola também faz suspirar muita gente por território alentejano.

Entre o bufar de calor quando os termómetros aumentam e o sonhar com altos voos no futebol o Jogo do Povo encontrou um clube que tem um passado de glória e um futuro promissor. O emblema viveu o seu tempo áureo entre 1952 e 1966. Nesse período, registou 14 presenças consecutivas na I Liga, então sob outra denominação a prova.

No Campo da Estrela, não faltam lusitanistas a desejar os tempos idos quando o emblema de Évora fazia frente a todos os clubes de topo neste Portugal, sendo também este um clube de referência.

Do adro da igreja para triunfar no país da bola

Por hoje, a realidade é diferente e outra, não que seja vivido o amor ao clube com menos intensidade. Mas a divisão é mais baixa. Alta só mesmo a paixão que os adeptos continuam a ter. Cai, por isso, a responsabilidade nos ombros do plantel do Lusitano em honrar os pergaminhos do passado quando apontam ao futuro. Tudo começou no adro da Igreja da Graça a 11 de novembro de 1911. Um grupo de jovens pensou criar aquele que é, por hoje, um dos orgulhos do Alentejo.

Rafa Pinto chegou a Évora nesta época e precisou de pouco tempo para se enquadrar com a realidade e o clube alentejano. “Tudo facilitado”, confirmou o jogador, em entrevista ao Jogo do Povo.

“Nada difícil, foi super fácil a adaptação à cidade”, contou Rafa Pinto, falando de pessoas “fabulosas”. “Os meus colegas também me ajudaram muito! Foi uma adaptação muito fácil e parecia que já estava ali há muito mais tempo”, confirmou Rafa Pinto.

O Lusitano de Évora teve uma época que fez sonhar os adeptos com a subida de divisão. Contudo, no final, ficou em terceiro lugar na Série D da competição organizada pela Federação Portuguesa de Futebol.

Rafa Pinto lamenta que o clube não tenha tido a possibilidade de discutir a passagem para a Liga 3, mas ficou satisfeito com a campanha. Tal como o balneário.

“O Campeonato de Portugal é o maior campeonato do país! E isso diz muito, é um campeonato muito competitivo, cheio de sonhos e ambições e isso torna muitas vezes os jogos de ‘vida ou morte’ porque os jogadores jogam pela vitória e por muito mais, jogam sempre por melhorar as condições de vida”, contou o médio.

"Campeonato de Portugal é o futebol no seu estado puro"

Em declarações ao Jogo do Povo, Rafa Pinto falou ainda de “um campeonato muito próprio e muito mágico pelos clubes históricos, pelos adeptos” mas também “porque leva muitas pessoas a conhecer o país”.

“A base do talento começa no Campeonato de Portugal que é um contexto difícil e que faz com que muitos jogadores que até poderiam ter talento para campeonatos profissionais muitas vezes não tenham espaço para mostrar o seu verdadeiro talento pelas características que se encontram muitas vezes em alguns campos”, esclareceu Rafa Pinto, falando de uma competição que tem “o futebol no seu estado puro”.

Em Évora, tal como pelo mundo, as caras podem mudar, os objetivos e desejos, mas a paixão mantém-se inalterada. Por isso, o sentimento no balneário é de que foi feita uma “grande época do Lusitano” em nome dos adeptos.

“Uma época histórica. Só nos faltou talvez alguma sorte ou ser mais capazes de mostrar a nossa força nos jogos em casa, porque fora fizemos um campeonato muito bom”, salientou, sublinhando que o fator casa, curiosamente, não foi aproveitado. “Em casa acabamos por desperdiçar alguns pontos. É tal que uma equipa que quer lutar por algo mais ambicioso não pode perder”, reconheceu o médio.

Agora, é chegado o tempo de recarregar ‘baterias’, de refletir sobre o que se fez, o que ficou por fazer e aquilo que ainda poderá ser feito no futuro. Mas, desde logo, fica uma certeza: uma paragem tão longa da competição acaba por não ser benéfica. Palavra de jogador, que acompanha outros atletas.

“É um tempo de paragem muito extenso, creio que o campeonato não está organizado da melhor maneira e provoca esta paragem que prejudica muitos jogadores”, assumiu Rafa Pinto.

Ao Jogo do Povo, o médio lembrou o facto de muitos campeonatos distritais durarem mais tempo do que uma prova nacional como é o Campeonato de Portugal. “Já de si ajuda na parte financeira, em termos de arranjar clube acredito que também ajude mas depende da distrital, obviamente”, enfatizou Rafa Pinto.

"O campeonato não está organizado da melhor maneira e provoca esta paragem que prejudica muitos jogadores"

Para o jogador, existem duas ou três distritais que “realmente são muito fortes e têm muita qualidade”. Por outro lado, “outras por força da zona geográfica, dificuldade em arranjar jogadores, tornam-se menos competitivas”.

Seja como for, em Évora ou em qualquer outro ponto onde exista uma bola, o desejo é sempre correr atrás dela. “Todos os jogadores preferem jogar o máximo tempo possível e, mostrando rendimento, podem, sim, dar o salto”.

O menino de São Domingos de Rana 

Natural de São Domingos de Rana, Rafa Pinto sabe que um jogador de futebol tem de cuidar do corpo e da mente. Contudo, assume que nem sempre é fácil ‘resistir às tentações’ das pastelarias do pai, a Pintos d’Mel.

Fã de convívios, almoços, jantares e udo aquilo que una as pessoas, Rafa Pinto tem, aos 25 anos, já muita bagagem nesta viagem pela estrada da bola… onde por vezes alguns acabam por ficar esquecidos.

A vida de um plantel de futebol é muitas vezes, ou quase sempre, corrida. Deitar tarde e erguer cedo, faltar a almoços e jantares aos domingos durante a época é quase uma ‘regra’. É que nem sempre há tempo para esses momentos. O futebol é caminho, estrada pela frente. Só que existem alturas em que ‘alguns’ ficam esquecidos, que o diga o capitão do Lusitano de Évora.

Capitão esquecido na casa de banho da área de serviço

“Num dos jogos fora com o Lusitano estávamos a fazer a viagem de regresso, depois de um jogo, e paramos numa área de serviço para nos esticarmos. Uns foram beber café e comprar qualquer coisa, enfim, tudo normal. Depois lá fomos nós para o autocarro e arrancamos, como normal”, revelou Rafa Pinto.

Porém, dez minutos depois da viagem ser retomada, o telemóvel tocou. “O nosso capitão ligou-nos a perguntar onde estávamos. Tínhamos esquecido dele na área de serviço porque ele estava na casa de banho”, contou, entre sorrisos, lembrando que tiveram de regressar à área de serviço para o capitão voltar. Tudo numa boa, afinal, tinha sido um fim de semana de vitória para o emblema alentejano.

“Esta brincadeira fez nos demorar mais 40 minutos. A sorte foi que tínhamos ganho e estava tudo bem disposto, foi uma risada autêntica quando ele entrou de novo no autocarro”, recordou ao Jogo do Povo o atleta que aproveitou para lançar um desafio em direção ao Minho.

Nome: Lusitano Ginásio Clube

Associação: AF Évora

Estádio: Campo Estrela

“Gostava de chatear o Marco Fernandes, que esteve esta época no Dumiense”, avisou Rafa Pinto, falando de alguém que é “das melhores pessoas” que conheceu. “Ajudou-me muito e nem sabe ele o quão importante foi para mim no meu crescimento principalmente como homem”, contou Rafa Pinto. Formar mulheres e homens é, afinal, a maior vitória do futebol pelos caminhos da bola. Redonda, sempre pronta a gerar lágrimas, mas também sorrisos. A cumprir desejos, missões. A bola valoriza-se pela vida de um plantel. É simples. Por isso, bonito.

[Fotos Facebook Lusitano Ginásio Clube de Évora]