Prolongamento
“Qual é o papel dos agentes se não fazer circular o dinheiro?", diz Ana Gomes
2021-06-09 20:20:00
Jurista considera que o crime organizado opera através das transferências de jogadores

A jurista portuguesa Ana Gomes, antiga eurodeputada que tem sido uma forte ativa na luta contra a corrupção e o crime organizado, defendeu que o futebol italiano tem sido utilizado por redes criminosas para diversos fins ilícitos, numa reportagem da estação pública RAI 3 sobre corrupção, lavagem de dinheiro e conflitos de interesse no ‘calcio’.

Em declarações à RAI 3, a jurista e diplomata, que foi candidata a Belém nas eleições presidenciais de janeiro, sustentou que as redes de crime organizado usam o futebol de duas maneiras: ou controlam um clube pequeno, ou colocam um intermediário – neste caso, um agente de jogadores – nas transferências dos grandes clubes.

O futebol italiano “é um grande ‘hub’ para a lavagem de dinheiro”, afirmou Ana Gomes, rindo-se quando foi questionada se o crime organizado tinha entrado no ‘calcio’: “Não tenho dúvidas”.

“Em alguns casos, [entrou] manipulando os pequenos clubes. Acredito que, nos grandes clubes, o crime organizado opera através da transferência de jogadores”, acrescentou.

Isto porque, na transferência de um jogador entre dois grandes clubes, não se justifica (na ótica da jurista e ex-eurodeputada) a atuação de um ‘agente’ ou ‘empresário’, uma vez que a dimensão desses clubes garantiria todas as condições para que o negócio fosse acertado sem problemas.

“Qual é o papel dos intermediários se não organizar o sistema para a circulação do dinheiro? O sistema prefere um grande lucro que não serve os interesses do desporto, mas sim os interesses do crime organizando, impulsionando esta grande ‘indústria’”, reforçou Ana Gomes.

Nesta reportagem da RAI 3, intitulada “O esplendor e a miséria dos senhores do Calcio”, são abordadas situações passíveis de encobrir crimes como corrupção, branqueamento de capitais e conflitos de interesses. É referida uma investigação judicial a uma alegada intervenção do empresário Alessandro Lucci para ‘vetar’ a chamada de Scamacca à seleção italiana, de forma a abrir vaga para um jogador que representa, Leonardo Bonucci.

Citando dados da FIFA, a reportagem recorda que, em 2020, os clubes europeus pagaram quase 500 milhões de euros em comissões a intermediários. Em Itália, destacaram-se nesses pagamentos clubes bem conhecidos dos adeptos: AC Milan, Roma, Génova, Juventus, Atalanta, Lazio e Inter de Milão. Foram negócios envolvendo craques como Zlatan Ibrahimovic, Donnarumma e Romelu Lukaku. “Uma equipa de sonho”, salientou a estação pública italiana.

O empresário Mino Raiola, que representa jogadores como Ibrahimovic, Donnarumma e Paul Pogba, faturou 84,7 milhões de euros só em comissões. “Está sempre a conversar com jornalistas, mas não responde quando lhe fazem perguntas difíceis”, refere a RAI3. Trata-se do mesmo empresário que foi suspenso por três meses pela federação italiana, num castigo que a FIFA tornou aplicável no plano internacional.

De acordo com a reportagem, Mino Raiola criou um esquema para as transferências de jogadores que implica operações financeiras em quatro sistemas fiscais: Itália, Holanda, Montecarlo e Malta.

É também narrado o caso de Jordan Veretout, que a Roma emprestou à Fiorentina por um milhão de euros e resgatou, um ano depois, por 16 milhões.

No cômputo geral, “fala-de de milhões de euros de transações financeiras ilícitas” só na temporada 2018/19, de acordo com a reportagem da RAI3.