Artur Jorge é um nome lendário na classe dos treinadores portugueses. O Rei Artur herdou a pesada herança de outro técnico icónico, José Maria Pedroto, e levou o FC Porto a sagrar-se campeão europeu, na final de Viena.
Aliás, a biografia de Artur Jorge, treinador que passou também por Benfica (entre outros clubes) e pela Seleção Nacional, só pode ter como música de fundo a valsa ‘Danúbio Azul’, de Johann Strauss.
A final de Viena marcou a afirmação europeia do FC Porto, guiando o clube para mais seis conquistas internacionais. E Artur Jorge seguiu para novas aventuras, chegando mais tarde ao Estádio da Luz.
Mas quem foi Artur Jorge, o Rei Artur que levou o FC Porto a ganhar a Taça dos Campeões Europeus de 1987? Saiba mais nesta biografia de Artur Jorge.
Artur Jorge: Biografia do treinador e jogador
Artur Jorge Braga de Melo Teixeira nasceu em 13 de fevereiro de 1946, no Porto. Ainda na juventude, participou num torneio organizado pelo Salgueiros, então orientado por José Maria Pedroto.
No entanto, Artur Jorge teve uma excelente carreira como jogador, apesar de ser conhecido pelos seus desempenhos como treinador.
Após uma temporada no FC Porto, assinou pela Académica, tanto mais que estudava Filologia Germânica na Universidade de Coimbra.
Em 1969, Artur Jorge jogou no Benfica. E encantou, sendo o melhor marcador do campeonato por duas vezes (1970/71 e 71/72). De seguida, passou três anos no Belenenses e terminou a carreira de jogador com uma passagem pelo Rochester Lancers, dos Estados Unidos.
Os seus dotes de goleador renderam-lhe ainda 16 jogos pela Seleção Portuguesa, ao serviço da qual marcou um golo.
No ano de 1980, teve início a fantástica carreira do treinador Artur Jorge, que a final de Viena registou para a história como Rei Artur.
Títulos de Artur Jorge
Como jogador:
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4 Campeonatos;
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2 Taças de Portugal.
Como treinador:
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1 Taça dos Campeões Europeus;
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3 Campeonatos Nacionais;
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1 Campeonato de França;
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1 Campeonato da Arábia Saudita;
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1 Taça de Portugal;
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3 Supertaças;
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1 Taça de França;
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1 Supertaça de França;
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1 Supertaça da Rússia;
Artur Jorge, o herdeiro de Pedroto
Todavia, para fazer uma biografia de Artur Jorge é necessário lembrar outro treinador lendário do FC Porto e do futebol português, José Maria Pedroto.
Após ter nota máxima no curso de treinador da Universidade de Lípsia, na Alemanha, Artur Jorge regressou a Portugal para ser adjunto de Pedroto no Vitória SC. Depois, Artur Jorge foi orientar Belenenses e Portimonense.
Quando Pinto da Costa ganhou as eleições no FC Porto, em 1982, fez regressar Pedroto. Todavia, o ‘mestre’ adoeceu gravemente, em 1984. António Morais ficou como treinador interino do FC Porto, mas Pedroto aconselhou Pinto da Costa a apostar em Artur Jorge.
No verão de 1984, o histórico presidente do FC Porto anunciou o herdeiro de Pedroto: Artur Jorge.
A final de Viena
Ainda com Morais como interino, o FC Porto perdeu a final da Taça das Taças de 1984, para a Juventus. Artur Jorge, depois de levar os dragões ao bicampeonato, prosseguiu o trabalho da afirmação europeia do FC Porto que José Pedroto tinha iniciado.
Na época de 1986/87, o FC Porto chegou à meia-final da Taça dos Campeões Europeus, após eliminar Rabat Ajax (com uma goleada história de 9-1 nas Antas), Vitkovice e Brondby.
Nessa época, o Dínamo de Kiev era um adversário temível. Para começar, o clube era a base da poderosa seleção da URSS, quarta classificada no Mundial do México 1986 e que em 1983 tinha goleado Portugal por 5-0. Além disso, o Dínamo de Kiev tinha ganho a Taça das Taças na época anterior.
A formação soviética era orientada pelo célebre Valeriy Lobanovskyi, uma ‘velha raposa’ do futebol europeu. Já o FC Porto tinha um treinador que, às escondidas, era gozado pelos adeptos rivais pelo seu gosto pela poesia.
Com golos de Paulo Futre e André, os dragões ganharam nas Antas por 2-1. Faltava a segunda mão, em Kiev, com o Dínamo a precisar só de um golo para seguir em frente. Porém, numa noite poética, o FC Porto conseguiu a impensável vitória em Kiev, também por 2-1: Celso e Fernando Gomes marcaram pela formação portuguesa.
Agora, o FC Porto de Artur Jorge via-se frente a frente com o poderoso dragão do futebol europeu, o Bayern Munique. Um confronto épico que teria como palco o Estádio do Prater, em Viena.
Rei Artur e o FC Porto campeão europeu
Pela primeira vez, o FC Porto podia alcançar um título que, em Portugal, só tinha sido conquistado pelo Benfica, e logo por duas vezes (1960/61 e 61/62).
Todavia, a tarefa era impossível. Afinal, o Bayern Munique tinha vários dos jogadores vice-campeões mundiais (México 86) pela RFA (Alemanha Ocidental).
Para agravar ainda mais o cenário, o goleador portista Fernando Gomes lesionou-se e não estava disponível para a final de Viena.
Tudo corria mal para o FC Porto. Especialmente ao minuto 24, quando Kobl colocou o colosso alemão em vantagem.
A perder ao intervalo (0-1), Artur Jorge tira o casaco no balneário, arregaça as mangas da camisa e profere um discurso histórico: “Que idade vocês têm? Vocês já não têm mais hipóteses de estar numa final e vão deixar fugir isto? Têm os vossos familiares a ver, a família portista a ver e vocês vão deixar fugir?”.
Com “uma coragem tremenda”, o treinador do FC Porto tira um médio, Quim, para colocar mais um avançado, Juary. “O Juary entrava quase sempre a vinte minutos do final”, viria a lembrar mais tarde Paulo Futre, outro dos heróis da final de Viena.
O eterno calcanhar de Madjer
Essa substituição tornou-se no mais belo verso da carreira de Artur Jorge. Aos 79 minutos, Juary entra na área e cruza, mas Madjer já se encontrava adiantado. Então, o argelino fez um gesto técnico que ficou na história da Taça dos Campeões Europeus, agora Liga dos Campeões. Deixou a perna esquerda para trás e, de costas para a baliza, rematou com o calcanhar.
O calcanhar de Madjer deixou o FC Porto empatado com o super favorito Bayern Munique. Porém, os dragões estavam motivados pela palestra de Artur Jorge ao intervalo.
Ainda havia queixos caídos com o golo de Madjer quando o argelino fintou um adversário, aos 81 minutos, correu para a área e cruzou. O mesmo Juary que lhe tinha oferecido o primeiro golo apareceu na pequena área a finalizar, sem hipótese para Pfaff, vice-campeão europeu pela Bélgica (Itália 1980).
O FC Porto vence a Taça dos Campeões Europeus pela primeira vez na sua história (repetiria o feito em 2004) e Artur Jorge, o Rei Artur, torna-se no primeiro treinador português a vencer a mais importante prova europeia de clubes (o Benfica foi bicampeão com Béla Guttman).
Artur Jorge, o selecionador nacional
Em 1988, Artur Jorge passou a treinar o Matra Racing. O clube francês era dos mais célebres da época, devido ao forte investimento da empresa Matra. Entre vários nomes sonantes do plantel, como Olmetta, Casoni, Luis Fernandez ou Azziz Bouderbala, destaca-se claramente o craque uruguaio Enzo Francescoli.
A passagem pelo Matra Racing não foi propriamente feliz, mas o Rei Artur teve um contrato milionário que, por essa altura, não abundavam no futebol europeu.
De regresso ao FC Porto, Artur Jorge é novamente campeão nacional (1989/90) e vence uma Taça de Portugal (1990/91). Desta forma, o técnico surge como a escolha mais óbvia para liderar a Seleção Portuguesa no apuramento para o Europeu de 1992.
Colocado no Grupo 4, Portugal terminou a fase de apuramento no segundo lugar, com 11 pontos e dois atrás dos Países Baixos.
Era altura do Rei Artur voltar à cidade-luz, Paris, mas agora como treinador do PSG.
O português campeão em França
Na década de 90, os treinadores portugueses que se aventuravam no estrangeiro tinham poucos sucessos para contar. Até que Artur Jorge regressou a França.
O primeiro aviso foi dado na época 1992/93, com o Paris Saint-Germaine a ganhar a Taça de França. Na temporada seguinte, o PSG ganhou o campeonato. Foi o segundo na história do clube, conquistado antes da chegada do dinheiro do Catar.
Artur Jorge montou uma equipa que viria a dominar o futebol francês nos anos seguintes. Ainda sem os milhões do Catar, o PSG contratou craques como Raí, Ricardo Gomes, Valdo, Geraldão, George Weah e David Ginola.
Sem sucesso no Benfica
O mundo era diferente nessa altura. Por isso, Artur Jorge aceitou o desafio de Manuel Damásio para ser o novo treinador do Benfica, em 1994. A Luz encarou o novo técnico com desconfiança, devido ao seu passado no rival nortenho. Os seus (muitos) golos como jogador do Benfica já estavam esquecidos.
Por várias razões, saíram jogadores como Rui Costa, Schwarz, Kulkov, Yuran, Isaías, Vítor Paneira, Rui Águas, Veloso e Silvino. No sentido inverso, chegaram reforços como Nelo, Tavares, Paulo Pereira, Paulão, Akwá, Rui Esteves, Clóvis, Marcelo, Marinho, Paredão e King.
Os resultados não apareciam, as exibições não agradavam. E o Benfica entrava em crise, ficando vários anos sem conquistar o campeonato nacional. O mesmo troféu que Toni, antigo colega de Artur Jorge no ataque encarnado, havia conquistado na épora anterior à chegada do Rei.
Após uma primeira temporada que terminou com forte contestação ao treinador, o Benfica despediu Artur Jorge logo no início da campanha 1995/96.
Artur Jorge ganha até na Arábia e na Rússia
Sem trabalho em Portugal, o técnico emigrou novamente. Foi para a Suíça, levando a seleção ao Mundial de 1994. E a história regista que, desde essa passagem de Artur Jorge, a Suíça nunca mais falhou a qualificação para um Campeonato do Mundo.
No entanto, os adeptos suíços nunca perdoaram o Rei Artur por não ter convocado dois jogadores sonantes (Alain Sutter e Adrian Knup) para o Europeu 1996. Assim, Artur Jorge partiu para novas experiências.
E foi no estrangeiro que o Rei Artur conquistou mais dois títulos para o seu rico palmarés:
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1 Campeonato da Arábia Saudita pelo Al-Hilal (2001/02);
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1 Supertaça da Rússia pelo CSKA Moscovo (2003/04).
Depois de passagens por outras equipas e até pela seleção dos Camarões, Artur Jorge terminou a sua carreira de treinador no modesto MC Alger, da Argélia, em 2015. Faleceu no dia da publicação desta biografia, 22 de fevereiro de 2024, com 78 anos.
Rei até na defesa dos jogadores
Uma biografia de Artur Jorge não ficaria completa sem evocar o seu lado corajoso, frontal e solidário. Em 1972, com Portugal em regime de ditadura, Artur Jorge foi um dos fundadores do Sindicato dos Jogadores. Aliás, o Rei foi mesmo o presidente da estrutura e, até à sua morte, o associado número um.
"O Artur será sempre uma das figuras mais importantes e respeitadas do futebol português. Trata-se de um dos nossos pais fundadores, a quem devemos a coragem, o espírito de missão e o sacrifício para dar vida à estrutura sindical, em plena ditadura. Um homem bom, que respirava futebol e esteve sempre do lado das causas certas. Descanse em paz Artur Jorge, obrigado pelas coisas bonitas", registou o sindicato, no dia do óbito de Artur Jorge, o primeiro treinador português a ser campeão europeu.