Grande Futebol
Atlanta United: um modelo atípico a ameaçar a estrutura do futebol mundial
2018-11-13 22:50:00
Em apenas dois anos de existência, o Atlanta United teve um crescimento sem precedentes e está a um passo do título.

Pelo segundo ano consecutivo, o Atlanta United está nos play-off da MLS. Com o triunfo perante o New York City FC na meia final de conferência, a equipa de Atlanta está a apenas um passo de lutar pelo título nacional norte-americano. Para a equipa de Atlanta não houve tempo perdido. Criados em 2014, e no segundo ano de existência física, os “Cinco Riscas” atingiram um estatuto sem precedentes em tão pouco tempo. Em apenas dois anos de existência física, o Atlanta United estabeleceu-se rapidamente como um dos maiores clubes do Mundo, bateu recordes atrás de recordes e fruto de um sucesso baseado num recrutamento atípico, pode muito bem ter mudado para sempre não só a MLS, como o próprio futebol de um ponto de vista universal.

Numa liga que sempre se quis desenvolver e crescer com a ajuda de estrelas do futebol internacional em final de carreira, pagos a peso de ouro e à procura do último grande contrato da carreira numa pré-reforma dourada, o Atlanta United chegou para mostrar como se devem realmente fazer as coisas e, com isso, mudar o paradigma de toda uma competição obrigando-a a crescer de forma pensada e sustentada. Ao contrário do que sucedia até aqui na Liga, com incidência especial em Nova Iorque e Los Angeles, a aposta do Atlanta United foi no futuro. Na vez dos craques em decadência, a equipa de Atlanta apostou em jovens talentosos com muito a provar no fundo, levando para o comando técnico da equipa um técnico altamente reputado como Tata Martino.

“Sentimos que conseguiríamos ter melhores jogadores e um plantel melhor se contratássemos jovens jogadores ainda a construir a sua carreira em vez de oferecer a um jogador que até já estava mais interessado em estar na praia um último contrato”, afirmou o presidente do clube em entrevista recente, Darren Eales. O problema de Atlanta nunca foi financeiro, mas sim conceptual. Detidos pelo fundador da Home Depot, Arthur Blank, dinheiro é coisa que não falta a Atlanta. Contratar uma super estrela do futebol Mundial como Zlatan Ibrahimovic, por exemplo, não teria sido um problema. As ideias do clube, porém, sempre foram outras. Sempre foi fazer melhor, fazendo diferente.

Mesmo à procura de se estabelecer como identidade e marca a nível global, o Atlanta United não procurou fazê-lo colando-se à imagem de um futebolista blockbuster. O crescimento conseguido, para níveis estratosféricos em apenas dois anos, deveu-se quase exclusivamente ao sucesso desportivo conseguido em campo, com base num planeamento e visão de futuro e altamente sustentável. Uma visão à qual Darren Eales não pode ser dissociado. É ao antigo diretor do futebol do Tottenham que deve ser dado o crédito quase total pela visão implementada no clube, e que pode muito bem revolucionar por completo o futebol. Sem exageros.

“Cheguei à conclusão de que era possível ‘vender’ a MLS como uma liga em crescimento onde os jovens jogadores se podem desenvolver e depois dar o salto para equipas e ligas de maior reputação”, afirmou ainda Eales. A ideia passava por convencer tais jovens jogadores de que um salto para a Europa ou para um clube de Liga dos Campeões era ainda demasiado grande e que o mais provável era que acabassem no banco durante grande parte da temporada. Assim, passam uma primeira fase de adaptação pós futebol sul americano na MLS, desenvolvendo-se como jogadores, ganhando experiência durante três ou quatro anos e aí sim estariam preparados para a Europa.

A observação e prospeção são por isso pilares fundamentais no sucesso do Atlanta United. Identificar e encontrar talento em bruto, com muito ainda por provar, desenvolvê-lo, pagar por ele o que for necessário, levá-lo para Atlanta e fazê-lo destacar-se num sistema de jogo expansivo que o potencie. Josef Martínez e Miguel Almirón que o digam. Idealmente, em poucos anos, como aliás parece estar para acontecer, um clube endinheirado da Europa compensará o investimento feito pelo clube e o jogador cumprirá então o sonho de jogar num clube e competição ainda maiores.

O sucesso conseguido pelo Atlanta United, com duas presenças consecutivas no play-off da MLS, nos dois primeiros anos de existência, com vários recordes individuais e de assistência batidos pelo clube, estabelecendo-se este como um dos maiores clubes do Mundo em poucos meses de existência pode ajudar a, no futuro, mudar para sempre o paradigma da competição e do futebol internacional. Se até aqui os clubes da MLS sempre mostraram alguma relutância em fugir da ideia das contratações sonantes, o sucesso conseguido pelo Atlanta United com um recrutamento atípico para a competição pode ser o quebrar de barreira definitivo para que os clubes da MLS comecem a competir diretamente com o futebol europeu pela compra de jogadores, em especial, oriundos de mercados como o sul americano. A contratação de Ezequiel Barco, por exemplo, também por parte do Atlanta United, quando este tinha meia Europa atrás de si, é também um sinal dos tempos.

“Nós fomos capazes de atrair jogadores como o Miguel Almirón, o Josef Martínez, o Tito Villaba, dizendo-lhes ‘olhem, rapazes, venham jogar por nós que nós metemo-vos na montra. Temos um treinador como o Tata Martino que é provavelmente um dos melhores do Mundo. Temos uma base de fãs que vos permite jogar para 70 mil pessoas em casa e temos um complexo de treino do mais moderno no Mundo”, explica Eales, sem nunca esquecer que o sucesso de um clube não passa apenas pelo modelo desportivo. No fundo, um clube de futebol é cada vez mais um negócio.

“Se o jogador X é um jogador de Premier League que vem já no final de carreira e tu lhe pagas seis milhões de dólares por ano, durante três anos, isso equivale a um investimento de 18 milhões. No final desses três anos não tens retorno, ganhas nada com ele. Ele simplesmente desaparece. Se, pelo contrário, contratas um jogador vindo da América do Sul por dez milhões e lhe pagas dois milhões por ano durante esses mesmos três anos, o teu investimento é semelhante e no final desses três anos podes conseguir transferi-lo por valores superiores. Mesmo que não consigas vendê-lo por mais, há sempre parte do investimento que é amortizada”, explica o presidente do Atlanta United.

Miguel Almirón é o melhor exemplo possível do modelo de negócio do Atlanta United, normal a nível europeu, em especial em Portugal - comprar barato e vender caro -, mas pioneiro, pouco explorado nos Estados Unidos e na MLS. Não por falta de dinheiro, claro está, mas por falta de... coragem. Almirón chegou ao Atlanta United oriundo do Lanús por cerca de oito milhões de dólares, com rumores do interesse do Arsenal na contratação do paraguaio, já em janeiro, por cerca de 20 ou 30 milhões. “O ponto principal de tudo isto, é que depois se torna mais fácil para nós atrair a próxima jovem estrela porque já provámos que o conceito está certo e podemos até recrutar talentos ainda maiores e melhores. Isto acaba por ser uma bola de neve. Trazemos mais talento para a liga, tornamos a equipa mais forte e a realidade é que nos tornamos parte global e universal do futebol”, acrescenta Eales.

Em apenas dois anos, o Atlanta United provou que não são precisas estrelas (de)cadentes do futebol europeu para tornar um clube da MLS bem sucedido. Com um recrutamento atípico para o contexto em que se insere, o Atlanta United chegou ao play-off em ambos os anos e, em 2018, é talvez o grande favorito a vencer a competição, numa ascensão sem precedentes e que faz mesmo do Atlanta United, por esta altura, um dos maiores clubes do Mundo. Se Josef Martínez bateu todos os recordes possíveis em termos de golos, o Atlanta United passou a ser detentor de todos os recordes associados às assistências em estádio. Não só batendo o recorde de assistência média da competição (mais de 53 mil), como sendo agora detentor da maior assistência num jogo da MLS (72,243), bem como, naturalmente, detentor do recorde de assistência global da competição ao longo da temporada.

Só o futuro dirá, mas a barreira derrubada pelo Atlanta United pelo sucesso conseguido em função do seu modelo pioneiro no contexto da MLS, pode muito bem mudar para sempre a competição e o futebol internacional. Depois de anos a apostar em estrelas acabadas, afinal, o segredo era outro.