Portugal
Pippo Russo: "O império de Jorge Mendes está a entrar em declínio"
2017-07-06 09:30:00
Em "A Orgia do Poder", o jornalista italiano Pippo Russo revela a "história nunca contada" de Jorge Mendes

O jornalista italiano e sociólogo do futebol Pippo Russo, autor do livro ‘A Orgia do Poder, a história nunca contada de Jorge Mendes, o agente português que se tornou o patrão do futebol mundial', lançado em Junho em Portugal, considera que a influência do empresário de Cristiano Ronaldo e José Mourinho está em queda com as notícias de alegada evasão fiscal em Espanha.

Pippo Russo tem-se dedicado ao estudo do fenómeno da economia paralela no futebol global e está em crer que as investigações em curso pelas autoridades espanholas sob a alegada evasão fiscal são um sinal de que o poder de Jorge Mendes poderá estar em declínio. “Foram as revelações do Football Leaks, agora a questão que se coloca aos jogadores agenciados por ele relativamente a evasão fiscal…tudo isto são sinais de um momento atual em que Jorge Mendes já não é o agente todo poderoso”.

“O império de Jorge Mendes está a entrar em declínio. Talvez esteja errado, mas os danos na imagem dele são uma realidade. Se isto pode vir a revelar-se decisivo na queda dele, não sei, mas vivemos um tempo em que ele, pela primeira vez, está em reais dificuldades. Com problemas pela frente. Não estávamos habituados a vê-lo assim. A sofrer”, declara Pippo Russo ao Bancada, onde escreve uma crónica ao quarto sábado de cada mês.

Ao longo de mais de 400 páginas de “A Orgia do Poder”, Pippo Russo narra a vida, os negócios e as estratégias do superagente, disseca o percurso de Mendes desde os tempos em que foi gerente de uma discoteca em Caminha até à atualidade em que é considerado o maior agente do mundo -  tem entre os seus cerca de 80 clientes nomes como os de Cristiano Ronaldo, José Mourinho, James Rodríguez, Di Maria, Diego Costa e Radomel Falcao –  que exerce influência nos três grandes em Portugal e nos mais pequenos Rio Ave, SC Braga e Vitória de Guimarães, e tem no Manchester United, AS Mónaco  e Atlético de Madrid clubes cruciais para o funcionamento do seu sistema.

 “A minha intenção inicial era a de fazer um livro sobre o fenómeno a que chamei de economia paralela do futebol global. E foi aí que publiquei o meu primeiro livro, “Gol di rapina: il lato oscuro del calcio globale” (Golpe de Rapina: o lado obscuro do futebol global), em 2014, que era uma abordagem geral sobre o sistema, em que o dinheiro ganho nas transferências não era para o desenvolvimento do futebol, mas para fora do futebol, para proveito individual. O passo seguinte, natural, era focar-me no ator principal desse sistema que, para mim, é Jorge Mendes”, explica Pippo sobre como nasceu a ideia de escrever “A Orgia do Poder”.

Um dos mistérios que ainda hoje prevalece para o professor de Sociologia do Desporto na Universidade de Florença é como é que Jorge Mendes saiu da sombra para se tornar o mais influente de todos os agentes da atualidade. “Jorge Mendes era um outsider quando começou a fazer negócios no mundo do futebol. Depois foi subindo. Continuo a não chegar a uma conclusão sobre quais os motivos pelos quais ele conseguiu obter tanto poder, mas há um momento estratégico que foi fundamental e que foi quando ele superou José Veiga. Depois dá-se a coincidência de o primeiro fundo de investimento português criado em 2012 ter sido subsidiado pelo BES e os jogadores serem agenciados por Mendes. Há aqui uma coincidência entre o mundo da finança e Jorge Mendes”.

Em “A Orgia do Poder”, Pipo Russo expõe ainda o que considera ser uma construção de mito em torno do empresário português, que torna a imprensa portuguesa, sobretudo desportiva, complacente em relação às notícias de eventuais irregularidades. Na raiz desta atitude, no seu entender, está uma tendência de ‘protecionismo’ às maiores figuras da sociedade portuguesa. “Portugal é um país pequeno com grandes génios. É a história que o diz. Nestas condições, é normal que um grande ‘campeão’ como Jorge Mendes ou Cristiano Ronaldo sejam um fator de orgulho nacional e que haja a tendência para proteger esses ‘campeões nacionais'”, advoga. No entanto, para Russo, Mendes é hábil a construir boas relações com os media. “Ele é bem visto em Portugal, pelos media, tem uma imagem muito positiva”. E dá um exemplo: “Se um jogador é agenciado por Mendes, a imprensa escreve de maneira diferente sobre ele do que sobre outro jogador que não é de Mendes. Para mim, isto não é uma situação normal”.

Pippo Russo fala, no entanto, em "ponto de viragem" na imagem pública de Jorge Mendes depois do caso da alegada evasão fiscal. "Ronaldo pode ter problemas fiscais, mas se marcar dois golos ou três passa a ser visto como o Ronaldo génio do futebol. Com Jorge Mendes, não. Ele não marca golos. É um homem de negócios. A imagem pública dele está afetada. Não sei se é o princípio do fim do império, mas se calhar estamos lá perto".

Para Pippo Russo, Jorge Mendes já atingiu o auge da sua carreira quando transferiu Renato Sanches para o Bayern por “uma quantia exagerada de dinheiro para um jogador tão jovem, que estava ainda num processo de crescimento, a precisar de ficar em Portugal pelo menos mais um ano para melhorar. Com Ronaldo resultou, com Renato foi um erro”. Para o colunista do Bancada, “só há um Ronaldo por geração, foi um erro tentar replicar um caso como o de Ronaldo”. Talvez Ronaldo não chegasse tão rápido ao Manchester United sem o Jorge Mendes, mas teria à mesma uma carreira de alto nível”.

A dependência dos clubes médios em Portugal em relação a Jorge Mendes é outro dos assuntos pertinentes abordados no livro. Pippo Russo prevê que mais cedo ou mais tarde vamos ver o lado negro da dependência de clubes como o Rio Ave, SC Braga ou V. Guimarães, mais do que nos três grandes, embora nestes Benfica e Fc Porto estejam também "dependentes de Mendes". Mas Pippo acredita que os problemas vão surgir nos clubes de menor porte. E dá um exemplo: “o Paços de Ferreira vendeu Diogo Jota ao Atlético de Madrid por sete milhões de euros, mas o Paços só recebeu 2,8 milhões porque era dono de 40 por cento do passe. Ou seja, 60 por cento da verba produzida no mundo do futebol foi para fora do mundo do futebol. É a isto que eu chamo a economia paralela do futebol mundial. Se a saúde financeira de um clube depende de um superagente, se calhar a curto prazo pode ter vantagens mas a longo prazo torna-se nefasta”. Em relação aos três grandes

Com uma visão pessimista para a extinção deste tipo de comportamentos, assim como dos fundos de investimento, outra ‘guerra’ travada por Pippo Russo no seu livro, o jornalista italiano acha que “só a explosão da bolha especulativa poderá resolver a situação” porque, como ele diz, “como o futebol está, tão dependente, não tem condições para autoregenerar-se”.

A terminar a conversa com Bancada, Pippo Russo contou estar a preparar mais dois livros. A investigação que está mais avançada é sobre o presidente da Liga espanhola, Javier Tebas, um defensor acérrimo dos fundos de investimento no futebol. O outro diz respeito a outro superagente, o italiano Mino Raiola. “É uma personagem interessante e que a breve prazo pode rivalizar com Jorge Mendes. Raiola não tem medo de comprar uma guerra contra homens poderosos”.

                                               Pippo Russo, autor do livro "A Orgia do Poder" centrado na figura de Jorge Mendes