Prolongamento
Rangers portugueses de assalto a Glasgow
2017-06-15 21:50:00
A aposta do Glasgow Rangers vista por Jorge Cadete e a história do "Batatinha" contada por Álvaro Magalhães

Pedro Caixinha, Bruno Alves, Fábio Cardoso, Dálcio Gomes e Daniel Candeias. São cinco os portugueses contratados pelo Glasgow Rangers numa aposta sem precedentes na Escócia. A equipa britânica é agora a que tem, a nível europeu, o maior contingente de jogadores oriundos do nosso país no plantel.

O grande rival Celtic teve precisamente num português uma das maiores referências de sempre. Jorge Cadete, “The Man That Puts The Ball in The Net”, título de uma música que lhe é dedicada, encantou os adeptos dos católicos para desalento dos protestantes que 21 anos depois da chegada do português acabam por virar atenções para o futebol nacional em época de domínio absoluto do Celtic na Escócia. Há seis anos consecutivos que a prova maior escocesa não conhece outro campeão.

Jorge Cadete, “The Man That Puts The Ball in The Net”

Jorge Cadete deseja sorte aos portugueses do Glasgow Rangers mas como nestas coisas do futebol o coração fala mais alto, o antigo internacional português espera que o “seu” Celtic mantenha o domínio do futebol escocês e que bata o seu próprio recorde de nove títulos de campeão consecutivos, feito só igualado pelo Dínamo Kiev e pelo… Glasgow Rangers.

“Como português, espero que tenham algum sucesso, mas que o Celtic continue a dominar o futebol escocês”, afirma ao Bancada, um dos históricos dos católicos, mostrando enorme carinho por tudo o que viveu ao serviço do campeão da Escócia. “O Celtic está no meu coração. Marcou-me bastante. Ainda sou o número um em termos de golos marcados em época de estreia com 33 golos em 41 jogos. Dembélé fez 32 em 44 jogos pelo que continuo a ter esse recorde.”

Passados 21 anos, Cadete ainda é alvo de reconhecimento por parte dos apaixonados adeptos escoceses. “Já passaram mais de 20 anos e continuam a tratar-me com grande carinho e respeito, pelo que tenho grande gratidão por eles. Quase todos os dias recebo mensagens. É um reconhecimento que fica para a vida. Joguei pouco mais de um décimo no Celtic (13 meses) do que joguei no Sporting, onde estive 12 anos, e é muito gratificante que 21 anos depois ainda continue a receber este carinho.”

Os escoceses sabem reconhecer, diz Jorge Cadete, dando um exemplo. “No novo símbolo do Celtic na camisola tem o nome de Lisboa e a data em que conquistaram cá a Taça dos Campeões Europeus: 27 de maio de 1967. Poderia estar escrito em inglês, podia estar Lisbon, mas não: está Lisboa.”

Mais um motivo que acentua o orgulho que o antigo internacional demonstra quando fala do Celtic e mais um motivo para torcer no sentido de que os católicos partam em busca da tentativa de almejar os inéditos 10 títulos consecutivos a nível mundial. “Não tenho dúvidas de que o Celtic vai em busca dessa meta com o tremendo apoio dos adeptos. Só para se ter ideia, na primeira semana de junho o clube vendeu 50 mil bilhetes de época, os ‘season tickets’ e os dirigentes já pensam em aumentar a lotação para 80 mil espectadores.”

Na altura, Jorge Cadete foi uma espécie de “lança em África”. Rumou sozinho para Glasgow. Agora, sob o comando de Pedro Caixinha, Bruno Alves, Fábio Cardoso, Dálcio Gomes e Candeias, no rival histórico do Celtic, poderão beneficiar do facto de não estarem isolados no processo de ambientação. “Será um fator positivo”, admite Cadete, lembrando, todavia, que o grau de exigência também “será maior”.

O ex-ponta-de-lança do Sporting acredita, aliás, que tudo irá correr pelo melhor neste particular. “O Bruno Alves já jogou em vários campeonatos europeus, bastante competitivos, e o Candeias, por exemplo, é um jogador rápido, que poderá fazer a diferença. Seguramente não irão ter dificuldades de adaptação.”

A contratação de Pedro Caixinha não deixou de surpreender Cadete. “Fiquei positivamente surpreendido quando soube da notícia da entrada do Pedro no Rangers. Tem qualidade, mas o tempo dirá se conseguirá singrar.”

Para Jorge Cadete, “é importante para o futebol escocês que o Glasgow Rangers tenha voltado à Liga principal e seria bom que pudesse dar mais luta". "Os adeptos gostam de ver jogadores de classe. Quando há mais oposição, os clubes tendem a contratar jogadores de maior valor e na Escócia isso é muito valorizado”, frisa o antigo avançado ao Bancada.

Neste contexto, Cadete lembra que os adeptos do Celtic e do Rangers são bastante diferentes no modo de estar. “O Celtic foi fundado por adeptos irlandeses e tem uma cultura muito própria. São exigentes, mas nunca abandonam um jogador nem a equipa, mesmo nas horas más. O adepto do Rangers é um adepto mais exigente. Quando as coisas não correm bem, facilmente critica a equipa.”

Com o mercado de transferências a mexer, o maior contingente português a nível europeu mora nesta altura em Glasgow, com quatro jogadores e um treinador nacionais. Só o CSKA de Sófia concorre de perto com o Rangers. Os búlgaros contam nas suas fileiras com quatro portugueses (Rúben Pinto, David Simão, Arsénio e Rui Pedro). Em Cluj, estão três (Filipe Nascimento, Tiago Lopes e Mário Camora), o mesmo sucedendo no Apollon (Bruno Vale, João Pedro e Nuno Lopes), no Lechia Gdansk (Marco e Flávio Paixão e João Nunes), no Slask (Augusto Pereira, Filipe Gonçalves e Alvarinho) e no Panetolikos (Cristiano Figueiredo, Miguel Rodrigues e Luís Rocha).

A histórica armada sueca do Benfica

Em sentido inverso, os clubes portugueses já receberam expressivas comunidades de jogadores estrangeiros. Se os jogadores oriundos do Brasil se tornaram comuns até pela facilidade linguística (e não faltaram “monstros” como Ricardo, Mozer, Elzo e Valdo, em simultâneo na Luz, e Celso, Juary e Casagrande, campeões europeus em 1986/87, no FC Porto), no Benfica, por exemplo, ficou na memória de todos a célebre “armada” sueca.

Tudo começou na temporada 1982/83 com Stromberg, mas foi em 1989/90 que tal aposta ganhou expressão num plantel em que constavam Magnusson, Thern e Schwarz que, curiosamente até acabaram por desmistificar a famosa expressão “altos, toscos e louros” adaptada aos jogadores nórdicos, em particular quando Manniche chegou ao Benfica.

“Eram fortes, mas eram bons tecnicamente”, lembra ao Bancada Álvaro Magalhães, antigo lateral esquerdo internacional português e companheiro dos suecos na Luz. “Thern e Magnusson eram jogadores fantásticos”, sublinha, acrescentando as principais qualidades dos colegas de equipa de então. “Thern recuperava bem a bola e colocava-a sem problemas a 30/40 metros; Magnusson aparecia bem nos espaços. Muitas vezes, quando o Chalana puxava o lateral, era ele que aparecia. Aparecia bem nos espaços e fazia golos.”

Segundo Álvaro, os internacionais suecos do Benfica foram “uma clara mais valia”. “Tinham mentalidade ganhadora, pois até haviam sido campeões na Suécia. Adaptaram-se bem e passado um mês já falavam português. Aliás, naquele balneário, lembro-me, era obrigatório falar português.”

A história do “Batatinha”

O bom ambiente era um facto numa equipa habituada a ganhar e que se sagrou campeã com Eriksson numa primeira passagem em 1982/83 (no caso apenas com Stromberg) e, numa segunda, em 1989/90 (com Thern e Magnusson) e em 1990/91 (com Thern, Magnusson e Schwarz).

Álvaro Magalhães guarda boas recordações desses tempos. E lembra uma história curiosa, uma alcunha muito especial. “Stromberg era o batatinha. Sempre bem disposto, gostava muito de batatas fritas. E de uma cervejinha depois de uma boa vitória. ‘Ganhámos. Temos de festejar’, dizia ele. Se estivéssemos quatro numa mesa, ele pedia cinco cervejas. Bebia uma e tinha outra sempre ao lado.”

Gaspar Ramos, o responsável pelo futebol dos encarnados de então, lembra que a aposta no mercado sueco teve por base um acompanhamento rigoroso dos jogadores. "Não foi uma questão de sorte”, sustenta, sublinhando: “Trabalhávamos com um empresário sueco que nos dava algumas indicações e depois fazíamos um acompanhamento rigoroso do jogador no local. Eram excelentes profissionais, adaptaram-se muito bem ao clube e a Portugal. Sempre cumpriram o que lhes era pedido e não me recordo de qualquer problema disciplinar".

O recurso do Benfica ao mercado nórdico começou em meados de 80 quando o "filão brasileiro ficou demasiado caro", explicava na altura o antigo diretor para o futebol do clube da Luz, aduzindo que o objetivo maior dos encarnados passava por transmitir maior agressividade ao onze. "Em 1987 foi necessário refazer a equipa do Benfica. Humberto Coelho, Bento, Alves, Shéu estavam em final de carreira. Não podíamos perder qualidade. Foi então que se deu a aposta nos suecos. Queríamos criar uma mescla entre o habilidoso futebol brasileiro e o poder físico nórdico. Isso foi conseguido com Thern, Schwarz e Magnusson. Deram mais agressividade ao nosso futebol, tinham grande capacidade física, poder de remate e um excelente rigor tático.”

A armada internacional mais famosa do mundo

A nível internacional, houve outras armadas que ficaram famosas. A subjetividade está sempre inerente a uma escolha deste tipo, mas julgamos ser minimamente consensual e não ofenderemos ninguém se lembrarmos a constelação holandesa do Milan, de 1998 a 1990, liderado por Arrigo Sacchi, possivelmente a mais fantástica armada internacional. Rijkaard, Gullit e Van Basten constituíram um trio verdadeiramente espetacular e multifacetado, espalhando o seu perfume por onde passavam.

O Milan dos holandeses dominava o adversário, não o deixava respirar e jogava a bola de forma sublime. Não é admirar, pois, a panóplia de títulos conquistados: bicampeão mundial de clubes (1989 e 1990), bicampeão da Liga dos Campeões (1988/89 e 1989-90), bicampeão da Supertaça (1989/90), campeão Italiano (1987/88) e vencedor da Supertaça da Itália (1989).

Famosa, sobretudo pela quantidade, ficou também a “colónia” holandesa em Barcelona. Treinados na altura por Louis van Gaal, os catalães chegaram a ter… oito jogadores oriundos do país das túlipas nas suas fileiras. No caso: Ruud Hesp, Reiziger, Winston Bogarde, Zenden, Cocu, Ronald de Boer, Frank de Boer e Patrick Kluivert. Decorria a viragem de século.