Prolongamento
A influência dos apanha-bolas no futebol merece a atenção dos treinadores
2017-10-03 21:00:00
A tarefa dos 'gandulas' num jogo pode parecer pouco relevante, mas eles têm cada vez mais um papel decisivo

A influência dos apanha-bolas no futebol profissional é cada vez mais relevante. A forma rápida como recolocam a bola em jogo nos lançamentos de linha lateral para a equipa da casa, ou a retardam para os visitantes, ou ainda o modo célere como repõem a bola em jogo para um pontapé de baliza para a equipa adversária, são algumas das estratégias delineadas a priori que até ajudam a ganhar. Eles são jovens, entre os 8 e 16 anos, essencialmente da formação do clube da casa, e estão sempre localizados atrás das balizas e das placas de publicidade dos estádios e supervisionados por um elemento mais velho que faz parte da equipa responsável pela organização do jogo. Devem ter sempre uma bola à mão para reporem em campo de imediato assim que a situação exige, seja em lançamentos de linha lateral, cantos ou pontapés de baliza. A FIFA determina que um jogo de futebol tenha catorze apanha-bolas, sendo três nas laterais do campo e quatro atrás de cada baliza. E podem influenciar o ritmo do jogo, e até o resultado.

A importância dos apanhas-bola na decisão de um resultado já aconteceu esta época num TSG Hoffeinhem-Bayern, para o campeonato alemão. O adversário do SC Braga na Liga Europa beneficiou de uma ação rápida de um dos apanha-bolas do clube para marcar o primeiro golo da vitória de 2-0 sobre o Bayern. "Eles reagiram muito depressa - Andrej [Kramaric], Mark [Uth]... e o apanha-bolas. Não quero dizer que uma grande parte do golo é do apanha-bolas, mas ele teve um papel bem importante", admitiu o jovem treinador após a vitória sobre a equipa então ainda orientada por Carlo Ancelotti por 2-0. "Aqui, os apanha-bolas são encorajados a repor rapidamente a bola em jogo", explicou então Nagelsmann, técnico do TSG Hoffeinhem, adepto da reposição rápida da bola em jogo. O próprio apanha-bolas, Umut Tohumcu,de 13 anos, explicou depois ao "Bild" a situação. "Vi que o Kramaric queria a bola e lancei-a imediatamente. Foi a minha estreia como apanha-bolas na equipa sénior e é uma sensação incrível ter ajudado".

Semanas depois, foi a vez de Guardiola abordar o tema como participante ativo. O treinador espanhol foi visto a dar instruções a um apanha-bolas do clube durante a primeira parte do Manchester City-Crystal Palace quando o resultado ainda estava a zeros. Guardiola pretendia que a bola fosse reposta mais rapidamente em jogo de forma a poder surpreender o adversário. Ainda que não tenha beneficiado da situação, a verdade é que os jogadores do City, segundo ele, “despertaram” do ritmo lento a que estavam a jogar graças à rapidez com que os apanha-bolas começaram a devolver a bola quando esta saía do terreno de jogo. Guardiola explicou a situação no final da partida que a sua equipa venceu por 5-0: “Se havia uma falta, ou um lançamento lateral, não havia ninguém para dar uma bola e recomeçar a jogada. Demorava-se sempre cinco/dez segundos até alguém dar a bola. Quando isto acontece tudo fica mais lento. Os apanha-bolas foram lentos, todos foram lentos. Queria mais rapidez em tudo”, concretizou Pep. Sobre as reposições rápidas nos lançamentos laterais, Petit chama a atenção de que Benfica e Sporting estão a fazer isso com mais frequência esta temporada. "O Benfica fez isso ainda esta semana com o Marítimo, e o Sporting costuma fazê-lo em casa".

Os dois lados da moeda

Há ainda assim os dois lados da moeda. Se a equipa da casa está a ganhar, a reposição da bola por parte dos "gandulas" (termo utilizado no Brasil) é mais lenta, mas se o resultado não é o desejado tudo acelera. "O ideal em prol do espetáculo é que os apanha-bolas passem a bola de forma rápida tanto à equipa da casa como ao adversário. Mas isso na realidade não acontece", refere João Alves, antigo treinador, para quem a uniformidade de critérios só existirá "se passarem a existir máquinas a repor a bola em jogo".

É do senso comum que os apanha-bolas favorecem a equipa que joga em casa. Afinal, são os clubes visitados que escolhem os apanha-bolas que vão estar à volta do campo. "Eles estão sincronizados com a filosofia de jogo da equipa da casa", diz João Alves, ideia corroborada pelos treinadores Petit e Álvaro Magalhães. "Quando treinava o Boavista e o CD Tondela falava com os responsáveis pelos míudos para lhes transmitir quais eram os comportamentos da equipa para eles perceberem o que tinham de fazer nesse tipo de situações", conta Petit. "Têm de saber como agir nos lançamentos, cantos, pontapés de baliza, a favor e contra", acrescenta João Alves que recorda, com ironia, que quando treinava o Estrela da Amadora não era preciso dar ordens porque no Estádio José Gomes, na Reboleira, "a bola batia na parede e estava sempre em jogo".

Francisco Chaló, treinador do Académico de Viseu, relembra alguns jogos nos escalões secundários em que a ação dos apanha-bolas nem era necessária. “A parede do campo era muito próxima do relvado e proporcionava um non-stop, e quando temos jogadores com capacidade de lançamento longo, jogávamos com isso”, recorda Chaló que conta que no Feirense tinha “situações estudadas em lances do lado da bancada, mais junto ao banco”, em que os apanha-bolas já sabiam que deviam repor a bola com rapidez.

Álvaro Magalhães introduz o termo "estratégia" para explicar a ação dos apanha-bolas numa partida de futebol. "Quando o resultado é adverso, os treinadores das equipas da casa querem sempre que a reposição da bola seja rápida, para não se perder tempo e poder apanhar o adversário em contrapé. Mas quando estão a ganhar as ordens são para perder tempo", anota, não deixando de admitir que ele próprio já fez isso. "Sobretudo na parte final dos jogos, se estava a ganhar, disse muitas vezes ao meu adjunto para dizer aos míudos para terem calma na reposição da bola em jogo".

O treinador Paulo Alves encara com naturalidade os apanha-bolas da equipa da casa estarem "instruídos para repor a bola mais depressa ou mais devagar conforme as situações", mas defende, tal como João Alves, que o ideal era existir uma uniformidade de critérios para as duas equipas, "independentemente do resultado". E dá um exemplo: "Já me aconteceu, na II Liga, estar a perder fora e os apanha-bolas, que começaram por ser muito rápidos a repor a bola, desaparecerem na segunda parte. Isso não devia acontecer", argumenta.

José Mourinho e Jorge Jesus

Tanto José Mourinho como Jorge Jesus também já se referiram à influência dos apanha-bolas num jogo de futebol. Quando treinava o Chelsea FC, Mourinho chegou a criticar a postura dos apanha-bolas em Inglaterra, aquando da derrota dos ‘blues’ no terreno do Leicester City, por 2-1. "Podia ter havido 20 minutos de pausa no jogo, mas a situação teria sido a mesma, porque aconteceram coisas fora do campo que o árbitro não podia controlar.

O árbitro não podia punir os apanha-bolas que desaparecem com a bola, o árbitro não pode punir os adeptos que ficam com a bola", disse Mourinho. E em Portugal Jorge Jesus, quer no Benfica e no Sporting já teve vários episódios em que exigiu aos apanha-bolas maior rapidez na devolução da bola, e noutros casos até se irritou por a reposição estar a ser feita demasiado rápida. Pedro Caixinha, na altura treinador do Nacional, quando empatou em casa do Sporting por 2-2 para a primeira mão da meia-final da Taça de Portugal chegou a dizer que “em Alvalade, há os apanha-bolas mais rápidos do mundo”.

O golo fantasma no Estádio das Antas

Mais longínquo no tempo, e como exemplo negativo da ação dos apanha-bolas, há o caso do golo fantasma no antigo Estádio das Antas. A 18 de outubro de 1975, um golo da autoria de um apanha-bolas na sequência de um remate de cabeça de Fernando Gomes que saiu junto à rede exterior da baliza de Vítor Damas foi sancionado por Alder Danta induzido em erro pelo tremendo nevoeiro que se abateu sobre o relvado do Estádio das Antas e que não lhe permitiu ver o apanha-bolas a colocar a bola na baliza. Era o 2-2 para o FC Porto, mas o Sporting acabaria por vencer por 3-2, com um golo de Baltasar aos 74'.