Portugal
Paços de Ferreira, uma colónia australiana com a influência de Bozinovski
2017-07-09 19:10:00
Primeira Liga 2017/18 vai ter três australianos; uma aposta invulgar, mas ligada ao primeiro de todos a cá chegar

Primeiro chegou o central Dylan McGowan. Depois foi a vez do jovem extremo Awer Mabil rumar a Paços de Ferreira. Pelo meio, já o defesa Nick Ansell havia assinado pelo CD Tondela. Todos eles australianos. Estaremos na presença de uma moda? Experiências anteriores bem-sucedidas? A única certeza é que esta é uma aposta raramente vista no futebol português e com poucos resultados à vista, tendo em conta que por cá só tínhamos visto seis compatriotas destes em toda a história da Liga. Dois deles também representaram os pacenses. Um deles foi até o primeiro a chegar ao nosso país. Vlado Bozinovski. Lembra-se dele? Por cá continua. E é ele a chave da resposta a todas às perguntas aqui já feitas.

Apesar de ter nascido na antiga Jugoslávia, Bozinovski foi cedo para a Austrália. Iniciou-se por lá no futebol e, depois de se tornar internacional pela seleção principal e de representar o país dos cangurus nos Jogos Olímpicos de Seul’1988, rumou à Europa. Fez uma temporada nos belgas do Club Brugge e no ano seguinte foi contratado pelo Beira-Mar. Transformou-se aí no primeiro australiano – ainda que não o fosse de origem – a jogar no primeiro escalão português, assim como numa figura marcante do clube aveirense. Após 32 jogos e dois golos o médio deu nas vistas e rumou ao Sporting.

Em 1990/91 fez parte de um plantel orientado por Marinho Peres que tinha muita qualidade no meio-campo. “Bozi”, como os colegas o chamavam, não se conseguiu impor numa equipa que tinha nomes como Balakov, Douglas, Careca, Litos, Carlos Xavier ou Filipe. Ainda assim, antes de regressar ao Beira-Mar na época seguinte, deixou marca em Alvalade, com o único golo que apontou em 16 jogos. Foi na segunda eliminatória da antiga Taça UEFA, num triunfo leonino por 7-0 frente aos romenos do Poli Timisoara, com o australiano a fechar a contagem.

Mais uma temporada positiva em Aveiro garantiu-lhe a saída para Inglaterra, assinando pelo Ipswich Town em 1992/93. Uma transferência que lhe valeu o “título” de primeiro australiano a jogar na era Premier League. Jogou pouco e optou por regressar a Portugal. É aí que se deu o primeiro encontro com o Paços de Ferreira. Algo que agora se percebe ter sido um momento decisivo para a abertura das portas aos australianos em Portugal. Fez duas épocas na Mata Real e na segunda foi colega e equipa do guarda-redes Carlos Padrão.

“Quando ele chegou ao Paços de Ferreira já falava corretamente português, já tinha mulher portuguesa. Embora fosse um pouco introvertido, foi dos colegas com quem tive uma relação mais próxima”, recorda Padrão ao Bancada. Por cá ainda fez mais uma temporada ao serviço do FC Felgueiras, em 1995/96, onde foi treinado por Jorge Jesus, antes de sair para o estrangeiro. Já lá vamos… Apesar da carreira ter prosseguido fora de Portugal, Bozinovski estabeleceu-se em Aveiro e continuou pelo nosso país depois de terminar a carreira.

Tapai veio a Portugal silenciar a Luz

Recuando duas épocas, vamos ter até 1993/94. Temporada em que o Estoril-Praia contratou um tal Ernie Tapai. Apesar de ser um desconhecido para a maioria dos adeptos, o médio chegou a Portugal “bem rotulado, sobretudo na marcação de livres”, como nos recorda Lázaro Oliveira, que dividiu o balneário com o jogador que já era internacional australiano – atuou em 15 partidas e marcou quatro golos. É preciso fazer justiça a Tapai, pois foi ele o primeiro australiano “de gema” a jogar no nosso país.

“Lembro-me perfeitamente que tinha uma grande amizade com ele. Eu e o Hélder, que agora é treinador do Benfica B, fomos muito amigos dele. Falávamos inglês e isso ajudava”, conta Lázaro, antes de revelar o processo que fez com que Tapai deixasse os ingleses do Stoke City – lá está mais uma coincidência, pois nessa época cruzou-se com Bozinovski em Inglaterra - para rumar ao nosso país: “Foi através de visionamento de vídeo feito por um ex-diretor do Estoril, que já faleceu, e pelo Fernando Santos, que era o treinador”.

Lázaro deixa elogios a um jogador que acabou por não se conseguir adaptar ao futebol português. “Demorou a integrar-se, pois nessa altura o Estoril tinha jogadores de qualidade para a posição. Jogou alguns minutos, mas teve dificuldade em ser titular. Foi um jogador que nunca se conseguiu impor. Mas em termos de balneário era uma pessoa fantástica, que vinha de uma realidade completamente diferente, mas disposto a aprender. Foi muito bem-recebido e quando se foi embora sentimos muita falta dele e pena de o ver partir, porque era bastante querido no balneário”, confessa o técnico, que na última época orientou o Farense.

Tapai deixou Portugal para regressar à Austrália, mas fê-lo com um registo que muitos gostariam de ter no currículo. Nos 14 jogos disputados pelo Estoril-Praia apontou apenas um golo. Onde? No Estádio da Luz. À segunda jornada da temporada 1993/94, logo na estreia oficial. No minuto (58) em que Rui Águas adiantou os encarnados no marcador, Carlos Manuel foi expulso pelos canarinhos e Fernando Santos lançou Tapai para o lugar de Curcic. Uma substituição certeira, pois aos 87 minutos, o australiano empatou o encontro, garantindo um ponto para a turma da Linha e silenciando um antigo Estádio da Luz cheio, num domingo solarengo.

Foi nessa altura que Portugal assistiu a algo idêntico ao que se passa agora, com dois australianos em simultâneo a jogar no campeonato. Mas a história de Ernie Tapai foi bem diferente da de “Bozi”, pelo menos no que toca à ligação a Portugal. Pouco mais se ouviu falar de Tapai desde então. Depois da Austrália rumou ao futebol indonésio em 1999, para representar o Home United. Precisamente no mesmo ano em que Bozinovski também chega a esse clube. Mais coincidências? Ficam lá dois anos e rumam ao Balestier Khalsa, também da Indonésia. Isso mesmo, os dois. Juntos. A temporada de 2001 significou o adeus de ambos aos relvados, após três anos juntos.

De Patafta a Davidson

O terceiro australiano desta saga é Michael Curcija, avançado com provas dadas a nível das seleções jovens australianas, mas que nos dois anos em que esteve no SC Braga teve dificuldade para mostrar serviço – apenas um golo para amostra, antes de regressar ao seu país. Em 2004/05 é a vez de Eugene Galekovic, um guarda-redes internacional australiano, assinar pelo Beira-Mar – clube que havia sido o primeiro a iniciar esta aposta em australianos. Dois jogos apenas para registo, naquela que foi a única experiência internacional da carreira.

Mas tudo ganha um novo sentido quando, em 2005, chegou à Luz um jovem promissor chamado Kaz Patafta. Trazia rótulo de craque e começou por jogar nos juniores do Benfica. Apesar da tenra idade, no verão de 2006 foi mesmo incluído no estágio de preparação da seleção australiana para o Mundial desse ano. Contudo, o potencial nunca se confirmou. Qual Tapai. Patafta nem sequer chegou a jogar pela equipa principal do Benfica, o que faz com que não faça parte dessa lista de australianos que jogaram em Portugal. Regressou à Austrália, andou pela Malásia, pela Tailândia e em 2015 teve a última experiência da carreira no Vietname.

Só em 2009 Portugal voltou a receber um jogador vindo da terra de OZ. Jason Davidson reforçou a equipa de juniores do Paços de Ferreira, numa mudança que teve o cunho de Bozinovski. Na Mata Real fez apenas cinco jogos, antes de ser emprestado ao Sporting da Covilhã. Depois disso, o lateral esquerdo passou por Inglaterra e na última época esteve nos holandeses do FC Groningen, ganhando um novo balanço na carreira, após ter sido o titular do lado esquerdo da defesa australiana no Mundial’2014, no Brasil.

Há ainda outro protagonista desta relação, embora a forma como desembarcou no nosso país tenha sido diferente. O guardião Caleb veio para o Atlético em 2011/12, mas oriundo dos Estados Unidos, país onde nasceu. Representou também o Vitória de Setúbal, Gil Vicente e Farense na última época, onde se cruzou com Lázaro Oliveira, antes de voltar ao futebol dos States. “Hoje em dia a Austrália participa com alguma regularidade em campeonatos do Mundo. A realidade é completamente diferente do que era na altura, onde poucos australianos se aventuravam na Europa. Hoje a maioria dos jogadores australianos jogam em ligas estrangeiras, sobretudo na Inglaterra”, refere Lázaro Oliveira.

Agora, é a vez de McGowan, Mabil e Ansell tentarem dar um pouco mais de brilho às experiências australianas no futebol português. Algo que só Bozinovski conseguiu fazer. E que continua a procurar repetir através de jogadores que ajuda a colocar cá, sobretudo em Paços de Ferreira. É que esta história australiana até pode ter outro capítulo, pois na próxima época a baliza dos juniores pacenses vai estar entregue a Tomás Martins Bozinoski – assim mesmo, sem “v”. Exatamente, o filho de Vlado Bozinovski. Nunca acredite em coincidências…