Prolongamento
Vinícius, o goleador da 2ª Liga: a fé que move montanhas
2018-02-22 19:00:00
É o melhor marcador do campeonato apesar do Real SC estar em último. E na próxima época pode vir a jogar no… SSC Nápoles

Carlos Vinícius Alves Morais. Ou simplesmente Vinícius. O ponta de lança brasileiro de 22 anos é o melhor marcador da 2ª Liga com 16 golos ao serviço do último classificado, o Real SC. Um feito pouco comum para um jogador que a somar a isto, ao que tudo indica irá jogar no futebol italiano na próxima temporada, no SSC Nápoles. Um percurso ascendente de quem saiu menino de Bom Jesus das Selvas, no estado do Maranhão, levando com ele um sonho, o maior de todos os sonhos que tinha: o de tornar-se jogador de futebol profissional e chegar ao nível dos seus ídolos, Ronaldo, o Fenómeno, e Ronaldinho Gaúcho. O sonho comanda a vida.

“A minha infância foi igual a tantos outros jovens que um dia sonham em ser jogadores profissionais. Nasci numa cidade pequena, Bom Jesus das Selvas, e passava a maior parte do tempo num campo de terra batida com os meus amigos. Gostava de ir à escola mas gostava ainda mais de jogar futebol. E tinha os meus sonhos. Depois, com 14 anos, a minha mãe e o meu padrasto foram trabalhar para Goiânia [a capital do estado de Goías] e  eu fui jogar para as escolinhas do Goiás”, relata Vinícius ao Bancada.

O estado de Goiás que viria a ser um local fundamental na carreira de Carlos Vinícius. Foi de lá que se transferiu para o Santos, e foi de lá também que deu o salto para a Europa, assinando pelo Real SC. A ida para o clube de Neymar surgiu por mero acaso. “Um dia, num jogo de campeonato, um treinador do Santos, Dema, viu-me jogar. No final, perguntou-me se eu queria fazer um teste no clube, fiz o teste e, com 16 anos, assinei contrato”.

O percurso de Vinícius tem sido de permanente superação, mesmo quando os caminhos pareciam conduzir para o esquecimento. Nascido em Bom Jesus das Selvas, um local quase perdido no interior do Nordeste do Brasil, Vinícius tornou-se um produto das camadas jovens do Tricolor e chegou a cruzar-se no clube com Neymar em 2011, quando o agora astro do Paris Saint-Germain conquistou a Libertadores batendo o Peñarol na final. Vinícius tinha apenas 16 anos, menos três que Neymar. “Eu estava nos sub-17 e não tinha grande acesso ao Neymar, mas pelo menos uma vez por mês jogávamos com a equipa principal. Admirava-o muito. Procurava observá-lo em tudo o que fazia. Cada gesto, cada finta. Ele já era uma referência naquela altura”, recorda.

Na sua experiência no Peixe, Vinícius compartilhou o balneário com Gabriel Barbosa, o Gabigol, ex-jogador do Benfica, com quem jogou nos sub-17 e sub-20 do clube. Os dois venceram a Copa do Brasil sub-20 em 2013. “Tínhamos uma relação muito boa, de grande amizade”. No Santos, Vinícius nunca chegou à equipa principal. Cumpriu dois anos de contrato e no terceiro ano deixou Vila Belmiro para outro grande do Brasil, o Palmeiras, onde assinou por duas épocas. E voltou a estar perto de outro futuro craque. Gabriel Jesus.

Gabriel Jesus, que hoje em dia brilha no Manchester City, mais novo do que Vinícius, saltou diretamente dos sub-17 para a equipa principal, enquanto que Viníciu se quedava nos sub-20. “Com Gabriel Jesus nunca cheguei a ter alguma relação”, relata, mas só o facto de poder vê-lo jogar nos treinos era mais um acrescento ao sonho que nunca o abandonava, o de chegar cada vez mais longe no futebol. “Começamos a ver os nossos ídolos de perto, e começamos a acreditar que é possível lá chegar, com trabalho e perseverança”.

Uma carreira a conviver ao lado de craques e inspirada em CR7

Neymar, Gabriel Barbosa, Gabriel Jesus, tudo jogadores com quem, direta ou indiretamente, Vinícius se cruzou na sua ainda curta carreira de jogador. Mas o jogador destaque do Real SC tem referências superlativas. Desde pequeno, Vinícius almejou tornar-se um jogador do nível de Ronaldinho Gaúcho, ou da sua principal fonte de inspiração, Ronaldo, o Fenómeno. Pelo qual, confessou um vício adquirido: “Gosto de ver os vídeos dele. Ele teve uma brilhante carreira, é uma referência para todos os brasileiros, um jogador que quebrou muitas barreiras”. Vinícius que encontra no Fenómeno algumas das coisas que ele tenta fazer em campo. “A capacidade de explosão do Ronaldo, a maneira como ele procurava o um para um  e ia para cima dos adversários é algo em que eu me revejo”. Na lista de ídolos não falta Ronaldo, o português. Como acrónimo, Vinícius escolheu V95, como CR7 de Cristiano Ronaldo. V de Vinícius,  e 95, o número da camisola que veste, e que tem a ver com a data de nascimento, ele que nasceu em 1995 e faz 23 anos no próximo dia 22 de março.

                            Vinícius com Ronaldinho Gaúcho, aquando da passagem do avançado do Real SC pelo Santos (Foto Facebook)

Foi durante a estadia nos escalões jovens do Palmeiras que Carlos Vinícius viria a ser pai, aos 20 anos, e quando estava prestes a integrar o ‘time’ principal foi, em 2016, para o Caldense, de Minas Gerais, e depois, em 2017, vendido ao Grémio Esportivo Anápolis, clube do Estado de Goiás. “Eu tinha subido à equipa principal do Palmeiras e estava a poucos meses de terminar contrato. Como não queriam renovar comigo, fui para o Caldense, de Minas Gerais, para a equipa B. Só fiz um jogo. Foi então que surgiu o Grémio”.

O Grémio Anapólis é um clube brasileiro liderado pelo empresário português António Teixeira, cujo principal objetivo é exportar jogadores brasileiros para a Europa, e Vinícus viu aqui uma janela de oportunidade.  “O meu sonho sempre foi o de jogar na Europa e chegar aos clubes de topo e como eles tinham, e têm, esse projeto, a possibilidade de isso vir a acontecer entusiasmou-me”, conta-nos Vinícius.  

Em julho de 2017, o sonho europeu concretizou-se. Vinícius chegava à Europa e assinava pelo Real SC que iria fazer a estreia na 2ª Liga portuguesa. E o início foi de estrondo. Na primeira partida oficial, frente ao Belenenses, para a Taça da Liga, fez um golo, e na estreia no campeonato o cartão de visita foi um hat-trick em Matosinhos, diante do Leixões, o que o tornou no primeiro jogador da história da Segunda Liga a marcar três golos numa estreia. “Foi uma adaptação rápida e boa. O Real SC recebeu-me muito bem e contei com o apoio de todos. É natural que tenha sentido algumas diferenças, porque aqui em Portugal o jogo é mais rápido, mas adaptei-me bem e quero ajudar o clube a conseguir o seu objetivo, que é a permanência e que todos juntos vamos conseguir”. Ainda no último fim de semana, no jogo frente ao Benfica B, marcou dois golos na vitóra do Real por 5-1.

O olhar do técnico que o lançou no Real SC e o interesse do SSC Nápoles

O treinador que o lançou no futebol português, Filipe Martins, não tem dúvidas de tratar-se de um avançado “acima da média”. “Joga muito bem com o pé esquerdo, é forte de cabeça. Tem dificuldades de jogar em espaços reduzidos, de costas para a baliza, no entanto tem muita margem de progressão. Vai continuar a progredir e tornar-se num jogador de referência”, sentencia o ex-treinador do Real SC que exulta as qualidades humanas de Vinícius. “É um ser humano cinco estrelas, já com uma grande maturidade, sempre divertido e bom colega”.

As portas do futebol europeu abriram-se, e de que maneira, para Vinícius. E quando a época terminar, o destino dele poderá mesmo ser o SSC Nápoles. O jogador não quer falar sobre isso, apesar da imprensa italiana local ter já anunciado a contratação do jogador por parte dos napolitanos, publicando inclusive fotos de Vinícius nas instalações do clube:

António Teixeira confirma ao Bancada que o emblema italiano tem o futuro do jogador nas mãos, uma vez que passou  a ter prioridade sobre o passe dele, e que o negócio passou por Jorge Mendes. “O Real exerceu a opção de compra dele junto do Grémio, e Jorge Mendes intermediou a opção de compra do passe do jogador por parte do Nápoles. Se o Nápoles exercer essa opção no final da temporada, ele jogará no Nápoles. Veremos se o vai fazer”.

A imprensa local, aquando da chegada de Vinícius a Nápoles, apelidou-o de “il nuovo bomber del Napoli” (“o novo bombardeiro do Nápoles”), destacando os seus golos, a sua imponência física (1,90 cm) e o facto de, aos 22 anos, já ter constituído família e ter um filho cujas fotos publica com frequência nas redes sociais. Mas foi nos relvados portugueses que despertou o interesse italiano, num negócio que, segundo a Sky Sport e a RAI, custou aos cofres do clube napolitano cerca de 4 milhões de euros + 50 por cento ao Real SC numa futura venda, e intermediada por Jorge Mendes. Vinícius irá, contudo, continuar na equipa de Monte Abraão até ao final da temporada procurando, em conjunto com os companheiros de equipa, ajudar o clube a salvar-se da descida de divisão.

Atleta de Cristo, cuja opção religiosa faz questão de mostrar nas redes sociais - "Jesus é o caminho" -

Carlos Vinícius Morais gosta de publicar frases de autoajuda, tais como “quem acredita, sempre alcança”, ou “mais vale a lágrima de uma derrota do que a vergonha de não ter tentado”. “Sou cristão, a minha fé é o principal motor da minha vida. Procuro sempre seguir a palavra de Jesus e aplicá-la no mundo do futebol”, diz ao Bancada. Sonho e fé que na carreira do goleador Vinícius tem andado lado a lado e que o podem, uma vez mais, conduzir a um patamar superior, a concretizar-se a ida para Nápoles. Mas primeiro quer ser mais um a ajudar o Real SC a permanecer na 2ª Liga. Com a mesma fé que o tem guiado até aqui, e os golos que não pára de marcar.