O HOMEM QUE QUERIA MUDAR O FUTEBOL MEXICANO E (AINDA) NÃO O DEIXARAM
Bielsista. Menottista. Cruyffiano. Vítima do próprio sucesso. Marcelo Michel Leaño surgiu como um furacão no futebol mexicano. Aos 31 anos teve a primeira experiência num clube de primeira divisão mexicana, mas não lhe deram tempo. Depois de temporadas a inverter a lógica e a hierarquia do futebol mexicano pela segunda divisão do país, no Necaxa, não lhe deram tempo. Leaño quer e pode muito bem vir a mudar o futebol mexicano, mas ainda não o deixaram. Certo, é que em poucos meses de Necaxa, não só venceu a Supercopa MX ao Monterrey, como deixou das melhores indicações possíveis.
Leaño deixou o Necaxa ao fim de poucos meses de trabalho porque não se acreditou no processo. Se é certo que o Necaxa era apenas 15º classificado da Liga MX, com três vitórias e três empates ao fim de treze jogos, a substituição de Leaño por Jorge Martínez não só não melhorou a equipa de Aguascalientes, como os Rayos não venceram qualquer um dos quatro jogos seguintes. Analisar o percurso de Leaño no Necaxa é olhar para além dos resultados finais. É entender o processo e a filosofia, é perceber que não é ao fim de três meses que uma identidade é introduzida num clube. Pior ainda, quando os sinais eram francamente positivos.
Apesar de ter deixado o Necaxa ao fim de treze jogos, Marcelo Leaño deixou a sua marca e só vendo os jogos do Necaxa é possível entender o quão enganadora acabou por ser a posição em que o jovem técnico deixou o clube. Ainda hoje, quatro jornadas depois, o Necaxa surge no topo de diversos dados estatísticos da Liga MX e, talvez o mais importante de todos, perto do topo das equipas com um valor mais alto de golos esperados. Ou seja, o problema não eram os processos, mas sim a definição dos mesmos. Ou seja, o problema estava mais relacionado com a falta de qualidade individual no último terço do que na identidade futebolística do Necaxa.
Sintomático deste detalhe e da escola Bielsista a que bebeu Marcelo Leaño é o facto de mesmo tendo deixado o clube de Aguascalientes a quatro jornadas do final da época, o Necaxa é ainda a segunda equipa da Liga MX com uma maior percentagem de acerto de passe na competição apenas suplantado pelo Tigres. O Necaxa é, aliás, a equipa que concluiu as 17 jornadas do Apertura com mais remates realizados à baliza adversária, apesar de ter concluído o torneio com o quinto pior ataque da competição. O Necaxa foi, além de tudo isto, a segunda equipa no Apertura com mais passes efetuados apenas suplantados, lá está, pelo Tigres. O problema nunca foi Leaño, mas sim as armas com as quais lutou. E, mesmo assim, Leaño fez do jovem Víctor Dávila um dos dez melhores marcadores do torneio com seis golos apontados e uma presença no onze ideal do torneio.
Protótipo do treinador moderno, Leaño nunca escondeu que teve uma vida facilitada. A possibilidade de ter trabalhado com Cruyff ou Menotti, bem como ter tido a possibilidade de viajar pelo Mundo de forma a beber diversas influências com estágios e entrevistas constantes com outros treinadores fizeram do jovem técnico aquilo que é hoje. Estudioso do futebol e das tendências táticas do jogo, Leaño defende que quem não estuda de forma continua acaba por se estancar futebolisticamente.
“Se queremos aspirar a ser os melhores temos de ter humildade, mas sobretudo a curiosidade de saber o que se está a passar em todo o Mundo”, defende Leaño que, por isso mesmo, se dedicou também ao estudo linguístico falando de forma fluente inglês, português e italiano. “Preparo-me a cada dia e acabei a subscrever revistas alemãs, espanholas, inglesas para saber ao pormenor quem e como se treina nas grandes equipas europeias. Leio artigos de psicologia desportiva, de recuperação de lesões, de coaching. Se um treinador não se abre a essas novas concepções fica parado no tempo. Um treinador deve acompanhar sempre a evolução dos jogadores”, explicou em entrevista à ESPN.
Leaño tem o sonho de treinar na Europa, bem como a seleção mexicana, e dados os indicadores deixados no curto tempo que passou em Necaxa, tem até a capacidade para mudar o futebol do seu país. Dar-lhe mais cérebro e menos coração, acreditando no processo, coisa que não sucedeu em Aguascalientes. “Se queremos aspirar a construir um projeto como país, temos de defender a continuidade em todas as equipas e ainda mais na seleção. Se mudamos a cada quatro anos, vai ser complicado criarmos raízes”, atirou.
Foi durante o trabalho de Cruyff em Guadalajara como conselheiro do Chivas que Leaño privou com o mestre holandês e do qual acabou por nunca se despegar ideologicamente. Não é, por isso, surpreendente, que as equipas de Leaño mostrem em campo uma grande obsessão pelo controlo do jogo com bola, tal qual sucedeu durante a passagem pelo Necaxa como as estatísticas o comprovam. Leaño, porém, já o fazia na segunda divisão mexicana ao ponto de liderar o Zacatepec a duas presenças consecutivas em Liguillas, bem como a uma supreendente meia final na Copa MX.
“O futebol é ordem e aventura. Demasiada ordem é aborrecido, mas ser demasiado aventureiro também é perigoso. O melhor livro tático do futebol é o livro das regras do jogo. As regras dizem-te que se marcas um golo a mais do que o adversário ganhas o jogo. Não o ganhas se não marcares um golo. Jogar apenas para evitar sofrer golos é jogar contra as regras do jogo”, defendeu em tempos ao jornal Record.
Longe de uma abordagem inocente, ainda que romântica, Leaño preenche todos os pontos do treinador moderno. Do treinador que apesar de não ter tido uma carreira particularmente relevante como jogador, como Mourinho, Tuchel ou Nagelsmann, estudou e dissecou o jogo ao ponto de chegar ao topo e de certa forma, à sua maneira, revolucionar o futebol. Leaño tem essa possibilidade. Tal como La Volpe ou Bielsa. O de revolucionar o futebol mexicano. É dar-lhe tempo.