Colorido. Alegre. Festivo. Aventureiro. Destemido. Saboroso, porque não. Pouco futebol no fundo transporta de forma tão perfeita para dentro do relvado as características, particularidades e identidade de toda uma cultura como é o caso do futebol mexicano. Cumpridas as primeiras dezassete jornadas da primeira metade da temporada, eis a hora da Fiesta Grande. Oito equipas irão lutar pelo título num temporada em que até já se festejou em português. Não só o Cruz Azul de Pedro Caixinha já venceu a fase Apertura da Copa MX, como foi a equipa do técnico alentejano que venceu a etapa regular da primeira fase da temporada do futebol mexicano.
Tempo e espaço. Eis dois conceitos tão vagos, tão precisos e ao mesmo tempo tão indissociáveis do futebol. Tempo e espaço, porém, são cada vez mais raros. São uma característica em vias de extinção no futebol. Não no México. Não na Liga MX. Uma espécie em vias de extinção. Proteja-se o futebol mexicano, património futebolístico da humanidade. No futebol mexicano tempo e espaço não faltam e também, ou talvez principalmente por isso, ele é tão apaixonante. Tão espetacular. Desprendido. Descomprometido. Pouco futebol no fundo transporta de forma tão perfeita para dentro do relvado as características, particularidades e identidade de toda uma cultura como é o caso do futebol mexicano.
Héctor Herrera, Miguel Layún, Nico Castillo, ou até mesmo Raúl Jiménez e Jesús Corona. Jackson Martínez, pois claro. A ligação do mercado futebolístico português e mexicano tem sido de intimidade nos últimos anos, não só em termos de importação direta ou indireta, mas também em matéria de exportação. No México, nomes como Pedro Caixinha, Djaniny, Funes Mori, Franco Jara, Urreta ou mesmo Jonathan Rodríguez têm visto a carreira ganhar um fôlego especial nos últimos anos. Não porque a qualidade para triunfar em Portugal lhes faltasse, mas, essecialmente, porque as suas características melhor se adequam a um futebol diferente daquele que é praticado em Portugal, em especial, pelos três grandes. Não só pela forma como os grandes em Portugal jogam, mas especialmente pelos adversários que enfrentam todas as semanas. Um futebol onde, lá está, falta tempo e espaço.
A ressurgência de nomes que se destacaram na América Latina, seja no México, seja na América do Sul, na Liga MX, depois de uma passagem quase anónima por Portugal não é surpresa se atendermos ao contexto. Em Portugal, nos clubes grandes, os mesmos jogadores que no México têm tempo e espaço para brilhar e melhor potenciar as suas características, viram-se castrados do seu potencial ao enfrentar equipas sistematicamente remetidas ao últimos 30 metros onde a possibilidade de explorar o espaço era nula. A questão, para nomes como Urreta, Jara ou Jonathan Rodríguez, mas também Djaniny nunca foi tanto a qualidade, mas sim as características. Porque nem tudo no futebol se resume a qualidade, num jogo que é muito mais complexo do que isso. Tal como Pedro Caixinha, cujo modelo futebolístico encontrou no México um contexto à sua medida.
ABENÇOADOS TEMPO E ESPAÇO
A questão é relativamente simples de explicar e em tudo se resume a tempo e espaço. Espaço, principalmente, numa característica que não é apenas futebolística, mas também cultural. Cuja forma de encarar a vida por parte dos mexicanos em muito influi naquilo que é o futebol no país. Para o bem e para o mal, claro está. Aventureiro, destemido e descomprometido, o futebol mantém no México uma pureza e tradicionalismo há muito perdidas em contexto europeu. Alguns chamar-lhe-iam inocência e arcaísmo tático. É muito mais do que isso.
Com 408 golos marcados ao longo das dezassete jornadas que completaram a fase regular do Apertura 2018 da Liga MX, a média de 2,68 golos/jogo coloca a Liga MX entre as ligas mundiais em que mais golos por jogo se marcam. Uma média que supera mesmo as marcas de competições como a La Liga ou a Ligue 1 e quase que envergonha os 2,58 golos/jogo da Liga Portuguesa. Um número médio que, existisse a estatística para o comprovar, deveria aumentar substancialmente se nos cingíssemos aos golos marcados de fora da área. Aí, dificilmente se marcam mais golos no Mundo de fora da área do que na Liga MX.
A explicação para tal também é simples e, lá está, em tudo está relacionado com a forma como é jogado futebol no México, onde tempo e espaço proliferam. Naquilo que muitos poderão considerar um futebol pouco tático ou pouco evoluído do ponto de vista tático - eu chamo-lhe apenas diferente -, a noção de bloco ou bloco defensivo, principalmente, é pouco explorada no México. Não só em organização defensiva, mas principalmente em transição defensiva, quer em largura quer em comprimento é habitual verem-se equipas estendidas a toda a superfície do relvado. No México há espaço para jogar e, isso, aliado à elevada qualidade técnica do jogador mexicano ou dos jogadores presentes no campeonato mexicano permite a estes explorar como em mais nenhum lado questões como a meia distância. Afinal, o espaço existente no “bloco adversário”, entre linhas, entre a linha defensiva e a linha de meio campo, ali bem perto da entrada da área adversária, a isso convida.
Tudo isto é ainda potenciado por uma característica que não é particular do futebol mexicano, mas que é universal e transversal a todo o futebol latino/sul americano. Tal como o futebol nos países vizinhos, também o futebol mexicano é em muito marcado pelos duelos individuais, quer em organização, quer em situações de esquemas táticos, o que potencia as soluções individuais, para o bem e para o mal. Tal como se viu no Mundial disputado na Rússia recentemente, por exemplo, o ressurgimento da defesa homem a homem em lances de bola parada levou a um número anormal de golos surgidos de esquemas táticos durante a competição, algo que no México e nas Américas não se fica somente por situações de bola parada.
E se tudo isto não chega para comprovar a identidade e personalidade da Liga MX e do futebol mexicano como um todo, fique por aí. Há muito mais que torna o futebol mexicano um fenómeno único no Mundo.
I: Uma liga no mínimo... peculiar
II: Uma liga virada para dentro e com olho no futuro
III: Os bastiadores (polémicos) da Liga MX
IV: Os Favoritos: América, Cruz Azul, Monterey e Tigres
V: Os Outsiders: Toluca, Pumas, Querétaro, Santos
VI: O homem que queria mudar o futebol mexicano e (ainda) não o deixaram
VII: México, o berço do futebol contemporâneo
VIII: O dia em que Franco acabou com o clássico do futebol mexicano
IX: Caixinha: Rei do México e futebol de alfaiataria
X: Maradona: Um astro no coração do tráfico de droga internacional
XI: Onze jogadores a seguir na Liga MX