Prolongamento
RB Leipzig-Red Bull Salzburgo: o jogo que a UEFA teme
2018-03-23 19:50:00
Podem dois clubes propriedades da mesma marca competir na mesma competição da UEFA?

Quando o Red Bull Salzburgo confirmou a época passada o título de campeão austríaco e o RB Leipzig, o de vicecampeão alemão, uma dúvida assaltou a europa do futebol: os dois clubes, que são propriedades da mesma marca, podem competir na mesma edição da UEFA Champions League? Um assunto que tocou diretamente nas leis sobre as quais se rege o organismo máximo que tutela o futebol europeu, e que volta à baila depois de os dois clubes estarem agora envolvidos nos quartos de final da Liga Europa, e com possibilidades de ainda poderem defrontarem-se nesta mesma competição, já que evitaram aquilo que a UEFA temia, o duelo direto. Pela polémica que poderia, e ainda pode, reacender. O RB Leipzig  joga com  o Olympique de Marselha, o Red Bull Salzburgo tem pela frente a Lazio. A polémica deu-se à luz do que está previsto no artigo 5 do regulamento da UEFA Champions League, que trata sob a integridade da prova: "Nenhum clube participante nas competições interclubes da UEFA pode deter ou negociar títulos ou ações de outro clube participante na mesma competição". Sobretudo na  Alemanha, por via da regra 50+1, aponta-se este eventual cenário como uma ameaça à tradiçao e à paixão associadas ao futebol.

Em junho último, no entanto, a UEFA deu o aval para a participação da dupla na Liga dos Campeões, quando o RB Leipzig provou que 99 por cento das suas ações estavam vinculadas à Red Bull enquanto esta empresa  austríaca de bebida energética detinha apenas o papel de patrocinadora no Salzburgo.  O organismo máximo do futebol europeu exigiu, no entanto, algumas adaptações para  que a sua política fosse respeitada por parte dos dois clubes: por exemplo, o Red Bull Salzburgo é apelidado apenas de Salzburgo, enquanto que o RB Leipzig é apenas Leipzig. E como na Alemanha é proibido que o nome da marca seja o da equipa, o RB do Leipzig significa Rasen Ballsport (qualquer coisa como 'desporto com bola sobre o relvado'). No entanto, o clube alemão não deixa de ter no emblema os touros, imagem de marca da empresa de energéticos. A este propósito, o Salzburgo acabou por fazer esta temporada uma alteração no emblema, visando problemas com a UEFA, contando apenas com um touro. Outra alteração prendeu-se com o nome dos estádios. Tanto o Leipzig como o Salzburgo jogam na respetiva Red Bull Arena, que muda de nome aquando de uma competição europeia. Ou seja, a equipa alemã vai receber o Olympique Marselha na RB Arena, enquanto que os austríacos jogarão com a Lazio no Stadion Salzburg.

Ou seja, maneiras de contornar a lei. O temor da UEFA de os clubes da Red Bull defrontarem-se numa mesma edição da Champions, esse acabou por não acontecer -  O Salzburgo caiu para o Rijeka, da Croácia,na terceira fase preliminar da Liga dos Campeões, e o RB Leipzig acabou eliminado da fase de grupos da Champions, no mesmo agrupamento do FC Porto - mas é uma realidade que ainda pode ocorrer esta temporada, agora na Liga Europa. E despertar a polémica.

Segundo se pode ler,  no comunicado da UEFA emitido em junho, aquele organismo investigou os clubes ao pormenor e garantiu as mudanças necessárias para que nenhuma identidade tivesse influência decisiva sobre mais que um clube em competição. Tanto o RB Leipzig como o Salzburgo são patrocinados pela marca de bebidas energéticas Red Bull e se na Áustria as entidades competentes não levantaram problema ao facto de a marca surgir no nome do clube, na Alemanha o Leipzig teve de “contornar” a legislação que impede isso, colocando a sigla RB no nome, muito devido à regra 50+1, que diz que a maioria do capital (50 por cento dos votos mais um) das novas sociedades desportivas terá de permanecer sempre nas mãos dos clubes fundadores). Ainda assim, a UEFA garantia que vai continuar a monitorizar ambos os clubes, de forma a garantir que tudo se mantém dentro da legalidade.

Mas como é que a Red Bull surgiu neste história do futebol? O modelo de negócio é singular. A empresa de bebidas energéticas  desenvolveu um modelo de utilização do desporto  para expor a marca de uma maneira diferente das demais. Em vez de comprar espaços na camisola de grandes clubes, ela é o clube.

A estratégia da Red Bull, que surgiu na Áustria na década de 1980, associou a marca a um estilo de vida específico, começando por se associar aos desportos radicais, e que mantém até hoje. Entrou na Fórmula 1, e tem equipas, em diferentes países, em desportos como o hóquei no gelo, Nascar e vela. Mas é no futebol que a empresa mais cresce, e onde gera mais polêmica.

A empresa comprou o SV Austria Salzburg em 2005 e refundou o clube com o nome de Red  Bull Salzburgo. Desde então, expandiu o modelo pelo mundo, passando pelos Estados Unidos, Brasil e Alemanha. O caso de Bernardo, lateral do RB Leipzig é um dos melhores exemplos de como a estrutura funciona. Contratado pelo Red Bull Brasil ainda nas categorias de formação,  em 2014 tornou-se profissional do clube e no ano seguinte foi para o Red Bull Salzburgo e hoje é titular da equipa alemã.

Esta apropriação de uma marca no nome de um clube provoca forte contestação, de quem defende de que a apropriação financeira de uma empresa do tamanho da Red Bull pode tornar a competição injusta com clubes menores, mas tradicionais. Na Alemanha, o RB Leipzig é, aliás, considerado a equipa mais odiadada no país. Em 2016, a fanática massa adepta do Borussia Dortmund, que detém a melhor média de público do mundo nos seus jogos -, chegou  a emitir uma nota dizendo que não iria a Leipzig acompanhar o jogo entre as duas equipes. Era uma forma de protesto à estrutura comercial da equpa rival. “É claro que o Dortmund ganha dinheiro, mas nós fazemos isso com o objetivo de jogar futebol. Mas o Leipzig joga futebol com o objetivo de vender um produto e um estilo de vida. Essa é a diferença”. A diferença que faz toda a polémica.