Prolongamento
Onde ganha um português, ganham logo dois ou três
2018-09-28 22:00:00
O clube francês mais português que está a fazer um arranque de temporada quase perfeito

Foi no dia 30 de janeiro de 2000 que se despediu do futebol português, e logo com um golo que valeu ao Belenenses um ponto em casa do Gil Vicente. O destino deste avançado, que passara quase despecebido aos portugueses, era o campeonato francês e o Montpellier HSC, uma equipa com uma história recente, mas muito rica. Por ali passaram jogadores como Eric Cantona, Carlos Valderrama e Laurent Blanc. Hoje, Rui Pataca é diretor-desportivo do Créteil-Lusitanos, um clube que aposta em portugueses para regressar ao patamar que diz pertencer por direito. Carlos Secretário é o treinador - coadjuvado por Manuel Ramos e Eduardo Moreira -, de uma equipa com algum sangue luso: Hugo “Muxaxo” Silva, Alexandre Pardal, Fábio Pereira e Adul Seidi são os jogadores portugueses do plantel e até agora as coisas têm corrido às mil maravilhas: seis vitórias em sete jogos para o campeonato.

O Union Sportive Créteil-Lusitanos é um clube dos subúrbios de Paris e é resultado da fusão do US Créteil com o Lusitanos de Saint-Maur, em 2002. Entre 1999 e 2007, o US Créteil-Lusitanos disputou a Ligue 2 - o segundo escalão do futebol francês -, tendo andado nos escalões inferiores desde então (fez aparição única na Ligue 2 na temporada 2013/14). O final da temporada passada trouxe mais más notícias para o Créteil-Lusitanos, o clube foi despromovido ao National 2, isto é, caiu para o quarto escalão do futebol gaulês. E é aqui que entra em cena Rui Pataca, o antigo avançado português que brilhou ao serviço do Montpellier HSC, mas que terminou a carreira de jogador com a camisola do Créteil-Lusitanos, em 2008/09.

Rui Pataca em ação com a camisola do Montpellier HSC. Foto: Miguel Villagran/EPA

Em conversa com o Bancada, Rui Pataca revelou que foi a grande ligação que tem com os adeptos e com o presidente do Créteil-Lusitanos, Armand Lopes, que o convenceram a aceitar, em junho último, o desafio de devolver o clube a patamares mais altos, desta feita no papel de diretor-desportivo. “Foi com gosto que decidi abraçar este projeto. Um clube com raízes portuguesas, que me diz muito e com uma equipa com muitos jovens formados no clube. É um clube que aposta nas camadas jovens e que tem uma grande equipa feminina. Portanto é um clube que transpira futebol”, começou por nos contar Rui Pataca.

A verdade é que o início de carreira do Créteil-Lusitanos, na presente temporada, está a correr às mil maravilhas. A equipa orientada pelo treinador português Carlos Secretário venceu seis dos sete jogos já disputados para o campeonato e lidera o National 2 de forma destacada. O Bancada esteve à conversa com alguns dos jogadores portugueses do plantel do Créteil-Lusitanos e ficou a saber que o excelente arranque de campeonato não é surpresa nenhuma: “Sinceramente sim, esperávamos começar bem no campeonato até pela pré-época que fizemos que foi excelente”, começou por dizer Alexandre Pardal, o lateral-direito que tenta a sua primeira aventura fora de Portugal.

Alexandre Pardal em ação numa partida do Créteil-Lusitanos. Foto: Facebook/Créteil-Lusitanos

O jogador que se transferiu do Cesarense para o Créteil-Lusitanos no último verão vai contando com a ajuda de Hugo Silva - mais conhecido como Muxaxo -, com quem divide o apartamento nos subúrbios de Paris. O leitor recordar-se-á de Hugo Silva da história contada pelo Bancada sobre a aventura do Benfica de Macau na Taça AFC da Ásia, na temporada passada. Quisemos saber o que levou “Muxa” a regressar à Europa: “Foi o mister Carlos Secretário, que já me conhecia dos tempos do US Lusitanos (também de França), que me ligou a perguntar se eu estaria disponível para o acompanhar nesta nova aventura. E cá estou eu!”, contou-nos. Perguntámos ao Hugo o porquê da alcunha Muxaxo e ficámos a saber que o culpado é Vítor Pereira, o antigo treinador do FC Porto.

Hugo Silva, agora com 29 anos, fez grande parte da sua formação no FC Porto e nos iniciados cruzou-se com Vítor Pereira: “O mister Vítor Pereira achava que eu era parecido com um mexicano (na altura) moreno pequeno e cabelo preto. Daí ser muchacho, que em castelhano quer dizer “rapaz”. A alcunha pegou e até hoje sou conhecido por Muxa”, contou-nos o polivalente jogador, que tem jogado a lateral-esquerdo desde que chegou ao Créteil-Lusitanos. “Em Macau jogava mais vezes a médio, mas aqui o mister Carlos Secretário tem-me colocado a lateral-esquerdo”, explicou.

A vida dos dois jogadores é passada entre os treinos, o apartamento, as aulas de francês e os passeios a Paris. O Créteil-Lusitanos faz questão de ajudar os jogadores portugueses a integrarem-se o mais rapidamente possível e por isso mesmo disponibilizou um professor de francês: “Arranjaram-nos professores de francês. Temos aulas uma ou duas vezes por semana. O clube preocupa-se com a nossa integração”, revelou Muxa, que já conhecia Alexandre Pardal desde os tempos em que jogaram juntos na Sanjoanense. “O Muxa tem sido uma grande ajuda na minha adaptação, ele já está habituado a estar fora de Portugal, para mim é novidade”, revelou Pardal, de 25 anos, que fez grande parte da carreira na Sanjoanense.

Hugo Silva - Muxa - em ação no treino. Foto: Facebook/Créteil-Lusitanos

“Por vezes metemo-nos no metro e vamos até Paris, mas é raro, porque normalmente os treinos, que são geralmente da parte da manhã, são muito puxados e ficamos no apartamento a descansar e a ver televisão ou no computador”, contaram-nos os dois jogadores que fazem parte do projeto de Rui Pataca para alavancar novamente o Créteil-Lusitanos para novos patamares. O novo diretor desportivo do clube francês usa muito dos conhecimentos adquiridos dos tempos de jogador: “Tento passar muito da minha aprendizagem aos jogadores que recrutamos. Tento passar-lhes os valores de trabalho e quero que eles evoluam e se valorizem, como jogadores e como homens”, sublinhou o agora dirigente.

“Para mim é um prazer saber que os nossos jogadores são homens cada vez mais capazes de enfrentar, não só os desafios futebolísticos, mas sobretudo os desafios que a vida lhes vai colocar à frente. Se isso acontecer eu estou a ganhar a minha luta”, explicou-nos Rui Pataca, que acabou por nos revelar os objetivos do Créteil-Lusitanos para a presente temporada: “Este ano queremos adaptarmo-nos a este campeonato, ver o que ele tem para nos dar e depois logo vemos”, referiu o antigo jogador do Belenenses, ele que saltou diretamente do Restelo para a primeira Liga Francesa, tinha já 27 anos: “o Montpellier foi ponto alto da minha carreira, mas eu também nunca fixei objetivos muito grandes na minha carreira, visto que a minha ascensão foi muito tardia. Passei por muitos clubes em várias divisões e tive uma evolução muito atípica como jogador, porque subi da primeira divisão distrital até à primeira liga francesa em poucos anos”, lembrou o antigo goleador.

De regresso à conversa com o Muxa, quisemos saber qual a relação dos jogadores portugueses com os adeptos do Créteil-Lusitanos e ficámos a saber uma coisa: de falta de apoio não se podem queixar os jogadores às ordens de Carlos Secretário. “Os adeptos são fantásticos, temos muito que lhes agradecer. Acompanham-nos para todo o lado, em casa ou fora, lá estão eles a puxarem por nós”, disse o jogador português, que já ganhou uma nova alcunha: “O pessoal da claque chama-me Hugo N’Golo Silva, porque me comparam com o N’Golo Kanté, do Chelsea”, revelou-nos o polivalente jogador.

Resta-nos acompanhar a carreira desta equipa com sotaque português em terras gaulesas. O próximo desafio do Créteil-Lusitanos é frente ao SAS Epinal e está marcado para o próximo dia 6 de outubro, em partida a contar para a oitava jornada