Prolongamento
O lado B do futebol: As virtudes das equipas B ainda não são unânimes
2017-11-20 20:00:00
Portugal teria sido campeão europeu sem as equipas B? A seleção sub-21 teria ido à final do Europeu?

36% dos jogadores recentemente utilizados na Seleção Nacional passaram por equipas B dos seus clubes. Nos sub-21, a percentagem chega aos 86%. As equipas B, no futebol português, estão a ter um papel essencial na evolução de jovens jogadores. Há, no entanto, quem defenda que criam concorrência desleal na Segunda Liga, desvirtuando a competição.

Com a ajuda de um jogador (David Caiado) e dois treinadores portugueses (Lázaro Oliveira e Francisco Chaló), que falaram ao Bancada, damos-lhe, desde já, o resultado da discussão. Veja ainda, mais à frente, os resultados da Sondagem Bancada, sobre esta questão.

Vantagens das equipas B:

- Os jovens jogadores podem crescer numa competição profissional, fazendo a ponte entre os juniores e os seniores.

- Podem fazê-lo no seu clube, tendo um acompanhamento próximo.

- Os jovens podem ser aposta na equipa A, durante a época e os jogadores lesionados da equipa A podem fazer, na equipa B, o regresso progressivo à competição.

Desvantagens:

- As equipas B não estão sujeitas ao fecho do mercado, ao contrário dos seus concorrentes da Segunda Liga.

- A competição pode ser desvirtuada.

- Os orçamentos das equipas B muito superiores aos de grande parte das equipas da Segunda Liga.

Prometendo ser breves, vamos ao contexto. Na viragem do milénio, vieram as equipas B, um projeto que se esfumou em 2006, por estas equipas não terem lugar nos campeonatos profissionais. Depois disso, a presença das seleções jovens em competições internacionais diminuiu. Em 2012/13, voltaram as equipas B. Em força. Os seis primeiros classificados da época anterior tiveram direito à criação de uma equipa B, que iria jogar na Segunda Liga. Anos depois, voltaram a aparecer os resultados das seleções nacionais. Enquadremos em dados concretos.

Em 2014 – cerca de um ano depois do regresso das equipas B –, não haveria forma de verificar uma consequência direta. Por isso, naturalmente, nenhum jogador presente no Mundial do Brasil tinha estado em equipas B. Em 2016, porém, a ajuda das equipas B foi evidente, com cinco jogadores a encaixar nesta lógica (21%). João Mário, André Gomes e Renato Sanches foram peças essenciais no título europeu e todos eles beneficiaram – e muito – de poderem atuar nas equipas B dos seus clubes, no início da sua afirmação. Nota ainda para Cedric e Rafa, que chegaram a jogar por equipas B, mas num número muito reduzido de jogos. Isto teria sido possível se estes jogadores não tivessem sido lançados nas equipas B? Provavelmente, não. 

Na qualificação para o Mundial 2018 viu-se uma continuação clara desta tendência. A percentagem subiu para 36% e alguns desses jogadores são peças fulcrais para Fernando Santos. Gelson, Bernardo, André Silva ou Nélson Semedo são exemplos claros, para além de casos como Guedes, Bruma, Cancelo, Ricardo Pereira ou José Sá.

Na seleção sub-21 não é abusivo considerar que a final do Euro 2015 foi fruto do trabalho realizado nas equipas B. Depois de três competições consecutivas sem conseguir apurar-se (2009, 2011, 2013), Portugal chegou ao Euro 2015. Coincidência? E o facto de 70% do seu plantel ter sido composto por jogadores que passaram por equipas B, também é coincidência? Se calhar, não. Em 2017, manteve-se essa tendência, que tem sido acentuada na qualificação para o Mundial 2019, com 86% dos jogadores utilizados por Rui Jorge a terem atuado em equipas secundárias dos seus clubes.

Mas há ou não relação direta? Dois treinadores que já defrontaram equipas B, na Segunda Liga, ajudam-nos a analisar esta questão. Lázaro Oliveira defende que, de facto, as equipas B são essenciais para as seleções. “Basta olhar para os sub-21, que têm tido um rendimento fantástico, desde a criação das equipas B. De início não estive de acordo, porque estas equipas entraram por via administrativa (...) mas foram uma lufada de ar fresco no futebol português”.

Francisco Chaló concorda com a relação entre as duas coisas, mas deixa o alerta: “A lógica das equipas B de antigamente e de agora não é a mesma. Antes, essas equipas tinham jogadores acima dos 30 anos”. Ainda assim, o técnico reconhece que as equipas B são uma fonte de suporte das seleções nacionais. “Acho que são importantes para as seleções e o futebol português precisa delas. É claro que as seleções beneficiam, porque as equipas B acabam por ser uma fonte de alimentação”.

“O nível de jogo da Segunda Liga tem melhorado”

Naquilo que as equipas B trazem de bom, destacam-se quatro áreas em particular. Uma delas, apontada por Lázaro Oliveira, remete para o aumento da qualidade de jogo na Segunda Liga, por as equipas B trazerem jogadores de maior qualidade técnica. “O nível de jogo claramente tem melhorado. Até pela ideia de jogo destas equipas, assente na posse e num futebol mais ofensivo”.

Ao Bancada, Francisco Chaló recusa esta ideia. “Não concordo porque isso é fruto de essas equipas B, não tendo objetivos na competição, poderem jogar mais descomprometidas e sem tanta pressão. É claro que esses jogadores são acima da média, mas, quando essas equipas B estão em posições aflitas na tabela, vê-se a diferença no seu rendimento”.

Outra vantagem importante é destacada por Lázaro. “É bom para os jovens, porque podem mostrar-se e, quando chegam à equipa principal, estão preparados para competir. É bom para os menos utilizados na equipa principal, porque podem ter alguma competição. É bom para os clubes porque podem lançar os seus jogadores dentro da sua casa e sem correrem o risco de eles irem para clubes mais modestos e não se adaptarem”.

E é nesta lógica que se enquadra David Caiado, jogador do Ponferradina (Espanha), formado no Sporting, que chegou a atuar na equipa B do Vitória de Guimarães, mas que, quando entrou no futebol sénior, teve de ir para o Estoril e não teve a possibilidade de jogar numa equipa B dos leões. "Fui para o Estoril, que foi uma experiência boa e onde cresci bastante, mas, num contexto de equipa B, tenho a certeza de que seria bastante mais proveitoso, visto que estava numa casa onde vinha em crescendo na minha evolução e onde as pessoas me respeitavam dentro e fora do campo". 

“Não pode haver flutuação entre as equipas A e B"

Na lógica oposta, questionámos também sobre se existe uma concorrência desleal na Segunda Liga. “De certa forma, sim, pode desvirtuar a competição. As equipas B jogam com uns jogadores frente a umas equipas e depois não jogam contra outras. Percebo que as outras equipas não estejam de acordo”, reconhece Lázaro Oliveira, numa visão corroborada por Franciso Chaló: “A palavra “desleal” talvez seja desajustada, mas o facto é que as equipas B têm interesses diferentes das outras e isso, por si só, já desvirtua as coisas. As equipas B jogam em função dos objetivos imediatos, dependentes da posição na tabela e até do momento das suas equipas principais”.

David Caiado, reconhecendo esse problema, opta por olhar também para o lado oposto. "Pode considerar-se concorrência desleal, visto o poder financeiro ser muito maior (...) mas a maioria dos clubes gosta de apostar na qualidade destes jovens como emprestados, daí ser importante ter jovens promessas a competir numa Segunda Liga"

Desta forma, parece claro que poucos estão contra as equipas B. O que se pretende é um modelo regulamentar que minimize os efeitos nocivos das equipas B na competição direta com os restantes clubes da Segunda Liga. 

Uma das propostas que mais vezes é falada é a restrição de utilização de jogadores da equipa A na equipa B. Desta forma, os jovens da B continuam a poder ser aposta na equipa principal, mas, na Segunda Liga, não se dá o caso de estarem jogadores de renome a desvirtuar a competição.

Francisco Chaló e David Caiado subscrevem totalmente esta ideia. “Não pode haver flutuação entre as equipas A e B. Não faz sentido e cada uma deve ter o seu próprio plantel”, diz, embora reconheça que jogadores da B irem à equipa A não seria problemático. “Acho que isso poderia ser, desde que a parte disciplinar seja separada”, argumenta Chaló, aludindo a casos de jogadores que cumprem castigos no jogo da equipa principal. Já David Caiado considera que "tem de haver um plantel da equipa principal e depois um plantel da equipa B, no qual somente os jogadores inscritos nas equipas B podem dar o salto à equipa principal e os da equipa principal não podem descer para jogar na equipa B".

A terminar, vamos aos resultados da Sondagem Bancada, feita durante o dia. Para os leitores do Bancada, as equipas B são algo positivo. Há, no entanto, uma franja de leitores que, reconhecendo as vantagens, quer que sejam feitas alterações nos moldes da Segunda Liga.