Prolongamento
O fabuloso destino do Vale Formoso: um clube amador a fazer história na Taça
2018-10-30 20:00:00
Na freguesia das Furnas, nos Açores, há um clube amador nas luzes da ribalta. Tudo por causa do herói XéXé mas não só

O FC Vale Formoso, dos distritais de Ponta Delgada, é um dos dois resistentes dos escalões não profissionais na Taça de Portugal - o outro é o Silves dos distritais de Faro - e o destino do clube açoriano na presente edição da prova rainha do futebol português é digno de ser contado. O Vale Formoso qualificou-se para a quarta eliminatória da Taça de Portugal, ao vencer o Coimbrões, do Campeonato de Portugal, no prolongamento, por 4-3, com um hat-trick de Xéxé, depois de... duas derrotas nas rondas anteriores.  Segue-se agora uma deslocação a Tondela num duelo de David contra Golias, mas nada que retire a ambição a um clube de emblema e equipamento que se confudem com os do Boavista.

A incrível história do Vale Formoso começa quando o clube furnense é convidado para participar na edição deste ano da Taça de Portugal depois do Operário ter abdicado por motivos económicos. Ditou o sorteio que o Vale Formoso teria de jogar com o Pinhalnovense, do Campeonato de Portugal, em Pinhal Novo, naquele que foi o primeiro jogo oficial da história do clube fora dos Açores. Perdeu por 5-0 no prolongamento mas acabaram por ser repescados, à luz dos regulamentos da competição. O sorteio fez com que o Vale Formoso recebesse em casa a União de Leiria, naquele que em foi mais um jogo histórico para o emblema açoriano, ao ser o primeiro em casa para a Taça. Os açorianos perderam por 0-3 e, aparentemente, chegava ao fim a participação na Taça. Mas não. A utilização indevida de um jogador por parte da União de Leiria voltou a traçar novo destino ao Vale Formoso que acabou por vencer o jogo na secretaria por 3-0. “Já não estávamos mesmo à espera, para mais sendo a União de Leiria uma estrutura profissional”, confessa ao Bancada Sandro Ferreira, o presidente do clube açoriano. "Os regulamentos estão lá e todos os clubes, até os amadores, têm obrigação de os cumprir". Com a eliminação do Coimbrões e agora a deslocação a Tondela a responsabilidade aumenta e o orgulho é imenso. "É um jogo de David contra Golias. Vamos procurar dar uma boa imagem do clube, continuar a fazer a festa da Taça de Portugal, representando uma freguesia e uma região. Queremos demonstrar que se trabalha bem nas regiões insulares".

Para um clube com 25 mil euros de orçamento para o plantel sénior, a equipa já arrecadou 18 mil euros, fruto dos prémios de presença distribuidos pela Federação Portuguesa de Futebol. Além da visibilidade que o clube  a freguesia têm recebido, "Isto está-nos a dar uma visibilidade  e projeção a nível nacional, mas a nível regional já temos um estatuto no campeonato dos Açores. Estamos na quarta eliminatória da Taça de Portugal e temos a felicidade de ir defrontar pela primeira vez uma equipa da 1ª Liga, um marco importante na história de um clube cem por cento amador, desde treinador a jogadores, passando por dirigentes. Somos de uma freguesia conhecida a nível turístico, as Furnas, um clube que os adeptos sentem no dia-a-dia", diz Sandro Ferreira que conta como é que o clube angaria alguns fundos. "Vamos conseguindo alguns patrocínios e criámos eventos na freguesia para angariar fundos, como festas locais, barraquinhas de comes e bebes, concertos com bandas locais, etc".

Para o presidente do Vale Formoso teria sido melhor se o jogo com o CD Tondela fosse no campo das Furnas mas "acaba por ser um prémio para estes jogadores amadores puderem jogar num campo que vêm na televisão e participarem de um momento histórico do clube". A propósito da deslocação a Tondela, o presidente do Vale Formoso, Sandro Ferreira, que é também o presidente da Junta de uma freguesia com cerca de 1500 habitantes, explicou ao Bancada quais os planos da direção para o apoio à equipa em Tondela. "É claro que isto traz-nos despesas, mas vamos trabalhar para arranjar patrocínios para levarmos a equipa toda. Acho que vamos conseguir esses apoios",  afirma Sandro Ferreira que garante que há emigrantes do Canadá e das Bermudas interessados em ir a Tondela "viver um momento histórico". Das Bermudas, o clube recebeu um forte apoio no início desta aventura na Taça de Portugal.  Após ficar com a vaga destinada para o vencedor da Taça de São Miguel mas sem verbas para suportar as deslocações o Vale Formoso conseguiu o patrocínio de um emigrante nas Bermudas, adepto dos furnenses.

Sandro Ferreira explicou  ainda ao Bancada o porquê do emblema e equipamento do Vale Formoso se confundir com o do Boavista. "Não somos filial do Boavista, apesar de termos boas relações com o clube. O Vale Formoso quando foi fundado, em 1971, quis fugir um pouco à regra de então que era a de os clubes se fundarem à imagem de FC Porto, Benfica e Sporting e decidiu-se pelo Boavista, até porque havia adeptos do Boavista nas Furnas".

A equipa do Vale Formoso é toda ela constítuida por jogadores portugueses e todos eles exercem uma profissão paralela à atividade futebolística.  E o leque é variado: médicos, pedreiros, pescadores, mecânicos, administradores, etc. Num total de 26 atletas só dois não são açorianos: Leandro Rodrigues, 27 anos, que joga a médio, dá aulas de Educação Física, e é natural de São Saturnino, Alentejo; Francisco Duarte, 23 anos, natural de Alcabideche, Cascais, veio para São Miguel por causa da namorada, ele que nas duas últimas épocas representou o Estoril B. O próprio Hélio Oliveira também exerce uma profissão paralela à de treinador, é administrativo numa unidade hoteleira.

 

"Jogamos em 4x3x3 mas prefiro o 4x4x2. Só que no futebol amador não podemos ir às compras, temos de nos adaptar"

"É um sentimento muito bom este que estamos a viver. Conseguimos um feito histórico. Agora vamos a Tondela sabendo que a probabilidade de passarmos é reduzida mas vamo-nos agarrar a essa pequena probabilidade e fazer tudo para que seja possível seguir em frente. Não estamos na Taça para passear", garante ao Bancada o treinador da equipa Hélio Oliveira, de 35 anos, natural de Ponta Delgada, e que conta com passagens nas camadas jovens do Operário e Santa Clara antes de treinar o Vale Formoso desde 2017. Vale Formoso que está nesta altura em segundo lugar do campeonato da ilha.

O jogo com o CD Tondela, agendado para 25 de novembro já está a ser trabalhado pela equipa técnica liderada por Hélio Oliveira. "Estamos a estudar o adversário com vídeos, relatórios... é claro que o Tondela pode alterar a equipa, mas estamos a contar com o memso sistema, a mesma organização...vamos preparar-nos a nível mental e físico e penso que pdoemos dar uma boa resposta. Estamos quase há dois meses a jogar, a equipa está com um ritmo forte, vamois dar importânas às questões táticas e bolas paradas, temos os nossos trunfos".

O dia a dia de uma equipa amador tem as suas condicionantes. "Treinamos três vezes por semana, com os treinos a iniciarem-se por volta das 20 horas e a terminarem cerca das 21h00/21h30.  O campo nas Furnas é afastado de Ponta Delgada, onde vive a maioria dos jogadores, o que faz com que se sejam 45 minutos para lá e outros para cá", relata-nos o treinador do Vale Formoso que garante, no entanto, que "quem corre por gosto não se cansa". As condicionantes de um clube amador são inúmeras, mas estas últimas semanas têm sido vividas com grande intensidade por todos e houve mesmo quem fizesse mudanças de horários, trocasse turnos e pedisse folgas, com o objetivo jogar a festa da Taça.

Hélio Oliveira retratou ao Bancada a forma de jogar do Vale Formoso. "É uma equipa de posse, forte nas transições, que gosta de ter a bola no pé e demonstrar a qualidade do seu jogo". E qual o sistema tático? "Estamos a jogar em 4x3x3, mas o meu pereferido é o 4x4x2, aquele que utilizava nas camadas jovens. Em 4x4x2 consigo ter dois homens na frente e ser mais perigoso no ataque. No futebol amador não podemos ir às compras, temos de nos adaptar". Como todos na vida, Hélio Oliveira também tem um sonho. "Gostava um dia de treinar um clube profissional".

Hélio Oliveira, treinador do FC Vale Formoso (Foto Facebook)

O goleador Xéxé que admira Cavani e Ronaldo, o Fenómeno

Alfredo Melo Garcia não vai esquecer o dia 21 de outubro de 2018. Aos 30 anos, e que ainda sonha jogar no Campeonato de Portugal, fez três golos ao Coimbrões contribuindo de forma decisiva para a histórica passsagem do clube açoriano aos 16/avos de final da Taça de Portugal.  Xéxé, como é conhecido no mundo do futebol, falou ao Bancada sobre esse momento histórico. "Eles eram de duas divisões superiores à nossa e têm uma preparação diferente. Mas acreditámos até ao fim. Fiz o primeiro golo de penálti, reduzindo para 1-2, empatei 2-2 nos descontos e depois fiz o 3-2 no prolongamento. Foi um momento de grande alegria". Sobre o confronto com o CD Tondela, Xéxé é realista. "A probabilidade de seguir em frente é reduzida. Mas acreditamos que podemos passar. Tudo é possível".

O herói da Taça apresenta-se ao Bancada: "Sou um ponta de lança forte dentro da área, com bom jogo de cabeça e remate fácil. Não sou muito rápido, gosto de jogar de costas e proteger a bola para a entrada dos médios".  As grandes referências de Xéxé são Ronaldo, o Fenómeno e Cavani. "Ronaldo é o meu ídolo, marcava muitos golos, gostava da maneira como ele atacava as defesas. Atualmente revejo-me no Cavani, do PSG. É um avançado móvel, com facilidade de remate e que marca muitos golos. Como eu (riso)."

A vida de Xéxé não é fácil.  Responsável de armazém de uma empresa de gases industriais e medicinais, trabalha das 08h00 às 17h00. E depois tem de viajar da Ribeira Grande para as Furnas para os treinos da equipa que começam às 20h00. "Mas quem corre por gosto não se cansa. Tira-nos é muito tempo à família, mas quem anda no futebol tem de aceitar isso". A alcunha essa vem desde o avô e é partilhada pelo sobrinho, o Xéxé do Sporting Ideal, João Garcia. "Foi passando de geração em geração, não sei qual a origem da alcunha. Mas não me importo, é um nome". O nome de um goleador que ajudou uma equipa dos distritais a escrever uma página formosa na história de um clube com 47 anos de idade.