Prolongamento
Nuno Abreu: um dos “irmãos metralha” do Mourinho e o desfecho nos distritais
2018-02-09 21:00:00
Nuno + Abreu = 100% no que faz. Nem que seja para “virar os gajos” ao contrário.

Nuno Abreu, Geraldo Alves e Diogo Luís são os três “irmãos metralha” que José Mourinho tanto prezou na curta passagem pelo Benfica. O primeiro – o grandalhão e carequinha Nuno – só agora, aos 42 anos, terminou a carreira de jogador. Nos distritais de Lisboa, o Carcavelos foi o ponto de partida e o ponto de chegada de Nuno. Ele que, um dia, levou demasiado a sério o conselho de um treinador e que ia destruindo um jogador do Olympique Marselha (mas Mourinho riu bastante e fico todo contente). A ler mais à frente.

Falar de Nuno Abreu sem falar com Geraldo e Diogo Luís? Isso nem nos passou pela cabeça. Estes dois foram os compinchas de Nuno, no Benfica, e sabem bem quem é este grandalhão.

O hiperativo, o homem do café e o agressivo

“O Nuno é uma pessoa super leal. Bom amigo. Muito carinhoso, apesar de pensarem que é um durão. Ele foi uma das pessoas que me acolheu muito bem, no Benfica”, diz Geraldo, ao Bancada, numa visão semelhante à de Diogo Luís: “É uma pessoa simples, amigo do seu amigo, frontal e honesto. Tinha uma paixão (e ainda tem) incrível pelo jogo e pelo treino”. Bom, lá isso é verdade, caro Diogo. Pelo menos acreditando na garantia deixada pelo próprio Nuno Abreu: “Nunca faltei a um treino, mesmo no Carcavelos. Poucos jogadores devem ter feito isto. Sempre me orgulhei disto desde miúdo”.

Diogo Luís apresenta-nos ainda Nuno Abreu, o hiperativo. “O Nuno Abreu é muito engraçado. Lembro-me de que treinávamos duas horas de manhã, com intensidade, treinos que nos deixavam desgastados. Na manhã seguinte, quando começávamos a conversar, o Nuno dizia que tinha ido correr no dia anterior, à tarde, para activar o corpo!!! Ele não conseguia estar parado! Outra característica do Nuno Abreu é que adora café. Estava sempre a tomar café. Ele que já é agitado, imagina a adrenalina que se criava...”

Já conhecemos o Nuno fora do campo, mas, lá dentro, não há como fugir: o homem era duro. Mas bem duro.

“Ao contrário da imagem que se tentou criar, devido a algumas entradas mais viris, o Nuno não era maldoso. O que ele queria era sempre ganhar. Não desistia de uma bola, era solidário com os colegas. Era muito forte no jogo aéreo e metia medo aos adversários, porque tinha um porte atlético muito forte e ia a todas as bolas como se fosse a última”, a descrição é de Diogo Luís, que recorda ainda os tempos de Benfica em que os treinos começavam duas horas antes: “Lembro-me de que, na equipa B, íamos duas horas antes do treino para fazer torneios de futevolei. Quando o treino começava, já tínhamos uma hora e meia de futevolei nas pernas”.

Fama no Benfica? O homem já era famoso antes disso...

Pausa lúdica. Foi o Benfica que tornou conhecida a famosa carequinha do Nuno. Certo? Não, errado. É o próprio jogador formado no Estoril que o explica. “Quando foi a estreia do Akwá, num Estoril-Benfica, eu marquei-o e sequei-o. Andei duas semanas a dar entrevistas! Foi muito marcante na minha carreira”, recorda.

Aproveitamos o embalo. Nuno Abreu começou a formação no Carcavelos – clube no qual viria a terminar a carreira –, mas foi no Estoril-Praia que chegou a sénior. Ainda júnior. “O Carlos Manuel foi o meu pai da bola. Levou-me dos juniores para os seniores, no Estoril. O melhor momento da minha carreira foi, sem dúvida, ter jogado como júnior na primeira divisão, pelo Estoril, contra o Vitória de Guimarães”.

Calma, Nuno! Isso era para vermelho...

Agora, sim. Vamos aos “irmãos metralha”.

Lembra-se destes desenhos animados? Nuno Abreu, Geraldo e Diogo Luís foram chamados por José Mourinho da equipa B para a equipa principal do Benfica. Por terem vindo ao mesmo tempo e andarem sempre juntos, ficaram os “irmãos metralha” de Mourinho. Segundo Geraldo, o treinador português, procurava incutir aquela mística e garra que faltava”. Venham de lá, então, esses dois grandalhões (Nuno e Geraldo) e o miúdo aguerrido (Diogo). Mas atenção: o Diogo desmarca-se já, simpaticamente, dessa alcunha...“Claro que a alcunha dos três metralhas não foi criada em função das minhas características, mas em função das características do Geraldo e do Nuno. Mas acho que também nos foi dada essa alcunha porque estávamos sempre juntos e porque tínhamos a mesma vontade nos treinos, embora com níveis e agressividade diferentes”, explica Diogo Luís.

Foi um rótulo prejudicial? “Sim, não foi uma coisa boa. Prejudicou um pouco a minha imagem. Mas sempre fui assim. Treinar ou jogar era igual”, diz-nos Nuno Abreu, antes de responder se, no futebol atual, ainda haveria espaço para um central como ele: “Qualquer treinador gostaria de ter  um jogador como eu”.

O problema foi que Mourinho esteve lá pouco tempo. A mudança na presidência do clube foi também uma mudança na equipa técnica e, sem Mourinho, Nuno Abreu ficou sem chão. Com Mourinho em vez de Toni, teria sido diferente? “Muito diferente. Mal o Mourinho saiu, passados dois ou três treinos deixei de ir à equipa principal. Fui emprestado. Se ele tivesse ficado lá...”.

Geraldo Alves tem nítidas recordações desse tempo dos “irmãos metralha”. “Ficámos muito felizes e conseguimos mesmo mudar os treinos. Eu, o Nuno e o Diogo treinávamos com muita intensidade. O Nuno dizia sempre "vamos lá para cima e não nos vamos intimidar". 

Agressividade? Check. Virilidade? Check. Empenho máximo? Check. O que falta? Provar, no jogo, aquilo que faziam nos treinos. E garantimos: esta história deve mesmo ter sido marcante. Pedimos ao Nuno e ao Geraldo para nos contarem um episódio que tenham vivido juntos e... eles contaram o mesmo. Caramba, são mesmo irmãos.

O relato, para já, fica a cargo do próprio Nuno.

“Tenho uma história com o Mourinho. Frente ao Marselha, em França. No fim do jogo, já nos descontos, eu faço uma ‘granda’ entrada a um gajo e o árbitro, como era um jogo particular, não me expulsou. Aquilo passou e, no dia a seguir, dizem-me que o Mourinho queria falar comigo. Eu pensei ‘Já me vai dizer que não vou mais para a equipa A. Vai-me dar uma dura daquelas’. Cheguei lá e estava o gajo a rir-se, todo contente. Ele só me disse: “Epá, oh Nuno, se não fazes aquela falta, aquilo podia dar contra-ataque e golo deles. Tu eras o único gajo que faria aquilo. Mas olha que tens de ter cuidado... aquilo era para vermelho”.

Não resistimos a contar a mesma história, mas pela boca de Geraldo. “A do jogo do Marselha foi das melhores que a gente teve para contar. A perder 1-0, o Mourinho chamou-nos aos dois e ao Van Hooijdonk e disse: "Quero que imponham respeito ao Marcelinho". A gente foi lá para dentro e começou a dar porrada. O jogo terminou com ‘sururu’, por causa de uma entrada do Nuno. Achámos que íamos ser castigados, mas o Mourinho até elogiou”, recorda, entre risos.

O bom filho a casa torna

É uma frase feita e muito batida, sim, mas encaixa tão bem no percurso de Nuno Abreu que não resistimos a usá-la. Depois de passagens por Estoril, Atlético, Machico, Portimonense, Benfica, Felgueiras, Oliveirense, Micaelense, Pinhalnovense, Olivais e Moscavide, Mafra, Louletano, Reguengos, Oeiras, Pêro Pinheiro e Cova da Piedade (ufa, até estamos cansados), Nuno Abreu, um filho do Grupo Sportivo de Carcavelos, fez questão de terminar a carreira no... Grupo Sportivo de Carcavelos.

Nas últimas duas temporadas, foi um corpo estranho no futebol distrital. Afinal, não é todos os dias que se vê um ex-jogador do Benfica a pisar relvados sintéticos das divisões mais baixas do futebol distrital lisboeta. Isso valia-lhe mais respeito? “Sentia mais respeito. Mesmo os árbitros tinha uma abordagem diferente comigo. Isso era evidente”, reconhece, antes de voltar um pouco atrás e a dois momentos marcantes da carreira: uma má decisão e o futebol de praia.

Quisemos saber qual foi a pior decisão que Nuno Abreu tomou na carreira. A escolha foi imediata: “Tenho um bocado de mágoa no Portimonense. Queriam renovar comigo e eu andava a fugir deles. Foi um erro da minha parte. Trataram-me sempre bem e, por causa disto e daquilo, não fiquei lá”.

Outro momento, mas este positivo, foi a aventura pelo futebol de praia. Poderia ter sido uma carreira? Nada disso. Um hobbie, apenas. “Foi sempre um hobbie. É o meu desporto favorito. Como era nas férias, era, também, uma maneira de manter a forma”.

Agora, há um Nuno treinador. “Tenho o sonho de treinar um clube da primeira divisão, mas vou por etapas. Não estou com pressa” diz, acrescentando que, se quisesse, poderia ter continuado a jogar mais um ano. Mais ainda, amigo? Bem diz o Diogo Luís que paixão e vontade não te faltam. “Acima de tudo, o Nuno Abreu é das melhores pessoas e das mais dedicadas que conheci no futebol. Teve uma longa e bonita carreira e só lhe posso dar os parabéns pelo que conseguiu alcançar e por nunca ter perdido a paixão pelo treino e pelo jogo. Tem muita experiência, jogou muitos anos, conheceu muitos treinadores, diferentes filosofias. “Bebeu” conhecimentos de todos e está a tentar fazer o seu caminho. Espero que tenha um pouco de sorte, porque quanto à dedicação sei que vai ser máxima”.

“Agora fala! Andaste a semana toda a fod**-me a cabeça!”

Claro que não nos esquecemos da história de um grandalhão que levou demasiado a sério o conselho do treinador. “Tenho uma história boa, mas não posso dizer quem era o treinador. Estávamos a lutar para subir de divisão. Nessa semana, íamos jogar um jogo que tínhamos de ganhar e o treinador disse que o adversário tinha um grande avançado. “Vais apanhar um gajo assim e assado”, a semana toda a chatear-me a cabeça nos treinos, todos os dias a falar do tal avançado. Eu já não o podia ver à frente, naquela semana”, começa por recordar Nuno Abreu.

“Cinco minutos de jogo e o tal avançado cai no chão, aleijado. Eu varri o gajo e, quando olhei para a placa de substituição, era ele que ia sair, por causa da porrada que lhe dei na perna. Eu virei-me para o treinador e disse "Agora fala! Andaste a semana toda a fod**-me a cabeça!”.

Nuno Abreu é isto mesmo. 100% no que faz. Nem que seja para “virar os gajos” ao contrário.