A jurista Ana Gomes reiterou que o futebol é terreno favorável à grande criminalidade e admitiu que não tem "muitas ilusões" sobre as autoridades portuguesas, apesar de estas terem mudado a forma como encaram Rui Pinto.
Em declarações ao Jornal Económico, a propósito da colaboração do hacker com a Polícia Judiciária após mais um ano de prisão preventiva, a ativista contra a corrupção e antiga eurodeputada salientou que "boa parte das vicissitudes" ocorridas no caso de Rui Pinto foram motivadas "pelo facto dos setores judicial e policial estarem infiltrados por redes criminosas".
No plano desportivo, as revelações do Football Leaks já levaram a UEFA a castigar o Manchester City com dois anos de exclusão das provas europeias, por violação do fair-play financeiro.
Questionada sobre a hipótese dos dados recolhidos por Rui Pinto levarem as autoridades portuguesas a retomar investigações que já estariam arquivadas, Ana Gomes foi bem clara: "Não tenho muita confiança nas ditas autoridades desportivas, [o futebol] parece ser um mundo manipulável pela criminalidade organizada".
"Não é das autoridades do futebol europeias que eu espero alguma coisa. É das autoridades judiciais que vou esperar uma atitude, mas sem muitas ilusões", reforçou.
Ainda assim, a jurista elogiou a "viragem" na forma como a justiça portuguesa tem lidado com Rui Pinto.
Trata-se de um "reconhecimento" de que há pessoas com capacidade de "alertarem" as autoridades "a ir atrás da grande criminalidade", depois de mais de um ano com "um sinal completamente contrário, dado com a extradição e a prisão preventiva" do hacker.
"Lembro sempre o artigo da procuradora Maria José Morgado, que se chamava ‘O amigo hacker’, pôs-se escandalosamente a gozar com as autoridades", provocou.
A antiga eurodeputada lembrou que Rui Pinto "sempre disse que só recorreu ao Football Leaks depois de estar farto de fazer denúncias anónimas e ver que nada acontecia".
E voltou a criticar a 'perseguição' da justiça portuguesa ao hacker até essa recente "viragem".
"Não consigo perceber por que é que as autoridades portuguesas não se moveram com as denúncias, como se moveram as francesas, as belgas e as holandesas, mas moveram-se por uma queixa da Doyen. Mas o que é a Doyen? Mesmo quem não está no futebol percebe que a Doyen não é uma organização impoluta, está a ser investigada em Espanha, não tem sede em Portugal, tem investigadores cazaques", sustentou Ana Gomes.
A jurista apontou ainda o dedo aos "intermediários" dos esquemas financeiros ilícitos, pegando aqui no caso de Isabel dos Santos.
"Boa parte do encarniçamento conta Rui Pinto em Portugal tem a ver com o papel dos escritórios de advogados nesses esquemas. O Luanda Leaks é elucidativo, vemos advogados portugueses a planear expropriações em Angola para a filha do ex-Presidente", frisou.
"Não tenhamos ilusões, há muita interpenetração entre a advogacia e o Ministério Público, talvez explique parte do comportamento das autoridades portuguesas até decidirem fazer o que era adequado", concluiu Ana Gomes.