Prolongamento
Mateus Fonseca: era o diamante de Alcochete, mas nunca foi
2018-01-24 18:00:00
Aquele extremo destruidor de defesas está no Campeonato de Portugal.

Ser o principal diamante dos escalões jovens, mas chegar aos seniores e desaparecer. Uma fatalidade de muitos talentos. Mateus Fonseca, ex-craque do Sporting, chegou a ser mais falado do que os colegas João Mário, Ricardo Pereira, João Carlos Teixeira, Esgaio, Ilori ou Afonso Figueiredo e até do que outros mais velhos, como William, ou mais novos, como Bruma e Iuri Medeiros. Naquela geração entre 92 e 94 ninguém brilhava mais do que Mateus Fonseca. Ele era o diamante, mas nunca foi. E não podemos culpar o uso de laxante: não foi por isso. Esta parte deixamos para o fim.

Aos 24 anos, Mateus está no Casa Pia. Aquele extremo destruidor de defesas está... no Campeonato de Portugal. Nunca esperei jogar neste nível. A cabeça sempre esteve noutros palcos: os sonhos eram outros”, reconhece, ao Bancada. Mas, então, o que andas aí a fazer? Como foste aí parar? É a pergunta de um milhão de euros e Mateus tem uma resposta: Não treinava a 100%, porque achava que o que fazia era o suficiente e que chegava ao domingo e as coisas iam sair mais tarde ou mais cedo. Não descansava bem, fazia pouco ginásio e isso, tudo junto, fez com que comeceçasse a perder o comboio”.

Usamos as palavras do próprio: Ele perdeu mesmo o comboio. Várias vezes. Ainda assim, Mateus Fonseca alerta para o facto de não ser apenas a falta de trabalho o motivo da perda destes comboios. Há o fator sorte. “Alguns trabalharam mais do que eu e não deram jogadores. Outros trabalharam menos que eu e deram jogadores. No futebol, tens de trabalhar muito, mas a sorte também precisa estar do teu lado”.

Um talento dos diabos, que precisa de espinafres

Pausa no perfil cronológico. Vá, amigo Mateus, diz-nos quem és. “Sou uma pessoa divertida, calma e amigo do meu amigo”. E no campo, quem és tu? “Sou um jogador explosivo, técnico mas frágil fisicamente”.

Tiago Ilori e João Mário, em declarações ao Record, sublinham tudo isto. Ilori, sobre a parte pessoal, confirma que Mateus é "muito divertido, que adora palhaçada e muito positivo, apesar dos problemas". Já João Mário define o ex-colega, com quem jogou durante sete anos, como "muito habilidoso e tecnicista e um dos jogadores mais rápidos" que conheceu.

Está dito.

Mateus na seleção de Lisboa, ao lado de jovens como João Mário ou Ricardo Esgaio

Quando saiu dos juniores do Sporting, Mateus Fonseca já era precisamente isto. Sempre definido como um talento dos diabos, mas com pouca resistência ao choque e com pouco comprometimento nas tarefas defensivas.

Sem espaço na equipa leonina, o então jovem Mateus, 20 anos depois de ter nascido, em Almada, fez as malas para a Suíça, para jogar no FC Chiasso. Para onde? Pois, nós também não sabemos bem do que se trata. No sul da Suíça, mesmo mesmo junto à fronteira com Itália, lá andou o tenrinho Mateus durante alguns meses, na 2.ª divisão do país do queijo e dos relógios. E Mateus não propriamente certinho como um relógio suíço. Foi assim-assim, no campo, mas aprendeu muito fora dele.

A Suíça foi um passo errado na minha carreira, em termos futebolísticos. Tive dez anos no Sporting, onde só jogava para ganhar. Depois, chego à Suíça e a realidade era completamente diferente. Tive dificuldades em adaptar-me ao futebol e só correu bem no final. Mas, aí, a minha cabeça já estava em Portugal”, começa por contar, antes de acrescentar: “Como homem cresci muito. Era um miúdo e aprendi muito com os meus colegas”. Cabeça em Portugal, disseste tu? Então vamos por aí.

O homem mostrou o que valia, mas o telefone estava impedido

Falhada a aventura na Suíça, Mateus quis voltar a Portugal. A porta aberta foi na Trofa e, pelo Trofense, Mateus Fonseca fez 33 jogos, voltando a um nível competitivo assinalável, na sempre competitiva Segunda Liga.

Cenário: temos um rapaz que, anos antes, era um diamante em bruto em Alcochete. Esse rapaz volta ao melhor nível – “as coisas correram muito bem individualmente”, diz-nos – e ajuda o Trofense a salvar-se da descida. O telefone vai tocar e ele vai ter um desafio melhor. Certo? Errado.

“Houve algumas abordagens de Primeira Liga, mas, infelizmente, as coisas não avançaram. Estava muito confiante de que ia sair e, ao não sair, – e com a morte do meu pai – deixei-me ir abaixo”, recorda, ao Bancada. O “ir abaixo”, no caso de Mateus Fonseca, foi não só não subir da segunda divisão para a Liga Portuguesa como descer da segunda divisão para o Campeonato de Portugal. Destino: Casa Pia. A primeira temporada foi razoável, a nível individual, e a equipa manteve-se tranquilamente no Campeonato de Portugal.

Nesta época, o abismo.

No money, no party

Lesionei me logo na pré-época e, desde então, estou á espera de ser operado. É um problema do futebol semi-profissional: os clubes não têm dinheiro para pagar as cirurgias e ficam sempre dependentes dos seguros. Estou há 5 meses à espera. A operação é simples, mas já perdi a época”.

Apesar da temporada perdida – que acarretará um necessário período de preparação para atacar bem 2018/19 –, Mateus Fonseca acredita que, aos 24 anos, ainda pode lá chegar. Ao topo da montanha. Ser o tal diamante que, afinal, nunca foi. “Agora, mais experiente, tenho a noção de que, para chegar a outro patamar, tenho de ter muita sorte. Há poucas pessoas a ver os jogos e há o fator de ter 24 anos e os clubes preferirem investir em miúdos de 19, 20, 21 anos”, lamenta, antes de garantir: “É claro que o sonho está dentro de mim e a vontade é a mesma, mas não faço planos. Vivo um dia de cada vez, sem pensar muito onde posso chegar. Tenho de trabalhar para chamar a atenção das pessoas e depois, aí, logo se vê”.

“Desculpe, professora”

Achava que nos tínhamos esquecido da história do laxante? Pedimos desculpa por pormos de parte o nosso trabalho de jornalistas – que é o de contar histórias –, mas esta, garantimos, é melhor ser contada, em discurso direto, pelo próprio Mateus Fonseca. Até porque tem um pedido de desculpas. Dá-lhe, Mateus. Estamos contigo. Nós e os teus amigos dessa altura.

Mateus Fonseca ao lado de nomes como João Mário ou Afonso Figueiredo

“Eu vivi quatro anos na Academia do Sporting, onde éramos como se fôssemos uma família. Divertíamo-nos muito, mas também tínhamos as regras e os horários que tínhamos que cumpri. Um desses horários era a sala de estudo, que nenhum de nós queria ir, porque preferíamos ficar no quarto ou na sala de estar.

Então, uma vez, juntamente com quatro colegas, decidimos comprar laxante [estimulante intestinal] e pôr umas gotinhas na água da nossa professora.

No dia seguinte, íamos ter sala de estudo, depois de almoço, e a professora chegou ao pé de nós e disse: "Meninos, hoje não há sala de estudo, estou mal da barriga". Na altura, fizemos cara séria, mas chegámos ao quarto e chorámos a rir. Até hoje falamos nisso.

Aproveito, desde já, para pedir desculpa à professora de quem nós gostávamos muito. Não gostávamos era de estudar”.