Prolongamento
Lobo Xavier aponta o dedo aos “escribas” que se manifestam indignados
2020-02-20 10:45:00
Advogado fala de um recorrente “coro organizado” que “imita macacos” e assume a sua culpa, por se deixar anestesiar

No programa desta quarta-feira da 'Circulatura do Quadrado', na TVI24, o advogado Lobo Xavier comentou o caso que envolveu Marega, criticando “as pessoas que escreveram os artigos, indignadas”.

No seu raciocínio, começa com um nota forte e polémica, que por ser acessória na sua ideia não merece mais destaque, neste texto: “Ainda bem que a equipa toda [do FC Porto] não saiu, porque, se tivesse saído, o Benfica iria inventar que deveria perder pontos… Era mais uma vergonha, mas era possível”.

Lobo Xavier critica as reações que surgiram, em catadupa, após o episódio racista que ocorreu no Estádio D. Afonso Henriques.

“De um lado, vi comentadores a dizerem que o Marega era culpado. Naquela lógica de que a vítima é que é a culpada – a lógica utilizada pelas pessoas que falam das violações e dos crimes sexuais congéneres”, apontou, aludindo à célebre ideia de que ‘a vítima provocou’.

Ideia da qual discorda, naturalmente, e que entretanto “desapareceu”, no caso Marega, porque “o movimento da opinião pública é tão forte que fez recuar muita gente”.

O advogado, vestindo a pele de adepto de futebol, manifesta desconforto e faz um mea culpa, porque assume que testemunhou inúmeros incidentes semelhantes aos que tiveram Marega como vítima.

“Confesso que também não me sinto confortável, porque a maior parte das pessoas que escreveram e falaram na televisão sobre o tema esqueceu-se de confessar – e eu acho isso lamentável – que elas assistiram a episódios semelhantes, durante toda a sua vida. Não há ninguém que vá aos jogos de futebol que nunca tenha assistido aos gritos racistas”, realça.  

O comentador entende que “todos nós temos de começar a admitir que assistimos, dezenas de vezes, ao mesmo tipo de gritos”.

“Essas pessoas que escreveram os artigos, indignadas, que falam sobre os bandos de bárbaros, essas pessoas nunca fizeram nada. Incluindo eu próprio, que assisti a cenas semelhantes: um coro organizado e repetido que imita gritos de macacos quando um jogador se aproxima da sua zona, no estádio. É praticamente omnipresente. Em Portugal e noutros países. Eu também sou responsável por não me ter indignado suficientemente e por ter entrado na normalidade”, afirma.

O comentador da TVI confessa que, ao longo dos anos, deixou-se “anestesiar” pelo que apelida de “normalidade” – o reiterado comportamento racista de alguns adeptos.

“A normalidade anestesia-nos. Fiquei apenas incomodado [ao longo dos anos] e não reagi, como todos estes escribas que estão agora a reagir em cima do acontecimento”, acusa.

Neste caso, a nota de realce foi a resposta em campo de Marega, diferente de todas as outras reações de jogadores vítimas de racismo, em Portugal.

“Se não fosse o jogador a assumir-se ofendido, e isso é que é a grande novidade, não se tinha passado nada, não tinha acontecido nada. Se o jogador, um profissional de alta competição muito bem pago, tivesse continuado a jogar (como todos os outros) e não tivesse saído, a opinião pública manter-se-ia totalmente em silêncio e não comentaria o caso”, defende Lobo Xavier.

O maliano fez mais pelo combate ao racismo do que os comentadores, políticos e personalidades que comentaram o incidente, de acordo com o advogado.

“Sim, o gesto do jogador – um gesto completamente legítimo e compreensível – fez mais pelo combate ao racismo do que milhares de panfletos e gritos na Assembleia da República e proclamações com bandeiras desfraldadas que eu tenho visto. Espero que isso produza efeitos”, sublinha.

Lobo Xavier acredita que, a partir de agora, nada será como dantes: “Há um certo receio de que possa haver mão pesada e vai melhorar o ambiente. E talvez contribua para a mudança da cultura e da sensibilidade das pessoas”.

Até porque, nota, o caso que envolveu Marega “teve um impacto gigantesco”.