Prolongamento
João Moreira e as aventuras com jogos de 5 horas, abelhas e um macaco pontual
2018-05-27 20:55:00
O avançado português considera que lhe faltaram as oportunidades em Portugal.

Conversar com João Moreira, internacional sub-21 por Portugal, trouxe, provavelmente, as histórias mais bizarras que já passaram pelo Bancada. E olhe que já tivemos coisas bem estranhas. Aos 32 anos, este rapaz já nos pode contar aventuras em Espanha, aqui pertinho, mas também aventuras do outro lado do Mundo: em Brunei ou na Nova Zelândia, ambos a mais de dez mil quilómetros daqui, deitou-se em campo por causa de abelhas, participou em jogos de cinco horas e partilhou o pequeno almoço com um macaco munido de relógio. E conheceu um sultão com dinheiro para comprar biliões de “Joões Moreiras”. Coisas a ler mais à frente.

Nem sabemos por onde começar. Talvez pela fase em que João Moreira, formado no agora triste e acabado Estrela da Amadora, falhou a transferência para o Real Madrid e acabou por ir parar, ainda com 20 tenros aninhos, ao Valência. Um passo que, para o jogador português, não foi dado demasiado cedo. “Não. Na altura, foi o que aconteceu pelo que estava a fazer no Estrela. E como das melhores equipas portuguesas não chegou nada...”. E foi lá, no leste de Espanha, que pôde treinar com gente como Villa, Joaquín, Albelda, Ayala ou Cañizares. Já falaremos desta gente.

Primeira pausa, primeira história. Vamos lá, João, mostra-nos o que há no exótico Brunei. “O centro de estágio era na floresta e tinha colmeias. Um dia, num treino, quem é que tinha a bola? O João, claro. Eu tinha a bola e, de repente, deitaram-se todos no chão e gritaram ‘deita-te’. De repente, vêm mais de 200 abelhas. Elas passaram por cima e nós tipo um minuto no chão. Isto porque, quando passa a rainha, vem o inchame todo atrás. Foi muito engraçado”.

João Moreira é um rapaz que foi a dois Torneios de Toulon e a um Europeu sub-21. Aliás, nesse europeu foi colega de Manuel da Costa – outro de quem falámos recentemente – e de craques como Nani, Manuel Fernandes, Moutinho, Veloso ou Rolando. Chegou mesmo a ser utilizado frente à Itália de Chiellini, Aquilani, Montolivo ou Pazzini. Nesta altura, era um avançado potente e forte fisicamente, que gostava de explorar o espaço. Agora, garante que é um jogador diferente, mas versátil: “Varia conforme as equipas. Em Singapura, eu era mais um 10 atrás do avançado, a ocupar espaços livres. No Auckland, que era uma equipa com mais posse de bola, já era mais de área. Consigo adaptar-me. E posso cair nas alas, onde joguei de origem”.


João é o número 9

Foi ao tal Europeu fruto da forte utilização na equipa B do Valência, mas nunca chegou a outros voos. João Moreira sente que a carreira ficou abaixo do que poderia ter sido. “Sinto. Sem dúvida. Nem todos têm as oportunidades. Tinha qualidade, mas não tive a confiança dos treinadores. Dificultou um pouco”, analisa. Em Portugal, por exemplo, nunca lhe passaram cartão. Parca utilização no empréstimo ao Nacional e não muito mais no Beira-Mar ou no Leixões. “Penso que é do tipo de jogador português. Como o Paulo Machado ou o Vieirinha, por exemplo. Não era pela falta de qualidade, mas pela falta de aposta no clube”.

A tempestade, o sultão e o haka escondido

Depois de passagens por equipas de divisões inferiores de Espanha, João Moreira atirou-se de cabeça para o Mundo exótico. “Foi devido a querer experimentar algo novo. A oferta era boa. Ir para locais mais exóticos, numa liga diferente. Valorizam-te lá. Os meus colegas de equipa viam-me como um ídolo”.

João foi para a ilha de Bornéu e ficou na parte mais pequena, destinada ao Brunei (as restantes pertencem à Malásia e à Indonésia). Na capital, Bandar Seri Begawan, jogou pelo Duli Pengiran Muda Mahkota FC e… tem muita coisa boa para contar. Vamos a mais uma.

“A história que conto sempre é uma situação muito estranha. Eu não tinha ideia de que havia tempestades tropicais daquelas em Brunei. A meio de um jogo surgiu uma e começou a tocar uma sirene. Eu continuei a jogar e eles todos parados. O árbitro a dizer para irmos para o balneário e eu fiquei chateado. Eles lá me explicaram que é para não sermos atingidos por raios”, começa por contar, antes de acrescentar: “O jogo demorou quase cinco horas. Ficámos a espera que a tempestade passasse. Até costumam ser rápidas – tipo 10/15 minutos –, mas aquela durou quase uma hora. Ficámos no balneário a ouvir música enquanto esperávamos”. Não, caro leitor, ainda não acabou. “A dada altura o árbitro apita, voltamos para o campo e... voltou a tocar a sirene. Isto no meu primeiro jogo, com um calor impressionante”.

Por lá, havia um sultão a mandar naquilo tudo. No futebol, João Moreira nem sempre conseguiu mandar. Foram alguns golos, sim, mas, coletivamente, a equipa não conseguiu um bom lugar no campeonato de Singapura (sim, a equipa participava na Liga Singapurense, apesar de disputar os jogos caseiros em Brunei). Tudo bem, o futebol nem sempre correu na perfeição, mas, pelo menos, conheceu o grandioso sultão Hassanal Bolkiah, que chegou a ser um dos homens mais ricos do Mundo. Façamos um resumo: segundo a Wikipédia, Bolkiah tem mais de 300 carros, tem um Fórmula 1, tem um Boeing 747, tem um parque de diversões e mora numa casa com quase 1800 quartos. Ah, e convém acrescentar: teve Michael Jackson a cantar no seu 50º aniversário. Coisa pouca. 

João Moreira andou por lá. “Conheci-o, sim. Tive esse privilégio. Mas tive mais contacto com o príncipe e com o futuro príncipe. Gente muito dedicada ao futebol”, recorda.

Foi com a transferência para o Auckland City, da Nova Zelândia, que João Moreira se tornou sultão. Do futebol, claro. Golos atrás de golos, dois campeonatos, quatro Ligas dos Campeões da Ásia. Deve estar a perguntar a si mesmo “então mas na Nova Zelândia também se joga à bola? E jogam com bola redonda ou oval?”. João Moreira, quando recebeu a proposta, diz que também pensou assim. “Quando surgiu a proposta, eu também perguntei se havia futebol lá. Eu conhecia era a Austrália. Perguntei se era o mesmo país. Mas o treinador era espanhol, conhecia-me e disse-me “a nossa equipa é o Barcelona daqui’”, assume, antes de confirmar que, lá, só olham para o râguebi. “Se eu ia a passear na cidade e passava um jogador de râguebi, estava tudo à volta dele. Nos nossos estádios, tínhamos duas/três mil pessoas num dérbi frente ao Team Wellington. Eles, num jogode râguebi entre os últimos classificados, tinham 60 mil”.

Quisemos saber se João Moreira teve contacto com a cultura e dialeto maori, a raça tradicional da Nova Zelândia. Nada disso. Não que escondessem os tribais, mas também não faziam questão de os exibir. “Eles tentam não introduzir o maori, porque acham que é uma cultura muito antiga e que não trará nada para o futuro. Outra coisa que achei muito diferente é que há escolas para maoris, para indianos, para brancos...”.

Mas vamos lá a saber: temos um João Moreira profissional no “haka” ou não? “Mesmo os meus colegas neozelandeses não sabiam fazer o haka. E eram de lá. Essa cultura não é que não fosse bem-vinda, mas tentavam não a introduzir na nova geração”. 

Por lá, João Moreira garante que era dos poucos que não tinha um emprego para além do futebol. Ou melhor, até tinha. Não era bem um emprego, mas sim uma missão. “45% dos jogadores trabalhava, sobretudo os locais. Os estrangeiros tinham outro tipo de trabalho, que era introduzir o futebol no país. Tínhamos o “community coaching”, que era irmos às escolas durante uma hora e meia para introduzir o futebol”.

Entre coaching, maoris e hakas, passaram-se quatro temporadas de Auckland, com muitos golos e vários títulos. Pela primeira vez, João poderia jogar num clube que lutava por títulos, algo que nunca tinha acontecido. Reconhece que, tirando o Valência, sempre esteve em equipas de luta pela permanência e que "chegar a um clube com estabilidade em termos de títulos, espírito ganhador, jogar o Mundial de Clubes e dignificar o país foi muito diferente”.

Tudo parecia perfeito, mas João Moreira quis agitar, de novo, a carreira. Damos-lhe a palavra: “Tive um contratempo numa transferência. Surgiu uma oferta do Orlando Pirates, da África do Sul, que não podia recusar. Mas as negociações falharam e fiquei cinco meses sem equipa, porque os mercados já tinham fechado. Resolvi encontrar algo mais perto de casa, mas não foi possível”.

Posto isto, surgiu a decisão de ir para uma ilha. Afinal, este homem dá-se bem é rodeado de mar. Trocou o Oceano Pacífico pelo Mar Mediterrâneo e aninhou-se em Malta. No Hibernians, a experiência não tem sido particularmente positiva, mas há uma explicação: “Cheguei e comecei a fazer golos. Quando cheguei, conseguimos seis jogos seguidos a vencer. Depois, lesionei-me. Lá, as clínicas e a parte médica não são favoráveis e tive dificuldades para recuperar. E depois ainda regressei com dores”.

Outra pausa. Desafiámos João Moreira para uma sequência de perguntas de resposta rápida.

Melhor jogador com quem jogou: "David Silva".
Defesa mais difícil de ultrapassar: "Chiellini".
Melhor momento da carreira: Sem dúvida, ter estado na seleção sub-21, com jogadores que hoje estão no topo”
Pior momento da carreira: “Talvez ter jogado com grandes jogadores, em Valência, mas nunca ter tido oportunidades na equipa principal”
O que falta fazer na carreira: Desfrutar e ter saúde”.

João Moreira assume que tem tido abordagens de clubes portugueses – do CNS não lhe interessavam, e com o Cova da Piedade e União da Madeira as coisas não avançaram – e assume que o desejo, nesta fase, é voltar a Portugal ou Espanha, para estar perto da família. “Estar em casa”, como o próprio definiu.

Um macaco pontual

Para o fim, mais uma historinha boa. A grande história. Esta vem de Brunei, mais uma vez.

“Houve uma altura em que a minha esposa esteve comigo em Brunei. Ao pequeno-almoço, ela via um macaco e todos os dias lhe dava fruta. Esse macaco começou a ser assíduo. Quando a minha esposa voltou para Espanha, o macaco ia lá e eu não associava que ele queria comida. Ele ficava lá montes de horas. Nem me deixava meter a roupa a secar. Os macacos chegam a ser agressivos, porque levam para as crias. Eu não sabia que a minha esposa lhe dava fruta e, passado duas semanas, comentei com ela e ela disse-me ‘tens de lhe dar fruta’. Eu comecei a dar um pedaço de maçã e ele voltava no dia a seguinte, sempre à mesma hora. Eu acho que ele um tinha relógio. Comecei a comprar fruta para lhe dar”.