Prolongamento
Hélio Pinto: Podia ter ficado no Benfica B, mas foi correr o mundo do futebol
2018-06-25 19:00:00
A história de Hélio Pinto toca os extremos do mundo. O relato de uma vida de malas às costas, nas palavras do próprio.

Portimão, Lisboa, Sevilha, Limassol, Nicosia, Varsóvia, Doha, Kongsvinger, Trikala, Kongsvinger, Guwahati e Loulé. Mais precisamente, Portugal, Espanha, Chipre, Polónia, Catar, Noruega, Grécia, Noruega, Índia e Portugal novamente. São estes os locais que fazem parte da vida futebolística de Hélio Pinto, médio de 34 anos que terminou a formação no Benfica, clube no qual deu os primeiros passos enquanto sénior e o último emblema que representou em Portugal - antes de rumar numa viagem à volta do mundo do desporto rei, entre o frio nórdico e o calor árabe - até agora… em 2018/19, vai envergar a camisola do Louletano, numa altura da vida em que assentar é o mais acertado.

“Falei com a minha família e pensei que era o momento certo. O meu filho mais velho vai ter que ir para a escola obrigatória e decidimos que seria a altura de não fazer mais malas e era a hora de assentar. Chegou a uma hora em que decidimos que não valia a pena estar a sair mais”, começou por referir Hélio Pinto em conversa com o Bancada. Nem uma proposta dos recantos do Azerbaijão conseguiu persuadir o médio e a família a voltar a fazer as malas. “Ainda na semana passada tive uma oferta para ir para o Azerbaijão e a minha mulher disse logo que não queria ouvir, nem saber. Já há uns anos que tínhamos decidido que haveria de chegar uma altura e seria essa de quando os miúdos iriam para a escola.”

A crença de um futuro crescimento e desenvolvimento do futebol no Algarve, com a chegada de mais equipas aos escalões profissionais, é igualmente um dos pontos fortes para a escolha de Hélio em voltar à região que o viu nascer. “Sempre me diverti imenso a jogar futebol e quero continuar a fazê-lo, pois se não me estiver a divertir nem vale a pena estar a continuar. Vou para o Louletano também porque espero que mais equipas algarvias possam subir escalões… agora o Farense voltou à Segunda Liga… vamos ver se para o ano continuaremos a ter mais equipas algarvias a subir”, referiu, com a revelação de que vai começar a tirar o curso de treinador de futebol. Teremos aqui mais um caso de um jogador que deu treinador?

De meia época a meia época… de uma ponta do mundo para outra

Hélio Pinto passou sete temporadas consecutivas no APOEL, duas no Légia Varsóvia, mas desde que saiu do Al-Mesaimeer, no Catar, em 2016, que não realiza uma época completa ao serviço de um clube. “Desde que saí do Catar que nunca mais fiz uma época completa. Fiz três meses na Noruega [Kongsvinger], até dezembro, e depois fui de janeiro até abril deste ano para a Índia. Na Noruega nunca quis ficar muito tempo. No final do verão é uma boa altura para ir para lá, mas em janeiro já nem tanto, que é só neve. A primeira vez em que fui para lá [2016] gostei bastante e a segunda [2017] até foi mais numa de ajudar a equipa que estava numa má fase. No primeiro ano receberam-me muito bem, a temporada correu bem, e a segunda foi mesmo para dar uma ajuda à equipa lá”, confidenciou Hélio.

Da Noruega até à Índia é um ‘pulinho’... vá, não tanto, mas foi essa a rota de Hélio, que este ano decidiu conhecer mais um campeonato e um país que ainda não estava no seu repertório. Foi aí que se seguiu o NorthEast United na vida futebolística do jogador português. “Mal saí da Noruega, recebi logo um telefonema do mister João de Deus para ir para Índia, porque precisavam de um jogador de meio-campo. Foi mesmo pouco tempo, quando saí da Noruega, passados dois ou três dias já tinha a proposta e pronto, fui experimentar essa liga também.”

Chipre, uma ‘terra’ para ‘tugas’

Foram já alguns os países estrangeiros pelos quais Hélio Pinto já passou na carreira, mas a verdade é que o Chipre foi aquele que mais tempo o acolheu. Ao todo, foram oito épocas em solo cipriota, a primeira ao serviço do Apollon Limassol e as restantes com a camisola do APOEL. No palmarés, são cinco os campeonatos conquistados, uma taça e três supertaças, com uns quartos de final da Liga dos Campeões pelo meio, uma façanha que para uma equipa do Chipre merece festejo de troféu levantado. Foi em 2011/12 que o APOEL chegou às oito melhores equipas da Champions, depois de deixar para trás o FC Porto na fase de grupos e o Olympique Lyon na fase a eliminar. Uma caminhada que apenas foi travada pelo ‘tubarão’ Real Madrid.

“Quando saí do Benfica fui para a Espanha, mas só fiquei um ano no Sevilha FC. Não estava a ter minutos, nem a jogar sequer, e disse ao meu empresário que queria era jogar futebol, não interessava onde. Então um dia ele ligou-me e disse ‘olha, queres ir para o Chipre?’ E eu queria era jogar futebol. Nem sabia bem onde é que era, mas no dia seguinte viajei para a Alemanha, onde eles estavam em estágio”, começou por contar Hélio. Embora a ideia inicial fosse de que não passaria de apenas um ano, a verdade é que continuou no país. “Sempre pensei que era um ano de empréstimo, mas correu tão bem, sendo campeão no Apollon Limassol, que depois acabei por ir mais um ano emprestado para o APOEL, onde também fui campeão, e depois fui ficando com naturalidade.”

O Chipre é um país cada vez mais conhecido no mundo do desporto rei por acolher muitos futebolistas portugueses. Hélio Pinto foi um deles e considera que foi um dos ‘pioneiros’ neste êxodo de ‘tugas’ que já contou com muitos a passar por terras cipriotas. “No primeiro ano em que fui para o Chipre, estávamos lá sete portugueses: eu, o João Paiva e o Filipe Duarte no Apollon, o Kenedy no APOEL, o Zé Nando e o Pedro Moita no AEK Larnaca. E a verdade é que nós fomos campeões no Apollon, o APOEL ficou em segundo ou terceiro e o AEK fez uma boa época, ou seja, o jogador português ficou bem cotado. Penso que abrimos as portas para os restantes portugueses no Chipre. Lembro-me que no primeiro ano até conseguimos estar na casa uns dos outros para jantar, mas no fim já não dava, eram tantos portugueses que já tínhamos que ir para um restaurante. Acabei por ficar oito anos no Chipre, as coisas correram muito bem, então chegou a um ponto em que eu pensei que ou saía para experimentar outros campeonatos ou acabava por fazer a carreira toda no Chipre. Então decidi experimentar outro país e foi assim que fui para a Polónia”, lembrou o médio de 34 anos.

Benfica queria-o na equipa B… mas a crença era de jogar ao mais alto nível

Como vários outros jogadores portugueses, Hélio Pinto foi formado num dos ditos grandes, no caso dele o Benfica, mas não conseguiu singrar na equipa principal. Ainda assim, o jogador que na próxima época irá vestir a camisola do Louletano, não guarda rancor pelo clube no qual terminou a formação, até muito pelo contrário. “Não me posso queixar, pois estive no Benfica desde os 15 anos e chegou a uma altura em que o José Antonio Camacho começou a chamar-me à equipa principal. Praticamente tive um ano inteiro a treinar com a equipa principal e se não fosse convocado jogava pela B. Ainda fiz várias viagens e joguei uns ‘minutinhos’ contra o Molde, o Estrela da Amadora e o Paços de Ferreira. Foram pouco minutos, mas estava sempre integrado na equipa principal”, recordou.

“Não me posso queixar muito, porque penso que na altura era só eu, o Tiago Carvalhinho, o João Pereira e depois no ano seguinte é que começou a subir o Manuel Fernandes. Agora é diferente. Há jogadores com possibilidades mais reais de jogarem mesmo. Nesse último ano, o Camacho acabou por sair e eles queriam que eu ficasse no Benfica, mas era para a equipa B… eu não queria pois já estava na B há três anos. Mas, adorei o Benfica e só tenho a agradecer, pois foi aí que me treinei homem e jogador. Tenho vários amigos da altura do Benfica e só tenho a agradecer ao clube pelo que fez por mim.” Foi aí que começou a viagem futebolística, já aqui relatada, de Hélio Pinto, com o passo seguinte a ser o Sevilha FC.

A verdade é que Hélio até teve na mente a ideia de voltar um dia a jogar em Portugal, mas as circunstâncias nunca o permitiram… até agora. “Sempre quis voltar a Portugal, só que nunca se deu o ‘timing’ certo.” Até na própria Seleção Nacional, Hélio chegou a ter o pensamento. “Lembro-me que quando o Paulo Bento treinava a Seleção, foram jogar lá ao Chipre e no meio-campo havia o Meireles e o Moutinho, jogadores contra quem nós jogávamos na Champions… e pronto, havia sempre aquela esperança de que como eliminámos o FC Porto passava pela cabeça algo como ‘será que ainda posso ser chamado, para um estágio, ou ter aquela experiência…’. Mas, nunca se deu e foi daí que surgiu a ideia de ter a cidadania cipriota.” No entanto, circunstâncias não permitiram que Hélio Pinto jogasse pelo Chipre.

Catar, Índia e Grécia… três países com tanto de diferente

Hélio Pinto passou por países em que o futebol é visto de forma completamente diferente dos outros e em todos tem certos momentos ou histórias para partilhar. No Catar, foi a de uma equipa profissional na qual todos os dias apareciam novo jogadores para treinar… que nem o treinador sabia quem eram. Deixemos o próprio Hélio contá-la.

“No Catar, tive uma experiência mais do que uma vez que nunca me tinha acontecido. Nós íamos treinar e em cada dia da semana de um treino chegávamos lá e haviam jogadores novos, que nem o treinador sabia quem eram. Então, chegou a um treino em que o técnico começou a dizer ‘vocês que eu conheço ficam deste lado, os que eu não conheço fiquem aqui de outro lado que eu já vou falar com vocês’. Aquilo era uma equipa profissional, mas que ao fim ao cabo não tinha nada disso. É inconcebível numa equipa em Portugal todos os dias aparecerem jogadores novos para treinar. Houve muitas vezes em que chegava lá, passado algum tempo, e pensava em convidar uns amigos para virem treinar também e fazer uma peladinha. Nos países árabes costuma ser assim… muito dinheiro, muita vontade, mas não têm conhecimento e não são tão profissionais como pensamos. As equipas que lutam pela Champions asiática já são diferentes, mas as de meio da tabela já são muito amadoras. Mas, adorei viver no Catar, a experiência foi muito boa, mas a equipa desceu de divisão e tive que fazer as malas. Quando saí até cheguei a ter tudo acertado para voltar ao Chipre, mas aconteceu-me uma situação como à do Adrien, em que a inscrição não foi entregue a tempo por alguns minutos.

Na Índia, Hélio Pinto cruzou-se com um país que é bom para jogar futebol, mas não tanto para fazer uma vida. “Pode vir a ser um país interessante para se jogar futebol. Os estádios são fantásticos, se a equipa estiver a ganhar vai muita gente ao estádio, fazem um ambiente de espetáculo à volta do jogo muito engraçado. Mas, pessoalmente, para viver não gostei. É um país sujo, confuso, um trânsito infernal. Para viver não aconselhava. Mas, para jogar tem muitas condições, as equipas ficam em hotéis muito bons.

Da Índia para a Europa, foi na Grécia que o médio considera ter passado o pior momento da carreira, mais precisamente ao serviço do Trikala. “Penso que o meu maior erro no futebol foi ter ido para o Trikala. Não gosto de falar mal de ninguém, mas a minha experiência na Grécia foi horrível. Não gosto de dizer nunca, mas penso que nunca mais voltaria para a Grécia. Penso que é muito desorganizada, estive lá um mês e tive três treinadores, viagens de barco, presidentes com seguranças, ameaças de violência… eu não aconselho, pela minha experiência.”

Termina-se este texto precisamente pelo início. Portimão, Lisboa, Sevilha, Limassol, Nicosia, Varsóvia, Doha, Kongsvinger, Trikala, Kongsvinger, Guwahati e Loulé. Depois de uma autêntica viagem à volta do mundo com uma bola de futebol às costas, Hélio Pinto está de regresso a Portugal, com o objetivo de continuar a desfrutar de pisar o relvado e jogar aquele que conhecemos como desporto rei. O futuro? Quem sabe se não o veremos a comandar uma das equipas do principal escalão.