Prolongamento
Futebol chinês aposta cada vez mais nos treinadores portugueses
2017-12-15 22:30:00
A presença de técnicos lusos na China não pára de crescer. Paulo Bento, Paulo Sousa e Vítor Pereira são os que se seguem

A Superliga chinesa está rendida aos treinadores portugueses. O campeonato periférico mais rico e mediatizado do futebol mundial terá em 2018 pelo menos três técnicos nacionais, que fazem de Portugal o país mais representado nos bancos do campeonato chinês, a par da China e Espanha. São eles Paulo Sousa, Paulo Bento e Vítor Pereira, este último apresentado esta semana como sucessor de André Villas-Boas no Shanghai SIPG equipa que ficou em segundo lugar no campeonato de 2017, atrás do heptacampeão Guangzhou Evergrande, de Luiz Felipe Scolari, também ele com ligações a Portugal, como ex-selecionador nacional.

A presença de treinadores portugueses no futebol chinês não tem parado de crescer e não é só a nível do principal campeonato, que contou nos últimos dois anos com Jaime Pacheco no Tianjin Teda, mas também nos escalões secundários com Manuel Cajuda que orientou no último ano o Sichuan Annapurna da League Two da 3ª divisão local. A presença portuguesa estende-se aos escalões de formação e academias, uma aposta cada vez mais vincada do governo chinês que isentou de impostos os clubes ou empresas que investissem no futebol. Exemplos disso é a “Figo Football Academy”, cujo diretor-técnico é Joaquim Rolão Preto, antigo adjunto de Laszo Bolöni no Sporting entre 2000 e 2002 e a implementação de academias do Benfica e Sporting em terras chinesas, assim como a aposta dos clube locais cada vez mais na formação para onde são chamados técnicos portugueses.

“A China está a realizar um forte investimento no futebol e Portugal é uma boa referência a nível de treinadores pela metodologia do treino. E depois o sucesso e a competência de uns vai permitindo a entrada de outros. Temos vindo, de facto, a marcar algum espaço no futebol chinês”, resume ao Bancada Fernando Valente, de 58 anos, há ano e meio responsável técnico dos escalões jovens do Shandong Luneng, clube que disputa a SuperLiga, e que em Portugal treinou clubes como o Santa Clara, Aves, SC Espinho, Paredes e Lousada.

Juntamente com um equipa multifuncional de mais sete portugueses, que vai desde um fisioterapeuta até um scouting, Valente trabalha numa Academia que possui 31 campos de futebol , dois hotéis, um hospital, um ginásio e 300 jovens em regime de internato. “Óptimas condições de trabalho”, assume, revelando orgulho pelos 13 títulos conquistados em todos os escalões, em ano e meio, um recorde do clube, Shandong Luneng, que pertence à maior elétrica da China, detentora de 25 por cento da EDP em Portugal e no Brasil. “Em cada quatro portugueses, um deles paga ao clube qua atualmente represento”.

Parece evidente que os clube chineses apostam na qualidade da metodologia do treino dos portugueses e na sua capacidade de gestão dos recursos humanos, mas a recompensa financeira, aliciante, não será a mola de motivação para a aventura em solo asiático? Fernando Valente responde: “Há de facto uma diferença muito grande em termos financeiros em relação ao que se pratica em Portugal, mas atenção, como já há muita oferta os chineses, que são inteligentes, estão a baixar o plafond. No patamar da SuperLiga, porém, as condições são boas”.

Conquistados por tais argumentos financeiros, mas não só, para além de Vítor Pereira, chegaram recentemente à China Paulo Sousa e Paulo Bento que assinaram pelo Tianjin Quanjin e Chongquing Lifan, respetivamente. O ex-treinador da Fiorentina vai orientar o clube terceiro classificado no último campeonato onde atuam os internacionais brasileiros Ramires, ex-Benfica, e Alex Teixeira. Paulo Bento, ex-selecionador nacional vai treinar o clube que terminou a Superliga chinesa em 10º lugar, substituindo no cargo o sul-coreano Chang Woe-Ryong e onde jogou o antigo avançado do Benfica Alan Kardec.

No entanto, nem tudo é um mar de rosas, ou de yuans. Se a parte financeira pode compensar a aventura, sobretudo para quem consegue chegar à Superliga, o resto já não é assim. Há a parte cultural onde as diferenças são muitas, próprias de uma civilizaçao milenar com cultura e hábitos diferentes. “As barreiras são diversas, essencialmente ao nível da comunicação, alimentação, cultura. Eles querem promover o futebol numa perspetiva de publicidade, de marketing, mas depois não aceitam muito bem as ideias novas. É um processo lento o de influenciarmos através do treino a mentalidade dos treinadores e jogadores chineses”, refere Fernando Valente que prevê a afirmação da China no futebol mundial como um processo que “vai levar tempo”. “O nível dos jovens jogadores chineses ainda é muito baixo, o jogo ainda é muito físico. Ao nível da SuperLiga há um grande investimento na contratação de jogadores e treinadores nos dois últimos anos, mas já restringiram para três o número de estrangeiros em cada equipa e como o nível do jogador chinês ainda é baixo, a qualidade do jogo resente-se. Vai demorar ainda algum tempo a que as novas ideias se imponham”.

E depois há as questões de logística e organização de provas nos escalões de formação.“A China é muito grande e não conseguem, devido às distâncias, organizar provas com calendário semanal, o que implica levar seis ou oito equipas para um complexo com 10 campos e disputarem um torneio entre elas, onde se realizam dois jogos em dois dias seguidos, descansa-se um dia, torna-se a fazer mais dois jogos em dois dias. É de uma violência para os miúdos que depois do terceiro jogo já começam com caibras aos 50 minutos. Não existe um processo normal de competição, ou seja , jogo – treino – jogo. Há largos períodos de treinos sem competição e curtos períodos de competição sem recuperação”, explica.

Fernando Valente tem mesmo algumas dúvidas de que a China nos tempos mais próximos se venha a impor no panorama do futebol mundial. “O presidente chinês [Xi Jinping], que gosta muito de futebol, criou esta dinâmica, mas se ele sair e o seu sucessor decidir apostar tudo no pingue-pongue eles desistem do futebol e passam a dedicar-se ao pingue-pongue. Faz parte da mentalidade deles. É uma questão de cultura”, argumenta.