Prolongamento
É cada vez mais exigente ser campeão em Portugal... e chegar à Liga dos Campeões
2017-08-17 20:00:00
Números mostram aumento significativo do aproveitamento de pontos na presente década em relação à década passada

Os 82 pontos conquistados pelo Benfica em 2016/17 garantiram o título aos encarnados, naquela que foi a percentagem de aproveitamento de pontos mais baixa - 80,39 por cento - entre os campeões desta década na Liga portuguesa. Um registo longe dos 86,27 por cento de pontos conquistados pelas águias em 2015/16 e ainda mais longe dos 93,33 por cento dos pontos aproveitados por André Villas-Boas, quando conduziu o FC Porto ao título em 2010/11. Ainda assim, se compararmos a média de aproveitamento de pontos dos campeões portugueses desta década com os da década passada é possível vislumbrar um desnível bem assinalável – quase na casa dos dez por cento. Números que nos mostram que está cada vez mais difícil ser campeão em Portugal, nomeadamente em relação à “exigência” pontual.

Uma ideia com a qual Augusto Inácio, técnico campeão pelo Sporting em 1999/2000 e que passou por várias equipas da Liga no passado recente, concorda em parte. “Concordo com essa ideia de que cada vez é mais difícil ser campeão. Mas há uma coisa indesmentível: só existem três equipas a lutar pelo título, embora a última década se resuma a FC Porto e Benfica - o Sporting não entra nessas contas, porque não é campeão há 16 anos”, refere ao Bancada.

Desde 2010 até 2017 o campeão português tem conseguido sempre um aproveitamento de pontos acima dos 80 por cento. Algo que na década passada – entre 2000 e 2009 - apenas foi conseguido em duas ocasiões, ambas por intermédio de José Mourinho ao serviço do FC Porto (2002/03 e 2003/04). É preciso recuar até meados da década de 90 do século passado para encontrar equipas campeãs a superar um aproveitamento pontual de 80 por cento. Em 1995/96, época em que foi estreado o sistema de três pontos por vitória em Portugal, o FC Porto de Bobby Robson conseguiu conquistar 82,35 por cento dos pontos em disputa. Na época seguinte António Oliveira conduziu novamente os dragões ao título, com 83,33 por cento dos pontos conquistados.

       

O melhor exemplo deste aumento de competitividade existente entre candidatos na frente da tabela é a temporada de 2012/13. O FC Porto foi campeão com um aproveitamento de 86,67 por cento dos pontos, sendo logo seguido pelo Benfica, com 85,56 por cento de pontos conquistados. Ou seja, desde que o campeonato é disputado a três pontos por vitória – e temos de analisar a percentagem de pontos conquistados, uma vez que a Liga foi alternando entre 18 e 16 equipas, o que impossibilita comparar média de pontos conquistados –, com o registo apresentado nessa temporada os encarnados seriam campeões em todas as outras épocas, com exceção das já aqui mencionadas, de 2010/11 e 2015/16.

Também a campanha protagonizada pelo Sporting em 2015/16, que terminou como vice-campeão, com um aproveitamento pontual de 84,31 por cento, daria aos leões para serem campeões em 18 das 22 épocas aqui apresentadas. “Como foi possível o Sporting não ser campeão com 86 pontos”, questiona Inácio. Estes dois exemplos de Benfica e Sporting são assim os dois extremos máximos que mesmo superando largamente a média de aproveitamento de pontos dos campeões dos últimos 22 anos, situada em 80,01, acabaram por não conseguir alcançar o título nacional.

Em sentido inverso surge o Benfica de Trapattoni, que em 2004/05 alcançou o extremo mais baixo em relação à percentagem de aproveitamento pontual no que diz respeito a um campeão. As águias chegaram ao título com apenas 63.73 por cento dos pontos conquistados. Um valor atípico no campeonato português e o único caso em que o aproveitamento pontual baixa da casa dos 70 por cento. Olhando para todos os vice-campeões da presente década todos bateriam à vontade esse registo das águias. E apenas o Sporting de 2007/08, que terminou com 61,11 por cento de aproveitamento de pontos, não ficaria à frente dessa equipa campeã pelo Benfica.

Inclusivamente, segundo os números, a média de aproveitamento pontual dos segundos classificados da presente década, que se situa nos 78,10 por cento, fica acima dos 76,16 por cento de pontos conquistados em média pelos campeões da última década. Esta é só mais uma prova matemática de que ser campeão em Portugal está a tornar-se uma missão cada vez mais difícil.

Liga dos Campeões com menos vagas

Com a queda de Portugal no ranking da UEFA, Portugal perdeu um lugar na Liga dos Campeões da próxima época. Dessa forma, apenas duas equipas irão garantir presença na principal prova europeia de clubes no final da presente época. E quem a quiser terá de “pedalar” bastante para o alcançar, pois, à semelhança do título, também existe uma maior exigência para alcançar o segundo posto nos últimos anos – apesar de no passado recente o terceiro classificado também garantir acesso à pré-eliminatória da Champions, vamos restringir a análise apenas aos segundos classificados, devido ao novo cenário para 2017/18.

Na presente década apenas três equipas que foram à Liga dos Campeões graças ao segundo posto na Liga ficaram com um registo de aproveitamento pontual abaixo dos 75 por cento: O Benfica em 2010/11 (70%), o Sporting em 2013/14 (74,44%) e o FC Porto na última época (74,51%). Em sentido inverso, nas restantes 14 temporadas, desde 1996 a 2009, apenas por uma vez um segundo classificado passou a marca dos 75 por cento de pontos conquistados: o Sporting em 2006/07 (75,56%). Por cinco ocasiões o segundo classificado ficou mesmo abaixo dos 70 por cento de pontos conquistados, algo que nunca aconteceu nesta década

Dessa forma, feita a média de pontos aproveitados pelos segundos classificados desde que a Liga portuguesa tem três pontos por vitória situa-se nos 72,97 pontos. Um registo que na presente década apenas daria o acesso à Champions na temporada de 2010/11, onde, curiosamente, se registou a maior percentagem de aproveitamento pontual de um campeão – o FC Porto de Villas-Boas -, mas também o maior fosso da história recente entre primeiro e segundo classificados. No entanto, tendo em conta a média dos segundos classificados desta década, situada nos 78,1 por cento, a fasquia para os clubes fica bem perto da casa dos 80 por cento de aproveitamento.

“Antigamente o campeonato, mesmo que se ganhasse com menos pontos, tinha maior equilíbrio em termos de forças em relação aos clubes considerados mais pequenos. Quem perdesse menos pontos com os mais pequenos era o que tinha mais hipótese de ser campeão”, lembra Inácio, antes de comparar com a realidade atual: “Diria que cada vez menos os clubes grandes sentem dificuldades em ser campeões, no sentido em que o campeonato está restringido normalmente a duas equipas”.

Já a qualificação europeia – neste parâmetro tivemos em conta os quartos classificados das últimas 22 épocas, uma vez que na próxima temporada só o quarto tem o apuramento garantido, com o quinto lugar a ficar dependente do que acontecer na Taça de Portugal – também está mais exigente, embora o desnível seja bem menos acentuado entre a presente década e a passada. A maior pontuação de um quarto classificado aconteceu em 2011/12, quando o Sporting conquistou 65,56 por cento dos pontos em disputa. Ainda assim, a média desta década situa-se nos 57,79 por cento. Bem próximo dos 57,13 por cento de aproveitamento pontual do quarto classificado nas últimas 22 temporadas, mas ligeiramente mais longe dos 56,03 por cento da última década.

O quarto classificado com o registo de aproveitamento pontual mais baixo destas 22 temporadas foi o Vitória de Guimarães em 2002/03, quando baixou mesmo dos 50 por cento de aproveitamento, terminando com 49,02 por cento de pontos conquistados. Ainda assim, os minhotos não garantiram a vaga europeia, porque nessa época Portugal tinha apenas quatro lugares e o último foi para a União de Leiria, via Taça de Portugal. O mesmo aconteceu com o Benfica, em 2001/02. As águias até conseguiram um aproveitamento pontual de 61,76 por cento, mas ficaram fora da Europa, uma vez que nessa época Portugal apenas detinha três vagas.

Permanência mais exigente

Apesar dos primeiros estarem a conquistar cada vez mais pontos, isso não se reflete no fundo da tabela, onde também temos assistido a um aumento da percentagem de aproveitamento pontual por parte dos que fogem à despromoção. Aqui a análise foi apenas até à temporada 2006/07, uma vez que antes disso desciam três equipas ao contrário das duas atuais. Dessa forma, a percentagem de pontos conquistados pelo antepenúltimo classificado nas últimas onze épocas também mostra uma tendência para subir, tendo passado a barreira dos 30 por cento na temporada passada.

Por exemplo, o CD Tondela garantiu a permanência na última temporada com um aproveitamento pontual de 31,37 por cento. Exatamente a mesma percentagem conseguida pelo FC Arouca, que desceu à Segunda Liga. Um registo que teria garantido a continuidade no primeiro escalão em todas as outras temporadas em estudo, com exceção de 2010/11, onde a Académica conseguiu conquistar 33,33 por cento pontos - curiosamente no tal ano “recorde” do FC Porto de Villas-Boas.

A média de aproveitamento pontual para a permanência desde que descem duas equipas situa-se nos 29,44 por cento. De 2007 a 2010 o aproveitamento pontual do antepenúltimo classificado foi inferior à barreira dos 30 por cento. Contudo, nas últimas sete temporadas apenas três dessas equipas não superaram a barreira dos 30 por cento. Há ainda a curiosidade de em 2007/08 e 2008/09 os penúltimos classificados terem garantido a permanência, mas porque Boavista e Estrela da Amadora, respetivamente, foram relegados na secretaria.

Mudanças positivas e negativas

Para Augusto Inácio existe uma relação causa efeito que justifica este cenário. “Na última década têm acontecido grandes transformações, bastante positivas para uns e bastantes negativas para outros”, lembra-nos, antes de explicar as mudanças positivas: “as equipas pequenas já trabalham muito bem, já não há a diferença que existia dantes. A metodologia do treino evoluiu, hoje em dia já não há diferença em relação à forma como as equipas trabalham. O que há é clubes com muito melhores jogadores que os outros. E isso marca a diferença. Não é o físico nem o tático. Os grandes têm um poder económico cada vez maior”.

“Viu-se em dois exemplos como se pode cavar um fosso maior ou não em relação ao equilíbrio de forças para um campeonato ser competitivo. Benfica, FC Porto e Sporting fizeram um grande contrato com operadoras televisivas. Quando antes havia a globalização das transmissões televisivas. Havendo essa globalização existia maior equidade na divisão dos ganhos nas transmissões. Mas houve um clube que disse que sim, mas à última hora decidiu fazer por ele. É natural que os grandes ganhem muito mais dinheiro fazendo o negócio por si. Mas querem jogar os grandes só com os grandes? Não existem os outros? Se esses clubes não tiverem dinheiro para comprar bons jogadores o nível do campeonato vai baixar cada vez mais, porque não há milagres”, analisa o técnico, de 62 anos, em relação ao lado negativo das transformações vistas no futebol português.

Uma realidade que na opinião de Inácio irá produzir consequências graves para Portugal a nível das competições europeias. “O que está a acontecer é que as equipas estão cada vez mais a descer no ranking e vai ser difícil mudar isso. Este ano já mudou e qualquer dia o primeiro nem entra direto na Liga dos Campeões e tem de ir ao playoff, porque infelizmente as equipas portuguesas são seis e não ganhamos os pontos suficientes para manter o nível. Em Portugal fazemos milagres em relação ao que fazem os principais países. O último classificado em Inglaterra ganha quase o dobro do que o primeiro em Portugal nos direitos televisivos. Depois aparece aqui um West Ham a dar milhões pelo William. Para eles não é nada, só para nós é que é muito”, aponta.

Ainda assim, August Inácio admite que a realidade do campeonato português também passa “por fases”. “O Benfica, por exemplo, está numa fase em que perde dois ou três jogadores e não se nota muito porque mantém a bitola alta. Hoje em dia empatar com o Benfica já é um feito. O FC Porto e o Sporting também já perceberam que se continuarem a perder pontos aqui e ali é uma vantagem enormíssima para o adversário. Daí a festa que o Benfica fez em Chaves”, salienta o experiente técnico, vencedor da Taça da Liga na última época ao serviço do Moreirense.

“Estão todos à espera de marcar a diferença quando jogam entre si, mas esquecem-se que depois aparecem equipas que podem roubar pontos. Mais do que nunca as equipas, treinadores e jogadores - estes acima de tudo - têm de mudar a mentalidade e entender que empatar um jogo que não seja com os grandes já é uma derrota. Não podem ficar contentes com o empate, nem em Guimarães e em Braga, que são deslocações tradicionalmente difíceis. Têm de lá ganhar, porque é aí que se marca a diferença nos pontos para ser campeão. E aí admito que seja cada vez mais difícil ser campeão em Portugal”, remata Augusto Inácio.