Prolongamento
Do FC Porto e do Sporting ao volante de um táxi pela Invicta
2018-07-20 21:30:00
A história de vida de Gabriel, antigo internacional português, contada na primeira pessoa

Jogou no FC Porto, jogou no Sporting, foi internacional português em 20 ocasiões, e ganha agora vida como taxista. Gabriel, natural de Miragaia, hoje com 64 anos, foi uma das referências na posição de lateral direito nas décadas de 70 e 80. Foi José Maria Pedroto quem o converteu à posição, aproveitando a sua polivalência de até então. “Costumavam perguntar ao José Maria Pedroto porque é que jogava com um ponta de lança, um extremo esquerdo e não tinha um extremo direito e ele respondia: ‘Se tenho um lateral direito que faz todo o corredor com uma perna às costas, por que razão havia de ter um extremo direito´”, recorda com orgulho ao Bancada Gabriel, que tinha na velocidade, no cruzamento a preceito e na determinação que colocava em cada lance, as principais qualidades. E foi esta determinação que o levou a investir na compra de um táxi. O irmão mais velho havia terminado a carreira. Os tempos eram outros e Gabriel resolveu apostar na compra de um táxi para ajudá-lo. “Tinha um irmão mais velho que jogou muitos anos no Salgueiros e no Braga. Quando terminou a carreira não tinha nada em perspectiva e como havia uma pessoa que estava disposta a vender um táxi aproveitei a oportunidade”, conta o antigo jogador. “Agora ando eu por aqui.”

Já lá vão 14 anos a conduzir pelas ruas do Porto. O irmão faleceu e Gabriel acabou por pegar no volante. “Nasci e fui criado no Porto e é natural que algumas pessoas me conheçam. Ainda há tempos fui buscar umas pessoas à Universidade Católica. O porteiro viu-me e disse ‘desculpe, o senhor não jogou no FC Porto? É o Gabriel, não é?’. Eu disse que sim e ficámos os dois todos contentes. É agradável quando assim é. A malta nova é que já não me conhece.”

As contigências da vida levaram a que Gabriel seja taxista. O antigo internacional português gosta do que faz, embora por vezes seja “demasiado cansativo”. “Faço-o com satisfação. Sempre gostei de jogar futebol e de conduzir. Olhe, juntei o útil ao agradável”, refere ao Bancada com um sorriso.

Os tempos agora são outros e nos dias que correm a generalidade dos jogadores aufere ordenados que lhes permite encara o futuro de forma mais risonha. Neste contexto, Gabriel recorda que ganhava 60 euros… por mês no FC Porto. “Sem luvas, sem nada”, frisa o antigo camisola 2. “Agora, evidentemente, as coisas são muito diferentes”, acrescenta, lembrando: “Comprei o meu primeiro carro, novinho em folha, por 57 contos (sensivelmente 300 euros).”

"Há quem estranhe ver um antigo jogador a conduzir um táxi”, diz Gabriel, argumentando: "É muito difícil fazer comparações com os tempos em que era jogador. São tempos diferentes. Hoje no futebol ganha-se muito dinheiro. Eu mesmo no FC Porto, e já internacional A, ganhava 12 contos. A diferença abismal.”

Gabriel, o terceiro a contar da direita em cima, ao lado do capitão Oliveira, sempre foi portista e o grande marco da carreira esteve na conquista do campeonato de 1977/78 ao serviço dos dragões. "A festa foi maior do que a de São João. Há 19 anos que o FC Porto não era campeão e foi uma loucura.” O lateral-direito havia depois de ser bi-campeão. Um bis que teve como grande obreiro José Maria Pedroto, um "predestinado" que tinha a sabedoria de colocar os jogadores no lugar certo. Gabriel conta porquê. "Nos juvenis, eu jogava a médio defensivo e era onde gostava mais de jogar, mas a equipa precisava de um defesa esquerdo e andaram a experimentar alguns jogadores até que me chamaram a mim. Eu não gostei muito da ideia, naquela altura dizia-se que quem jogava na defesa eram os jogadores mais toscos. Mas lá fui e desenrasquei-me. Joguei nos juniores a defesa esquerdo, quando cheguei à equipa principal, no primeiro treino, o Pedroto chamou-me e disse: ‘Gabriel, eu já o vi jogar em vários lugares, mas ainda ninguém o colocou no lugar certo. Vai passar a jogar no lado direito.’"

Foi assim que Gabriel conquistou um lugar na equipa principal no FC Porto e na Seleção Nacional. Com apenas 20 anos. Mas depois de nove épocas consecutivas de dragão peito, correspondentes a mais de 400 jogos e sete golos, mudou-se para Alvalade, na sequência de um conflito com José Maria Pedroto. “Nem sempre tudo é um mar de rosas, é normal existirem problemas mas tenho a consciência tranquila. Quase que fui obrigado a fazê-lo. Mas representei o Sporting com toda a honra. Foi um prazer estar num clube daquela grandeza.” Assinou, então, por quatro épocas, vestindo a camisola verde e branca de 1983/84 a 1986/87. Como foi voltar ao Estádio das Antas de leão ao peito? “Não foi fácil. Chegar às Antas do outro lado tem que se lhe diga. Fui um bocado assobiado, mas depois de a bola começar a rolar esqueci tudo.”

Após quatro épocas ao serviço do Sporting, correspondentes a mais de 100 jogos e a um golo, Gabriel acabou por rumar ao SC Covilhã, a convite de Vieira Nunes, então presidente dos serranos. "Fui para a Covilhã, mas tive uma lesão que só me deixou fazer nove jogos e no final da época resolvi acabar a carreira. Não foi nada dramático. Fui-me mentalizando. Já tinha 34 anos e o corpo ia-me dando sinais de que era hora de parar. Depois de acabar de jogar ainda treinei algumas equipas dos escalões secundários, Feirense, Covilhã, Sanjoanense…”, recorda ao Bancada.

O FC Porto ficou no coração e ainda hoje o motor do táxi descansa quando os dragões jogam. “O bichinho do futebol está cá sempre e sempre que posso não falho um jogo do FC Porto.” Na memória de Gabriel (o terceiro a contar da direita na foto) ficou um jogo “especial”. O minuto 92 do FC Porto-Benfica de 11 de maio de 2013 que ficou na história do futebol português. Um remate do improvável Kelvin garantiu o triunfo dos azuis e brancos no Estádio do Dragão diante do grande rival e colocou a revalidação do título à distância de um triunfo, o que acabaria por confirmar-se para gáudio do treinador Vítor Pereira e seus pares. Gabriel, que venceu dois Campeonatos nacionais, uma Taça de Portugal e duas Supertaças ao serviço dos dragões, além de dois campeonatos de juniores, não esquece este jogo, o mais intenso que viveu enquanto adepto.

"É daqueles jogos que ficam para sempre na memória", recorda o antigo defesa, sustentando: "Foi um momento único, de grande alegria para todos os portistas, até pela forma como foi conseguido e por ter sido decisivo na conquista do título."

A vitória acabou por ter maior sabor até porque o Benfica esteve a vencer, com um golo obtido por Lima aos 18 minutos. A meio da primeira parte, o FC Porto igualou através de um autogolo de Maxi Pereira e foi, então, preciso esperar até aos minutos de compensação para surgir Kelvin a decidir após passe de Liedson.

O futebol, hoje, é muito diferente daquele que Gabriel se habituou a praticar e a ver. “A evolução também tem destas coisas. O futebol hoje em dia é menos espectacular, os jogadores têm menos liberdade. Transformou-se num jogo mais tático, menos aberto, muito mais disciplinado, argumenta. O telefone tocou e Gabriel lá foi para mais uma “corrida” após a conversa com o Bancada.