Prolongamento
Da Austrália para o Trofense, do Campeonato de Portugal, com o YouTube na mala
2018-04-27 21:30:00
Um jovem futebolista profissional tentou a sua sorte na Trofa depois de fazer a formação no River Plate

Em julho do ano passado, aterrou no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, um jovem jogador com aspirações de singrar no futebol europeu. O seu nome é Gavin de Niese, um australiano que hoje conta 22 anos e que foi contratação do Trofense, clube que milita no Campeonato de Portugal (terceiro escalão), para a temporada 2017/18. Da Austrália trouxe uma curta carreira no YouTube, plataforma onde publica vídeos do dia-a-dia enquanto jogador de futebol profissional, seja no trabalho ou no tempo livre. Após cerca de nove meses em Portugal, Gavin de Niese falou com o Bancada e explicou tudo: o passado no River Plate, a experiência no Trofense e os 'vlogs' no YouTube.

Comecemos pelo futebol jogado dentro das quatro linhas. Gavin de Niese, nascido a 9 de janeiro de 1996, jogava num clube local até que, com onze anos, entrou para a academia dos argentinos do River Plate na Austrália. Começou a impressionar e o treinador sugeriu que Gavin viajasse até à Argentina para fazer testes. Em 2009, passou três meses no clube sul-americano e acabou por ficar de forma definitiva. Ao Bancada, contou como reagiu a família e quais foram as maiores diferenças entre o futebol australiano e o argentino. "Desde que comecei a jogar futebol que sabia que queria ser futebolista e o meu pai sempre me apoiou. Quando me pediram para ir, o meu pai apoiou o meu sonho. Na Austrália, o nível não é alto. Se queres ser um futebolista professional, o melhor é olhares para fora da Austrália. No início, a velocidade do futebol e a forma como jogam é muito diferente do que eu jogava. Os meus colegas ajudaram-me muito, num ano estava a jogar espanhol e hoje sou fluente", disse Gavin (ainda que esta entrevista tenha decorrido em inglês).

Gavin de Niese nos seus tempos de jogador das camadas jovens do River Plate (foto: Twitter Gavin de Niese)

Acabou por ficar no River Plate durante seis anos, mas a carreira no clube de Buenos Aires não terminou da melhor maneira. Apesar de jogar com bastante regularidade na equipa B do clube e de se treinar constantemente com a equipa principal, nunca foi aposta pelo simples facto de não ser argentino. Racismo? Não, regulamentos. Isto porque a Liga Argentina só permite que cada equipa tenha seis estrangeiros e o River Plate já tinha as vagas ocupadas por jogadores importantes (Teo Gutiérrez era um deles). Saiu do River Plate e foi tentar a sua sorte à Europa, mas não encontrou nada. Regressou, finalmente, à Austrália, e tudo parecia correr pelo melhor: começou a treinar no Melbourne City e tinha tudo alinhavado para assinar contrato, mas uma lesão no joelho deitou a hipótese por terra. Foi aí que Gavin de Niese se fez à vida e criou a própria academia de futebol, mas de uma forma diferente: Gavin tinha sessões de treino individuais com as crianças inscritas e o formato foi um sucesso, permitindo até ao atleta perceber que quer ser treinador no futuro. "Abri a minha academia sozinho, em seis meses. Tive 30 rapazes [inscritos], ganhava mais dinheiro que a maioria das pessoas da minha idade que trabalhavam. Sou muito novo, mas já tenho alguma experiência no futebol. Na Austrália, o sistema de futebol jovem não é bom e eu era muito bom em ajudar os jogadores mais jovens. Tive uma grande resposta dos pais, que gostavam da forma como eu treinava. No futuro, é algo que quero fazer", admitiu.

No entanto, a academia teve de ser remetida para segundo plano, ainda que pelos melhores motivos. "Conheci o Sérgio [Guedes, agente], que me ajudou. Vim com ele em julho e assinei com o Trofense. Ter passaporte europeu [também tem nacionalidade irlandesa] ajudou", começou por explicar. Assinou com o clube da Trofa, realizou a sua primeira temporada na Europa e utilizou uma câmara para registar todos os momentos.

O YouTube como uma forma de dar aos mais novos aquilo que o próprio não teve

Apesar de não ter um número de subscritores elevado, o canal de Gavin de Niese no YouTube ('Gd Vlogs') já tem mais de 40 vídeos dedicados à vida do australiano enquanto jogador de futebol profissional. Vídeos dos treinos no ginásio e no relvado, dos golos e assistências, do dia-a-dia e do tempo livre passado em Portugal ou, nas folgas, em Espanha. A aventura no YouTube começou para os amigos australianos continuarem a acompanhar a carreira de Gavin. "Estava na Austrália comecei a publicar vídeos de mim com os meus colegas, no treino. Quando foi altura de vir para Portugal, queria continuar em contacto com os meus amigos e aumentar a minha audiência. Eu descrevo o meu canal como, primeiramente, baseado em futebol e, depois, no estilo de vida de um futebolista profissional. O meu canal mostra como é ser um futebolista profissional para inspirar os mais novos e mostrar como tudo se passa. Quando era mais novo, sempre quis saber o que os jogadores faziam depois dos treinos. Sabemos o que eles fazem nos jogos, mas não sabemos o que fazem na vida pessoal, no tempo livre… No YouTube, não há muito futebolistas a fazer isso."

Sozinho na gestão do seu canal de YouTube, Gavin de Niese admite que é apenas um hobby, mas que tem como objetivo "crescer a audiência". Quando chegou ao Trofense, não dizia a ninguém que fazia vídeos, mas aos poucos os colegas foram sabendo. Um deles foi André Viana, jogador do Trofense que elogiou o trabalho do australiano, revelando ainda que já há jogadores a pedirem conselhos. "O canal é mais um argumento da forma séria como ele encara o futebol. Hoje em dia, a vida fora do mesmo é tão importante como dentro. A equipa admira o trabalho dele, e até mesmo alguns jogadores pedem conselhos de como ter uma boa alimentação, sendo este um dos temas do seu canal", disse André Viana ao Bancada.

Apesar de o YouTube ser uma das paixões, Gavin garante que "o futebol vai estar sempre em primeiro lugar" e contou que, num futuro próximo, o canal vai ter "muita Argentina". "Vou lá em maio e vou ficar lá dois meses. Vou tentar recriar o meu tempo no River Plate em vídeo", assegurou.

Trofense, futebol em Portugal e o futuro

No clube da Trofa, contudo, nunca agarrou o lugar e somou apenas onze jogos durante a época, apontando um golo. Quem partilha o balneário com ele tem a certeza que não é por falta de qualidade ou empenho. "Como companheiro é grande pessoa, amigo e no que puder ajudar ele ajuda", começou por assegurar Luís Cortez, colega de Gavin de Niese no Trofense, quando o Bancada perguntou pelo australiano. "É uma pessoa em que se pode contar! No balneário, igual: faz um bom grupo de trabalho. Como jogador,aqui no Trofense, ele teve um época com um pouco de altos e baixos. Jogou pouco, mas não por falta de qualidade. É um jogador de muita garra e é muito trabalhador. Gostaria de dizer mais, mas desde que cheguei aqui foi raro vê-lo na posição dele. Gostei dele como jogador, só lhe falta confiança e minutos", garantiu, explicando que ele, no Trofense, jogou regularmente a extremo e nunca na posição de origem: médio (8 ou 10).

Já André Viana reforçou que "o Gavin tem pontos fortes e pontos fracos, como qualquer jogador de futebol". "Acima de tudo, o ponto mais forte e que mais o caracteriza como jogador é o seu profissionalismo. Jogando ou não jogando, trabalha sempre da mesma maneira. Excelente profissional". André Viana reconheceu que a temporada "não lhe correu muito bem porque não foi um jogador que jogou com regularidade", mas que, "como qualquer jogador ambicioso, quer sempre jogar". "Apesar disto, nunca baixou os braços e trabalhou sempre para conquistar o seu lugar. Contudo, e com a situação que a equipa enfrentava, não teve tantas oportunidades quando desejaria", adicionou.

Gavin de Niese (de vermelho, com a bola) num treino do Trofense (foto: Twitter Gavin de Niese)

O futuro não deve passar pelo Trofense, explicou ao Bancada Luís Cortez, mas ainda nada está definido. O objetivo de Gavin é "chegar ao nível mais alto possível no futebol", sendo que André Viana considera que "qualquer jogador que encara o futebol como ele encara pode singrar" em Portugal. Para já, Gavin está plenamente satisfeito com o nosso país. "Vocês vivem o futebol 24/7 e 365 dias por ano. Na Austrália é só um hobby. Aqui, os filhos querem jogar futebol, não os pais. Na Austrália é ao contrário. As pessoas são muito boas, gosto da cultura. O futebol está num bom nível e olham para os jovens, como se vê nas equipas da Primeira Liga", referiu.

Anthony Carter, amigo de infância de Gavin de Niese, trocou o Trofense pelo Benfica em janeiro. Quem sabe se, um dia, não vamos ver outro australiano a dar um salto igual ou semelhante.