Prolongamento
"A melhor visão do jogo é atrás da baliza"
2018-01-17 20:45:00
Bancada foi procurar respostas junto de técnicos experientes e de um homem do râguebi sobre o que vêem do banco

"Os treinadores não vêem nada do banco”. “Do banco, os treinadores só devem ver um monte de pernas”. Quem nunca disse isto que atire a primeira pedra. Sobretudo, aqueles que são denominados de treinadores de bancada, que à segunda-feira enchem o peito e sabem quais são as opções certas que o treinador devia ter feito e não fez. Mas a primeira afirmação chegou a ser proferida por um técnico experiente, Jesualdo Ferreira, tricampeão pelo FC Porto, após ter saído do SC Braga em 2005/06. “Quando se começa uma época sabe-se que ela vai ser abalada por uma série de acontecimentos e podemos ter ou não ter estaleca para aguentar", explicou então Jesualdo depois de ter sido contestado pelos adeptos, "que veem o jogo lá de cima" e não entendem que "o treinador no banco não vê nada". Ainda que proferido num determinado contexto, a frase de Jesualdo Ferreira desperta a curiosidade. Mas afinal o que veem os treinadores do banco? Bancada foi procurar respostas junto de treinadores experientes mas também quis saber o que pensa um homem do râguebi.

Manuel José, um dos mas titulados treinadores portugueses de sempre, do alto da sua vasta experiência que passou por passagens pelo Sporting e pelo Benfica e culminou no sucesso que foi a estadia no Al-Ahly, do Egipto, com 20 títulos conquistados, não tem dúvidas: “A melhor visão para ver um jogo de futebol é atrás da baliza. É daí que se vê o posicionamento perfeito das duas equipas, a dinâmica defesiva e ofensiva das duas equipas. Vê-se melhor do que no banco”, afirma o experiente treinador que, no entanto, diz que o lugar do treinador de futebol é junto ao relvado e na capacidade que tem de ler o jogo e comunicar com os jogadores.

José Mota, treinador do CS Sfaxien que está em segundo lugar do campeonato tunisino a cinco pontos do líder Espérance de Tunis, reconhece que uma visão periférica do jogo só é possível se o treinador abandonar o posto no banco e subir à bancada. “É mais rigorosa, e melhor. Consegue-se ver o posicionamento correto de uma equipa, do que está a ser bem ou mal feito, mas com o acumular da experiência junto ao banco vai-se percebendo os movimentos. São rotinas que vão sendo adquiridas”, acrescenta Mota, cujo último clube português que treinou foi o Aves em 2016717.

Uma ideia corroborada por Manuel José. “No banco estamos mais próximo dos jogadores, inclusive dos suplentes. Depois de jogos atrás de jogos, as coisas vão ao sítio, os treinadores vão-se habituando a observar as nuances táticas, a estratégia do próprio jogo”, acrescenta. José Mota fala de rotinas que vão sendo adquiridas. “Quando se está na bancada, não se tem aquela intuição de fazer uma substituição rápida, por exemplo. A visão do jogo é melhor, sim, mas o treinador no banco faz com que os jogadores também percebam que têm ali alguém para os ajudar, para os incentivar, o seu líder”.

E depois há todo um staff para auxiliar o treinador principal. “Hoje em dia nenhum técnico a nível profissional prescinde de uma equipa técnica que não tenha elementos que contribuam para uma observação do jogo mais periférica”, lembra José Mota. Fernando Valente, responsável técnico das camadas jovens do Shandong Luneng corrobora: “Com as novas tecnologias, em tempo real o treinador quando chega ao intervalo já possui informação útil para tomar algumas decisões”.

“Uma coisa é estar no banco, junto ao terreno, outra é ter uma visão periférica do campo e de todas as movimentações dos jogadores. Mas com o acumular da experiência junto ao banco vai-se percebendo os movimentos. São rotinas que vão sendo adquiridas”, garante José Mota. “Concentro-me muito pouco no que o adversário está a fazer”, reconhece Fernando Valente que confessa: "Num canto na área contrária ao banco, nao tenho a perspetiva do que se passa, torna-se difícil analisar. Aposto muio no treino, em repetir aquilo que fazemos dia-a-dia". Depois, no campo, "a comunicação entre os jogadores é muito importante, se ela não existir perde-se muita coisa".

Uma ideia é comum. O trabalho diário do treino é fundamental e minimiza possíveis erros de leitura dos treinadores durante o jogo. “Não podemos esperar que façam em campo o que não treinamos”, é a máxima pela qual se rege Fernando Valente. Até porque o lado psicológico e mental pode fazer a diferença. A sensibilidade e agressividade que pode passar para dentro das quatro linhas é sempre importante. É o fazer-se ouvir a voz mais forte. A do líder. No terreno. Na motivação. E no entanto.

Tomaz Morais, antigo jogador e atual treinador de râguebi, relembra que a nível da da seleção nacional “os treinadores conduzem o jogo através da bancada”, via comunicação, e que “no Super Rugby e na Liga dos Campeões os treinadores principais também veem os jogos da bancada”, e é da opinião de que da bancada, de facto, “tem-se uma visão mais ampla, mais racional e menos emotiva. Bem sei que é uma visão mais fria, mais realista mas do ponto de vista tático é melhor”, defende. Tomaz Morais compreende, no entanto, que “o futebol pela sua cultura e identidade históricas teve sempre o treinador como parte integrante do jogo, comunicando com os jogadores, e até com o próprio árbitro”, mas não acredita que um técnico no banco funcione como fator desequilibrador. "O jogo é dos jogadores. Quando era jogador de râguebi não ouvia o meu treinador, estava concentrado e envolvido no jogo”.