Portugal
Vieira, o presidente que agrega a oposição e que tem “muito crédito” por gastar
2017-09-19 17:15:00
Ex-candidatos derrotados colocam-se ao lado do presidente do Benfica em relação às críticas de Rui Gomes da Silva

Duas derrotas consecutivas tornaram visíveis algumas fragilidades do plantel do Benfica para 2017/18, mas também fizeram aparecer as primeiras críticas públicas à direção das águias. A Rui Costa, aos “vices”, à comunicação… Rui Gomes da Silva foi a primeira figura mediática do universo encarnado a fazer um “arraso” público ao momento que o clube atravessa. Oposição a surgir a Luís Filipe Vieira? Pelo próprio ou por outrem? A verdade é que tem sido rara a oposição com rosto nos 14 anos de mandato de Vieira na Luz e até opositores em eleições anteriores estão do lado do presidente, ou, pelo menos, contra a postura de Gomes da Silva, que poderá não ser mais que uma “ilha” - o tempo mostrará - em todo este processo.

“Se um dia o for [presidente do Benfica], isso será porque os sócios quiseram e não porque eu quis. Porque votaram num projeto e não porque eu sonhei, quando era pequenino, que um dia seria presidente”, escreveu o antigo vice-presidente encarnado. Poderá Gomes da Silva fazer parte ou ser mesmo ele a oposição que, por exemplo, nas últimas eleições, no ano passado, não existiu? “Tem de ser claro e dizer ao que vem. Se quer ser opositor e se quer ganhar terreno para vir a ser no futuro um putativo candidato, que tenha honestidade intelectual e que diga imediatamente isso, porque fazer críticas quando as coisas correm mal é de uma pessoa que de facto que não prima pela moral, pela ética e por princípios”, atira Rui Rangel, em conversa com o Bancada.

Rangel perdeu as eleições de 2012 para o atual presidente do Benfica, mas fê-lo com a maior percentagem que alguma vez alguém conseguiu ter frente a Vieira – 83,02 por cento, contra 13,83 por cento. Em 2003, quando foi eleito pela primeira vez, Vieira conseguiu 90,47 por cento dos votos frente a Jaime Antunes e Guerra Madaleno e em 2009 ganhou com 91,74 por cento frente a Bruno Costa Carvalho, sendo que os votos em branco foram o dobro dos do candidato da lista B. A história dos triunfos esmagadores de Luís Filipe Vieira, dois deles a solitário (2006 e 2016), mostra uma oposição interna muito reduzida e também silenciosa. E até o homem que conseguiu fazer Vieira baixar dos 90 por cento na única vez em cinco atos eleitorais, deixou de ser oposição.

“Neste momento, tenho uma relação absolutamente fantástica com o presidente do Benfica, uma relação amiga e solidária e é assim que vou mantê-la. No terreno não há espaço para aparecer uma candidatura, mas quem tiver coragem que apareça. Eu tive coragem no meu tempo”, lembra-nos Rui Rangel, antes de voltar a frisar que a meta atual, mais do que o pentacampeonato, são as contas do clube. “Mesmo que o Benfica não ganhe o penta, se conseguir equilibrar as suas contas estou sempre com Luís Filipe Vieira e com a direção. Todos os benfiquistas querem o penta, mas é tão importante isso como o equilíbrio das contas e o Benfica é o segundo clube da Europa com maior passivo. Sei que esta é uma preocupação do presidente”, revela.

Também Bruno Costa Carvalho, outro dos derrotados por Vieira nas urnas, e que continua um crítico atento à política da direção encarnada, embora de forma menos corrosiva como no passado, já tendo, inclusivamente, num passado recente, elogiado publicamente a gestão desportiva do clube, se colocou contra as declarações de Gomes da Silva. "Este exagerado destaque […] faz qualquer pessoa com o mínimo de QI pensar que estas críticas de Rui Gomes da Silva são encomendadas e já estava tudo orquestrado”, argumenta o antigo candidato à presidência encarnada, antes de salientar que “não é nada, mas mesmo nada, difícil perceber o provável autor da encomenda”, numa nota publicada na sua conta de Facebook, onde segue atentamente o dia-a-dia do clube.

“Estou em frontal desacordo com as declarações de Rui Gomes da Silva”, prossegue Rui Rangel. “Já não é a primeira vez. Não se deve criticar quando as coisas estão em baixo, muito menos da forma pública como fez. Provavelmente, o Benfica tem de questionar quem tem à frente dos programas de televisão. É um ato cobarde do Rui Gomes da Silva criticar os elos mais fracos, como o Rui Costa e outros vice-presidentes. Ele quer implicitamente atacar Vieira, mas não tem coragem. Falta-lhe coragem intelectual e coloca fora disto tudo o presidente. Isto é próprio dos cobardes”, reitera o juiz. O Bancada contactou ainda o Benfica para tentar uma reação oficial do presidente Luís Filipe Vieira às críticas de Rui Gomes da Silva, pedido que não foi atendido.

Importância do passivo

Há quem defenda que o lado financeiro terá de se sobrepor ao desportivo e que o abatimento do passivo é a principal meta de Vieira no presente, desvalorizando estes pequenos deslizes. Rui Rangel acredita mesmo que Luís Filipe Vieira vai conseguir fazê-lo. “Tenho esperança que haja uma diminuição do passivo com os jogadores que se venderam, estou solidário com o Vieira nesse combate e sei que isso vai estar presente nas contas”, assegura ao Bancada. As contas que são apresentadas esta tarde pela direção encarnada serão, assim, decisivas para perceber se existe mesmo “terreno fértil” para o surgimento de uma oposição a Vieira.

Tal como Rui Rangel, também Bruno Costa Carvalho, e muitos sócios e adeptos, esperam pelo resultado das contas encarnadas. “O presidente do Benfica definiu como nova prioridade o abaixamento do passivo. Parece-me bem e é algo que eu venho a pedir desde 2009. No entanto, há sempre uma coisa que eu não entendo: não tem que ser uma coisa de cada vez! Pode-se baixar o passivo e ser-se muito competitivo. Podem construir-se infraestruturas e ser-se campeão. Nunca entendi esse enfoque numa só coisa. Num ano em que vendemos 160 milhões e comprámos sete e que recebemos 40 milhões da NOS, que nos foi dito que serviriam para baixar o passivo, não me parece pedir demais que ele baixe, no mínimo, 100 milhões”, frisou, na conta pessoal do Facebook.

As atenções estão assim centradas no equilíbrio das contas. E caso esse equilíbrio não se verifique, mesmo perante o otimismo de gente que outrora já foi oposição? “Por tudo o que fez pelo Benfica, Luís Filipe Vieira tem ainda uma almofada e créditos muito grandes. Obviamente que se o Benfica entrasse em rota de colisão completa, em destruição financeira e em termos desportivos, seria diferente... Considero que Vieira é o homem certo no lugar certo, mas obviamente que não há pessoas insubstituíveis. Se as coisas entrarem fora daquilo que é o contexto normal, obviamente que em democracia há sempre possibilidade de se criar um terreno fértil para surgir oposição. O que não fica bem é ao mínimo 'sinalzinho' de crise aparecer o Rui Gomes da Silva a fazer as críticas que fez, que são maldosas, mal-intencionadas, de má fé e com segundas intenções”, assevera Rui Rangel.

Até porque para o ex-candidato, estas “crises” são normais e “cíclicas” em clubes que estão no topo, deixando mais elogios às habilidades negociais de Vieira, que quando o derrotou, em 2012, ainda não tinha entrado no ciclo vitorioso em termos desportivos que conduziu o Benfica ao tetra. “É visível que o Benfica não está a atravessar um bom momento. Houve um fenómeno de desconstrução da equipa, nomeadamente da defesa e guarda-redes. Qualquer clube que está em alta, como esteve o Benfica, tem sempre momentos cíclicos de quebra. A equipa está em quebra, não está a jogar bem, há decréscimo de qualidade de alguns jogadores, mas são procedimentos normais. Nem sempre se acerta. Vieira tem sempre uma mão de mestre na venda e aquisição de jogadores. Obviamente que este ano houve, de facto, um desfasamento, mas houve uma prioridade [aliviar o passivo], e quero ver isso refletido nas contas. E sei que vai ser refletido”, prevê.

Saída de Nuno Gomes e posição de Rui Costa

A saída recente de Nuno Gomes da direção da academia do Seixal, e o “boato relativo à possível entrada nessa estrutura de formação de alguém que é tão de outro clube ... como eu sou do Benfica”, segundo escreveu Gomes da Silva, também mereceu a crítica do antigo vice-presidente no já referido texto. Também Bruno Carvalho se referiu à saída de Nuno Gomes, postando uma imagem de um festejo de um golo entre o antigo avançado e Rui Costa. Poderia passar também por aí uma futura oposição nas águias, caso o antigo número dez deixe a “zona de conforto” em que Gomes da Silva o acusa de estar?

“No contexto atual se o Rui Costa se candidatasse perdia por larga margem as eleições frente a Luís Filipe Vieira”, perspetiva Rangel. “Se me perguntar se atualmente há um trabalho visível de Rui Costa, os benfiquistas terão dificuldade em perceber esse trabalho. Mas não se pode dizer as coisas que o Gomes da Silva disse, da forma que disse e no momento que escolheu”, repete. Por fim, Bruno Carvalho também saiu em defesa de Rui Costa após as críticas de Gomes da Silva. “Rui Costa é um grande símbolo do Benfica e Rui Gomes da Silva era só alguém que, em 2009, andava a dizer mal de Luís Filipe Vieira até que este lhe deu o desejado ‘tacho’, como aliás fez com quase todos os opositores. Não é verdade, José Eduardo Moniz, Varandas Fernandes ou até José Marinho?”, questionou o antigo candidato.