Portugal
Tarantini: o capitão de todas as revoluções. Um mestre em profissionalismo
2018-05-25 18:35:00
Nos últimos dez anos muitos chegaram e tantos outros partiram do Rio Ave. Tarantini, porém, esteve sempre lá.

Ricardo José Vaz Alves Monteiro. Por aqui talvez não identifique logo de quem se trata, mas se lhe dissermos que, no futebol, Tarantini, é o nome pelo qual é conhecido, a imagem só pode ser uma: a de um homem vestido de verde e branco e de braçadeira de capitão orgulhosamente ostentada. Tarantini confunde-se com o próprio Rio Ave. É o capitão e parece ser eterno. Resiste a qualquer revolução que é feita no clube. Para Tarantini não há fins de ciclo. E se alguns duvidavam, eis que qualquer dúvida ficou hoje dissipada: Tarantini fica nos Arcos por mais dois anos. Pelo menos.

Quando terminar o contrato que hoje assinou, serão doze os anos que ligaram Tarantini ao Rio Ave. Não é um one-club man, afinal, foi formado no SC Covilhã e ainda passou por Gondomar e Portimão, mas é como se fosse. Doze anos de Tarantini vestido com as cores do Rio Ave. Muitos deles, capitaneando o clube vila-condense. É fácil confundir Tarantini com o clube, atualmente. Afinal, enquanto muitos entram e tantos outros saem, há uma cara que parece omnipresente: a de Tarantini.

“Chamavam-lhe Tarantini penso que por culpa de um jogador argentino. Não me recordo muito bem, não sei se não foi o próprio João Cavaleiro que o começou a chamar de Tarantini. Acho que foi ele. Porque ele era parecido com o indivíduo”, diz-nos Rui Morais, antigo companheiro de equipa de Tarantini no SC Covilhã

Mais do que um futebolista, Tarantini é um homem de causas. Não as causas artísticas como as de Michele Massimo Tarantini por exemplo. Não somente causas desportivas como as do antigo internacional argentino Alberto Tarantini. Não. A causa de Tarantini é tão desportiva quanto social. Através do seu website, Tarantini construiu uma plataforma digital que visa sensibilizar jovens futebolistas para o risco que incorrem ao apostar tudo numa carreira tão volátil quanto a de futebolista, muitas vezes, esquecendo um possível plano B ligado a outras áreas. Sensibilizar jovens para a necessidade de cumprirem os estudos até ao fim e, idealmente, concluindo também formação superior. Sensibilizar jovens para a necessidade de planear a vida a longo prazo.

Tal como o próprio Tarantini fez, aliás. Formado durante vários anos nas camadas jovens do Amarante FC, foi já em idade júnior que integrou a equipa do SC Covilhã com a qual acabou por fazer a estreia a nível sénior. Dividiu, então, os relvados e os livros enquanto estudou na Universidade da Beira Interior. “Os meus pais, comerciantes de produtos agrícolas, tinham a preocupação de nos dar um futuro melhor. Tenho três irmãs mais velhas, e todas estudaram, o que me serviu de exemplo. As dúvidas que tive se chegaria ou não ao futebol profissional também me fizeram ser pragmático e pensar primeiro na faculdade”, explicou em entrevista ao jornal Expresso.

Se isso foi razão para brincadeiras no balneário? Algumas. “Às vezes mandávamos uma piadinha ou outra, quando precisava pedir dispensa para fazer frequências, exames, participar em aulas mais específicas, de vez em quando brincávamos um pouco com ele e com o professor, dizendo que ele era o protegido, o afilhado [risos], mandávamos uma piadinha ‘afilhado, safaste-te de boa’ quando ele não ia a um treino mais exigente, mas pronto, o Tarantini teve sempre a ideia de, independentemente de ser jogador, tinha as ideias bem vincadas de que não podia abdicar da formação académica”, confidencia-nos Rui Morais.

“Na altura, os tempos eram diferentes. Nessa altura, os mais velhos, em relação aos mais novos, massacravam-nos um bocadinho. Tínhamos um excelente balneário nesse ano. Tínhamos um grande treinador que além de treinador era também professor e valorizava muito essa questão do Tarantini. Não era o único que estava a estudar naquela altura, havia mais um dois que também estudavam e até víamos isso com bastante naturalidade. Além disso era de louvar. Nunca faltavam aos treinos, mesmo quando tinham frequências, tinham sempre o futebol como máxima responsabilidade”, conta-nos também Mauro Almeida, outro dos companheiros de equipa de Tarantini na Covilhã.

“Se me perguntar se a primeira vez que vi o Tarantini jogar era um fora de série? Não, não era, era um jogador muito trabalhador, muito disciplinado taticamente, algumas debilidades técnicas, mas evoluiu bastante com o decorrer dos anos”

Tarantini renovou por mais dois anos com o Rio Ave esta semana e quando terminou o vínculo que recentemente assinou serão doze os anos de ligação do capitão do Rio Ave ao emblema de Vila do Conde. Aquilo que hoje é Tarantini nem sempre existiu e é fruto de muito trabalho e dedicação. “O Tarantini naquela altura, eu via-o como um bom jogador, mas não como um jogador especial. Era um jogador muito profissional, empenhava-se bastante, em termos técnicos não tinha tanto poder técnico como tem hoje, ele refinou isso, mesmo a nível de posicionamento, mas é muito difícil, porque na altura era o primeiro ano de sénior e ele teve uma aprendizagem muito grande. Se me perguntar se a primeira vez que vi o Tarantini jogar era um fora de série? Não, não era, era um jogador muito trabalhador, muito disciplinado taticamente, algumas debilidades técnicas, mas evoluiu bastante com o decorrer dos anos”, avalia ao Bancada Mauro Almeida.

Uma avaliação corroborada por Rui Morais. “O que o Tarantini é hoje foi à base de muito trabalho e muita dedicação. Ele quando chegou era um miúdo que tinha algumas limitações, na altura as condições não seriam as melhores, notava-se que tinha de se aperfeiçoar em muitas áreas. Mas a dedicação dele e a vontade dele acabaram por falar mais alto acabando por chegar a um patamar mais alto em função da própria dedicação”.

Uma limitação que o próprio Tarantini reconhecia e, por isso, sempre colocara os estudos em primeiro lugar. O resto… veio por acréscimo e com muito suor. “Ele tinha bem vincado que a preferência dele seria sempre a formação académica. Depois teve a possibilidade de fazer parte do plantel sénior do Covilhã e começou a sentir que o potencial que tinha podia ser suficiente para fazer uma carreira como acabou por fazer. Mais tarde veio-se a confirmar que realmente tinha essa capacidade”, diz-nos Rui Morais.

“O que realçava mais nele, mesmo em idade júnior, era ter metas bem definidas e ambição de chegar o mais longe possível. Acabou por conseguir fazer uma carreira bem engraçada”

Tarantini é um caso especial no futebol. Não só em Portugal. Mesmo a nível global. A maturidade que lhe é hoje reconhecida acompanhou-o desde os primeiros passos no futebol profissional. “Desde muito cedo que percebi que o Tarantini era um rapaz muito diferente da generalidade da malta da idade dele. Já era uma pessoa muito madura. É um miúdo educado, muito profissional naquilo que faz. Desde cedo deu a entender que sabia o que procurava e tinha metas bem definidas. O trabalho que ele conseguiu fazer enquanto profissional, conciliando os estudos, formar-se, fazer mestrado e agora doutoramento… O que realçava mais nele, mesmo em idade júnior, era ter metas bem definidas e ambição de chegar o mais longe possível. Acabou por conseguir fazer uma carreira bem engraçada”, diz-nos Rui Morais.

“O Tarantini sempre foi um exemplo, nessa altura ele era bastante reservado, não era fácil um miúdo destacar-se em relação a questões de liderança. Sempre foi bastante humilde, muito trabalhador, sempre empenhado e educado e tinha a questão da faculdade que acabou por ser uma mais valia para ele, como se veio a verificar até hoje. Ele marcou pela diferença, não só dentro de campo, mas também fora”, acrescentou ao Bancada Mauro Almeida.

Mauro Almeida encontrou-se com Tarantini, na Covilhã, em 2002/03, naquela que foi a segunda temporada do hoje capitão do Rio Ave com o emblema do interior do país. Tarantini tinha 19 anos, e o perfil de liderança que hoje mostra começou ali a desenhar-se. “O perfil de liderança foi crescendo com ele com a idade e conforme lhe foram incutidas responsabilidades. Mais no Rio Ave, mas essa liderança surgiu com naturalidade. Naquela altura não me lembro de já existir esse perfil. Foi o primeiro clube de Tarantini como sénior, o Covilhã, não era fácil impor a liderança quando haviam lá jogadores de 30 e tal anos já com nome feito no futebol. Além disso tínhamos um treinador também bastante forte e rigorosa cuja liderança chegava para todos”, diz-nos Mauro Almeida.

Meses mais tarde, já com Mauro Almeida em tour europeia (passou pelo PEC Zwolle, FC Pasching, Vihren, Accrigton Stanley, Swindon Town e Sligo Rovers antes de terminar a carreira em Angola), Tarantini começou a destacar-se como uma das figuras do clube. “Ele veio para cá em 2001, 2002, mas passados uns meses, um ano, começou a ver-se que estava ali um rapaz que tinha essas qualidades. Que tinha uma visão alargada das situações, era uma pessoa inteligente. Desde cedo se percebeu, juntamente com a sua sabedoria e mentalidade e maturidade, começou a perceber-se que mais cedo ou mais tarde estava ali uma pessoa com capacidade para ser um líder. Desde muito cedo que foi visto, mesmo por nós que eramos mais velhos, como uma pessoa que estava à altura de poder desempenhar um papel ainda mais importante dentro do plantel”, diz-nos Rui Morais.

“Era muito, muito responsável e isso notava-se no rendimento dentro de campo porque só assim ele conseguiu levar as duas coisas a bom porto”

Conciliar o futebol, os estudos e também a vida académica foi, durante algum tempo, o grande desafio de Tarantini. Algo que só foi possível sob grande profissionalismo e dedicação, mesmo que para Tarantini, noitadas, nunca tenham sido do seu agrado. “Histórias caricatas? Talvez nas Repúblicas [risos]. Não, mesmo nisso, nas saídas, nos convívios nas Repúblicas, o Tarantini era muito profissional. Era estudar. Era muito, muito responsável e isso notava-se no rendimento dentro de campo porque só assim ele conseguiu levar as duas coisas a bom porto”, conta-nos Mauro Almeida.

“Ele ia só mesmo quando tinha margem para ir. Abdicou algumas vezes, mesmo que ninguém soubesse, tinha a responsabilidade de estar a bom nível. Muitas vezes ele dizia-me que tinha tido convites e que não podia ir, que gostava de ter ido, que estava lá a malta toda. É um bocado difícil dada a idade, naquela idade as pessoas também querem gozar um pouco o mundo académico”, acrescenta Rui Morais ao Bancada. “Fê-lo com grande persistência e muito trabalho, ele estudava aqui na UBI e jogava aqui no Covilhã e era muitas vezes convidado para jantares e festas e parecendo que não, para um jovem daquela idade, era muito difícil recusar aquele tipo de convites, porque sabia que no outro dia tinha de dormir o suficiente para estar em condições físicas para desempenhar o melhor trabalho”.

Se algum dia vir Tarantini na rua fique a saber uma coisa: pode pagar-lhe uma cerveja, mas dificilmente o capitão do Rio Ave vai aceitar uma segunda. “Uma vez ou outra, às vezes, nesses convívios, juntava os amigos lá em casa para não se expor ou andar na rua. Para não ser visto como um profissional que não se comportava como tal, por vezes, juntavam-se em casa de uns e outros, lá faziam os seus jantares, bebiam os seus copitos, e pronto… ao outro dia quando bebia uma cerveja parecia que tinha bebido um barril. ‘Não me sinto muito bem, bebi duas cervejas’, ‘duas cervejas? O que é que é isso’, ‘epá, um gajo não bebe, já sabes como é’… coisas assim do género. Ele nunca foi de grandes aventuras. Sempre um rapaz muito atinado e muito concentrado”, confidenciou-nos Rui Morais.

Ricardo José Vaz Alves Monteiro. Tarantini. O capitão de todas as revoluções. Mestrado em futebol. O verdadeiro exemplo do profissionalismo e dedicação. Dez anos depois mantém-se em Vila do Conde. Por mais dois anos. Muitas caras vão entrar, tantas outras vão sair. Uma manter-se-á. A de Tarantini, claro está.