Portugal
Seis anos sem perder para Rui Jorge nos Sub-21 e a jogar “da mesma maneira”
2017-06-24 21:30:00
Entre a derrota com a Rússia e a Espanha foram utilizados 90 jogadores por Portugal, numa série que durou 2097 dias

São 2097 os dias que separam as duas últimas derrotas oficiais da Seleção Sub-21 de Portugal. Qualquer coisa como 297 semanas. Quase seis anos. Após a derrota a 11 de outubro de 2011, na Rússia, Rui Jorge comandou a equipa portuguesa a uma série invencível – em jogos oficiais - sem precedentes. Mas o “conto de fadas” chegou ao final na passada terça-feira, frente à Espanha. Foram vários os jogadores utilizados desde então e as diferenças são ainda mais. Mas só a nível de intérpretes, pois a equipa joga “da mesma maneira”. É isso que garante João Pereira, um dos primeiros capitães de Rui Jorge nos Sub-21, papel que desempenhou naquela tarde “muito fria” na Arena Khimki.

A maior série invencível em jogos oficiais de uma equipa do futebol português iniciou-se cerca de um mês depois do desaire na Rússia, a 10 de novembro de 2011, com uma goleada por 5-0 frente à Moldávia. Desde então, os sub-21 portugueses disputaram 31 encontros, tendo vencido 24 e empatado somente sete. Derrotas nem vê-las. Só surgiu ao 32.º encontro, acabando por ser decisiva para a eliminação da equipa das quinas do Europeu da categoria, que se disputa na Polónia. Para o defesa, de 27 anos, a única diferença entre uma e outra derrota encontra-se no facto de atualmente os jogadores portugueses estarem a jogar em equipas de “nível superior”.

“Acho que o que faz a diferença entre o meu tempo e agora é o facto de estes jogadores estarem a jogar ao mais alto nível, como o Renato Sanches, por exemplo. São jogadores que estão nos melhores clubes da Europa. Quando passas um ano a jogar ao mais alto nível, a qualidade aumenta”, defende o jogador dos dinamarqueses do Odense BK, frisando de seguida que, mesmo com essa diferença de nível, as parecenças continuam a existir: “daquilo que vi dos jogos, o mister [Rui Jorge] quer que a equipa jogue da mesma maneira que nos pedia na altura, tanto em termos de mentalidade como a nível tático”.

David Simão, médio que foi lançado no segundo tempo desse jogo, tem precisamente a mesma opinião do antigo colega de seleção. “O treinador é exatamente o mesmo, logo nota-se a mesma filosofia, maneira de estar, tática… era o mesmo que nos pedia, mas, agora com outros executantes”, aponta o jogador do CSKA Sófia, antes de sublinhar as diferenças existentes no panorama do futebol nacional: “na altura tínhamos menos oportunidades nos clubes, não havia equipas b e muitos estavam na Segunda Liga. Agora, nenhum joga na Segunda Liga e alguns já foram vendidos por muitos milhões de euros”.

O que pedia o selecionador nacional à equipa? A avaliar pela capacidade goleadora dos Sub-21 - em 31 jogos desta série a equipa marcou 83 golos e sofreu apenas 19 -, pode parecer paradoxal que a maior preocupação de Rui Jorge residisse no processo defensivo. “Era muito rigoroso a trabalhar as linhas defensivas, tinham de estar muito certinhas. Fazíamos sempre uma defesa em linha, ou duas linhas no máximo, e continua a ser muito rigoroso nisso”, relembra João Pereira ao Bancada. Segundo revela o jogador ribatejano, Rui Jorge inovou num pedido feito aos jogadores. “Foi o primeiro treinador que nos disse que tínhamos de ter orgulho em defender. Pediu para quando defendêssemos bem ter tanto orgulho como quando um avançado marca um golo”, lembra João Pereira.

Tramados por craques em ascensão

Se na Polónia a equipa portuguesa apenas foi travada por uma seleção espanhola recheada de valores emergentes do futebol do país vizinho, o mesmo se passou naquela tarde “muito fria”, como recorda João Pereira, em Khimki, na Rússia. “A Rússia tinha uma boa equipa, tinha o Kokorin e o Smolov, que jogou agora contra Portugal. Via-se que era uma seleção com muita qualidade”, descreve-nos. Curiosamente foram esses dois avançados a marcar os dois golos russos, aos 51’ e 54 minutos, respetivamente, já depois de Wilson Eduardo ter adiantado a equipa portuguesa, aos 30’. “Foi mais um jogo em que tivemos o controlo, como todos os jogos em que fiz com o Rui Jorge. Mas sofremos dois golos a partir de erros individuais defensivos. Não foi culpa do sistema de jogo”, garante.

Curiosamente, ou não, David Simão também diz que o “muito frio” que se fazia sentir é a primeira coisa que lhe salta à memória desse jogo, salientando igualmente a qualidade demonstrada por Kokorin e ainda o facto de se ter lesionado no decorrer da segunda parte. Em relação à derrota mais recente, o médio formado no Benfica é contundente em afirmar que só aconteceu porque foi contra uma equipa que tem a “certeza” que “vai ganhar o Europeu”.

Nesse dia, para além do central João Pereira, que na altura estava a jogar no Trofense, Portugal alinhou ainda com Mika, Cédric, Pedro Mendes, Mário Rui, André Almeida, Josué, Saná, André Martins, Wilson Eduardo e Nélson Oliveira. Entraram ainda David Simão, Diogo Viana e Rui Fonte. Diferenças para agora? Como o defesa formado no Benfica já havia frisado, o nível a que os jogadores jogam salta à vista. Dez dos referidos jogadores (71,4 por cento) atuavam em Portugal – o Benfica, com quatro, era o único clube com mais que um jogador -, mas só André Martins jogava num nível superior, pois já era titular do Sporting. Os outros quatro (28,6) atuavam fora do país, mas apenas Rui Fonte (Espanyol) o fazia na alta roda do futebol europeu.

Clubes dos jogadores utilizados frente à Rússia:

Benfica – Mika, André Almeida, Nélson Oliveira e David Simão

Académica – Cédric

Real Madrid B - Pedro Mendes

Trofense – João Pereira

Gubbio 1910 – Mário Rui

Paços de Ferreira - Josué

Real Valladolid - Saná

Sporting – André Martins

Olhanense – Wilson Eduardo

FC Penafiel - Diogo Viana

Espanyol – Rui Fonte

Na altura nenhum destes jogadores era ainda internacional pela equipa principal. Um cenário bem diferente do atual, onde Ricardo Horta, com uma, Gonçalo Guedes, com duas, Cancelo, com cinco, e Renato, com 13, totalizam 21 internacionalizações. Dos jogadores utilizados na Rússia, apenas André Almeida, Josué, André Martins, Nélson Oliveira e Cédric chegaram a internacionais A, com o último a ser o único a ainda ser presença frequente nos eleitos.

Já frente à Espanha, a equipa portuguesa utilizou sete jogadores que atuam em Portugal e sete que jogam no estrangeiro. Todos de clubes diferentes. E se, atualmente, a equipa das quinas já tem os casos de Rúben Neves, Podence e Rúben Semedo que jogaram ao mais alto nível nos grandes, ainda há os casos de Renato Sanches, Gonçalo Guedes, João Cancelo, Bruma e Bruno Fernandes a atuarem em algumas das maiores equipas da Europa e nos principais campeonatos.

Clubes dos jogadores utilizados frente à Espanha:

Vitória de Setúbal - Bruno Varela

Valência – Cancelo

Belenenses - Edgar Ié

Villarreal – Rúben Semedo

Real Sociedad - Kévin Rodrigues

FC Porto – Rúben Neves

Sporting – Podence

Sampdoria – Bruno Fernandes

Benfica – João Carvalho

Bayern Munique - Renato Sanches

PSG – Gonçalo Guedes

Leipzig – Bruma

Rio Ave – Gonçalo Paciência

SC Braga – Ricardo Horta

Ganhar pelo máximo possível

Após o desaire na Rússia, Rui Jorge não fez muitas alterações na equipa. No jogo seguinte, em que Portugal goleou a Macedónia, entraram para o onze Diogo Amado, Rúben Ferreira e Rui Fonte, saindo Mário Rui, Wilson Eduardo e André Almeida. Já desta vez, saíram da equipa Rúben Semedo (castigo), Kévin Rodrigues, Bruno Fernandes, João Carvalho e Gonçalo Guedes e entraram Tobias Figueiredo, Pedro Rebocho, Iuri Medeiros, Gonçalo Paciência e Bruma. No entanto, estamos a falar de um contexto diferente, uma vez que Portugal na altura disputava uma qualificação para o Europeu de 2013 e agora estava a competir no próprio Europeu.

Em termos de mentalidade as mudanças também não existiram. O pedido de Rui Jorge era simples: apenas procurar ganhar pelo maior número de golos possível. “Tudo o que ele nos pedia era empenho máximo. Se pudéssemos ganhar só por um golo que ganhássemos. Mas se pudéssemos fazer mais um, dois, três, quatro ou cinco golos, que os fizéssemos. Era isso que ele queria sempre”, revela João Pereira. Foi essa atitude que levou os sub-21 portugueses a ficar tantos jogos mas, acima de tudo, tanto tempo sem perder em jogos oficiais – a derrota frente à Suécia na final do Euro’2015 não entra nas contas, uma vez que o jogo só foi decidido nos penáltis, contando como empate. Em 2013 e 2014, por exemplo, o registo foi de dez vitórias em outros tantos jogos…

“Pela maneira como trabalhávamos, sabíamos que estava ali alguém especial. Era alguém que tinha estado dentro do campo como jogador e que sabia exatamente aquilo que queria. Contudo, nunca imaginei que seria possível conseguir uma séria tão grande. Acho que nem ele acreditava nisso”, brinca o defesa, antes de deixar um elogio final ao antigo timoneiro: “Vai ser o treinador do futuro, sobretudo pela maneira como trabalha. Desde cedo que se via que é um treinador diferente”.

Por sua vez, Simão acredita que Rui Jorge é o homem certo no lugar certo. “É mesmo muito bom treinador, fantástico. É bastante exigente, mas muito amigo. Faz com que os jogadores tenham prazer no treino, o que não é fácil. Exige e critica, mas também apoia. Sabe criar um bom ambiente e, ao mesmo tempo, faz com que todos estejam nos limites máximos, daí tirar estes dividendos. Espero que continue por alguns anos. É o treinador perfeito para o lugar em que está”, assevera o médio, de 27 anos, ao Bancada.

João Pereira e David Simão foram apenas dois dos 90 jogadores utilizados nesta série de 31 encontros onde os jovens portugueses não conheceram o sabor da derrota. Quase seis anos. Terminou tudo na terça-feira passada. No entanto, quem sabe se o triunfo desta sexta-feira frente à Macedónia, por 4-2, não é já o início de uma nova caminhada triunfal do técnico que revolucionou a seleção de Sub-21.

Jogadores que participaram nesta série (90):

Mika, Cédric, João Pereira, Pedro Mendes, Rúben Ferreira, Diogo Amado, Josué, Saná, André Martins, Rui Fonte, Nélson Oliveira, Diogo Viana, Salvador Agra, Abel Camará, André Almeida, Wilson Eduardo, Ludovic Ribeiro, Pelé, Anthony Lopes, Diogo Rosado, Danilo Pereira, David Simão, Ivo Pinto, Tijane Reis, Fredy, Nuno Reis, José Sá, Ricardo Esgaio, Ricardo Pereira, Tiago Illori, Paulo Oliveira, Luís Martins, André Gomes, Sérgio Oliveira, Luís Gustavo, Ivan Cavaleiro, Rafa, Tozé, Bernardo Silva, Betinho, William Carvalho, João Mário, Bruma, Tiago Silva, João Amorim, Josué Sá, Raphaël Guerreiro, Rúben Vezo, Gonçalo Paciência, Carlos Mané, Rony Lopes, Bruno Varela, Miguel Rodrigues, Hélder Costa, Edgar Ié, Rúben Neves, Iuri Medeiros, Tomané, Ricardo Horta, Tobias Figueiredo, João Cancelo, Mauro Riquicho, Bruno Fernandes, André Silva, Rafa Soares, Raphael Guzo, Gonçalo Guedes, Gelson Martins, Francisco Ramos, Nuno Santos, Tomás Podstawski, Diogo Jota, Rúben Semedo, Leandro Silva, Joel Pereira, Fernando Fonseca, Yuri Ribeiro, André Horta, João Carvalho, Miguel Silva, Francisco Geraldes, Podence, Simão Azevedo, João Teixeira, André Moreira, Pedro Rebocho, Pedro Empis, Pedro Rodrigues, Kévin Rodrigues e Renato Sanches.