Portugal
Rui Vitória, o FC Porto e "os empates que não são vitórias mas que sabem a tal"
2017-12-02 17:00:00
Rui Vitória continua sem saber o que é vencer o FC Porto mas quem já trabalhou com o técnico acredita em estratégia.

Dezoito jogos, sete empates, onze derrotas. Rui Vitória continua sem conseguir vencer o FC Porto na carreira e, ao serviço do Benfica, em particular, o encontro de ontem definiu-se como o terceiro empate em cinco jogos de Rui Vitória como treinador do Benfica perante o emblema portista. “Não tinha ideia desse registo, agora é que me apanhaste de surpresa”, diz-nos Carlos Saleiro com quem Rui Vitória trabalhou, no CD Fátima, em 2007/08, temporada na qual o atual treinador do Benfica eliminou, nas grandes penalidades, o FC Porto da Taça da Liga. Para quem trabalhou com Rui Vitória o registo do técnico encarnado perante o FC Porto é uma surpresa mas, dizem-nos, em nada está relacionado com qualquer bloqueio mental ou psicológico de Rui Vitória perante o FC Porto. Está, sim, relacionado com os objetivos de longo prazo do técnico benfiquista. “Rui Vitória é um grande condutor de homens. A ideia com a qual fiquei do ano que trabalhei com ele é a de um treinador que tem o plantel 99% com ele e totalmente motivado durante toda a temporada”, assegurou ao Bancada Carlos Saleiro. Quem já trabalhou com Rui Vitória acredita mesmo que os empates registados recentemente fazem parte da própria estratégia de época do atual técnico do Benfica.

Ao comando do Benfica, Rui Vitória defrontou ontem o FC Porto pela quinta vez e, em mais uma ocasião, não conseguiu derrotar o emblema azul e branco. Para Carlos Saleiro o registo é curioso, mas não problemático ou sintomático de um qualquer bloqueio mental/psicológico do técnico benfiquista perante o rival. Tal como também entende Filipe Falardo, são resultados que, acima de tudo, não comprometem o objetivo final. “Mais importante que vencer o FC Porto ou os clássicos, é vencer títulos e nisso o Rui não tem falhado”, vincou Saleiro. “O grande objetivo do Rui Vitoria assim que chegou ao Benfica é o de ser campeão nacional e não vencer os jogos contra os grandes a todo o custo. Provavelmente ele até teria já ganho um ou outro clássico se arriscasse mais nesses jogos, mas o que é certo é que ele prefere não arriscar vencer porque sabe também que se arriscaria a perder e comprometer o objetivo final”, diz-nos ainda Filipe Falardo, também um dos atletas do CD Fátima que estiveram presentes na histórica vitória do conjunto então orientado por Rui Vitória. “Se por acaso o Benfica perdesse um desses jogos arriscava-se a que a equipa desmotivasse para os jogos seguintes e era ainda pior. Assim Rui Vitória consegue manter tudo igual. São empates que sabem quase a vitória”, avalia Carlos Saleiro.

Se o Benfica chegou ao Estádio do Dragão com três pontos de desvantagem sobre o FC Porto, o empate a zero de ontem permitiu, ainda assim, que o conjunto encarnado não perdesse terreno na luta pelo título. Rui Vitória continua sem conseguir vencer o FC Porto enquanto treinador, mas, para quem já trabalhou com o técnico ribatejano, o registo é relativo e pouco importante numa ótica a longo prazo. Principalmente, se tal como em anos anteriores, o Benfica acabar por se sagrar campeão nacional. Acima de tudo, com resultados como o de ontem, Rui Vitória assegura que a equipa não desmoraliza nas jornadas seguintes e comprometa ainda mais a luta pelo título. “Rui Vitoria é, acima de tudo, um grande líder de homens e com uma vertente humana muito particular. Coloca sempre o objetivo do grupo em primeiro lugar em detrimento dos objetivos particulares de cada jogador. Apesar de alguns jogadores não saberem lidar com isso, é dessa maneira que ele ganha o grupo e o transforma com o passar do tempo numa verdadeira família. Não existe nenhum bloqueio mental/psicológico por parte do Rui Vitoria nos jogos contra o FC Porto, mas sim uma continuidade no foco principal que é o de ser campeão nacional na última jornada e não em dezembro”, avalia Filipe Falardo.

Se a ideia geral do público do futebol é a de que Rui Vitória não é necessariamente um treinador com uma capacidade motivacional acima da média, quem trabalhou com o técnico ribatejano discorda veementemente dessa avaliação. Marco Airosa, por exemplo, hoje ao serviço do AEL Limassol e um dos jogadores utilizados por Rui Vitória na histórica vitória do CD Fátima sobre o FC Porto nas grandes penalidades da 3ª eliminatória da Taça da Liga 2007/08, defende mesmo que foi essa capacidade motivacional que permitiu que o emblema de Fátima conseguisse alcançar o feito que alcançou. “O grande segredo foi o facto de ele passar para nós que apesar da desigualdade entre os clubes, nós também tínhamos o nosso valor. Passou-nos uma grande confiança. Pelo menos eu senti-me como se fosse um jogador com a mesma qualidade dos jogadores do FC Porto. Eu acho que esse é um dos segredos do Rui. Ele consegue extrair de nós jogadores a confiança necessária para chegarmos dentro de campo e ombrearmos com uma equipa mais forte”. Nada a ver, então, com a ideia geral de que Rui Vitória não é um grande motivador? “O quê? Não. Nada a ver. O Rui Vitória é top. Nada disso”. Filipe Falardo também nos recordou os momentos que precederam a vitória do Fátima perante o FC Porto na Taça da Liga, aludindo, também ele, à capacidade motivacional do atual treinador do Benfica: ”Na altura do Fátima, a semana que antecedeu o jogo foi obviamente diferente de todas as outras. Estávamos a fazer um bom campeonato na 2ª Liga e os índices de motivação e confiança eram muito altos. Sabíamos que o Porto era mais forte do que nós, mas que se defendêssemos bem haveria, com certeza, uma ou outra oportunidade que poderíamos aproveitar (essa oportunidade acabou por serem os penaltis). O Rui Vitoria levou-nos a acreditar que podíamos vencer porque sempre foi muito convicto nas suas ideias. Naquele jogo nós não tínhamos nada a perder porque o Porto tinha a pressão toda de eliminar uma equipa de um escalão abaixo. Conseguimos aguentar o ímpeto ofensivo e foi a organização e espírito de grupo que o Rui Vitoria nos incutiu que nos permitiu chegar aos penaltis... e vencer!”

“O Rui Vitória é muito amigo dos seus jogadores e dá-te uma liberdade muito grande para fazeres em campo, não só as ideias que ele quer, mas tu próprio poderes recriar-te. Há treinadores que têm uma liderança muito mais severa, mas o Rui Vitória não”. Também o lateral angolano, que em Portugal passou por clubes com o Alverca, o Barreirense, o Olhanense, o Nacional ou o CD Aves além, pois claro, do Fátima, defende que o resultado de ontem, apesar de manter o registo não vitorioso de Rui Vitória perante o FC Porto, permite ao treinador português não comprometer a temporada do Benfica a médio e longo prazo. “O Rui é inteligente. Se formos a ver, estamos no meio do campeonato, se ontem o Benfica perdesse… seis pontos são seis pontos. A verdade é que ele conseguiu dar uma grande resposta aos críticos. O FC Porto supostamente estava numa fase melhor que a do Benfica e o Benfica assim continua na luta, ainda para mais, só com campeonato e sem competições europeias”, avalia Marco Airosa. O lateral, no Chipre desde 2011, não dissocia o historial recente do FC Porto e a ausência de títulos do emblema azul e branco das dificuldades sentidas pelo Benfica nos confrontos entre ambos os clubes. Afinal, “é uma rivalidade muito forte”.

Pedro Moreira entrou aos 83 minutos no encontro entre Fátima e FC Porto e também o avançado cabo-verdiano defende que, mais do que vencer um rival, empatar o FC Porto faz parte do trabalho metódico do técnico do Benfica. “Rui Vitória é um autêntico condutor de homens. É um treinador muito metódico. Tem as suas ideias e ninguém lhe as tira. Lembro-me de uma história em que ele dizia que um dia iria a uma final da Taça de Portugal. E ele foi a uma final da Taça de Portugal e venceu-a. É muito metódico. Sabe bem aquilo que quer. É como ele diz, uma época é uma caminhada. Ultrapassa-se degrau a degrau. Tudo bem que quer ganhar todos os jogos e é com esse intuito que vai a jogo, mas importante, também, é não perder. Não perder e no final fazem-se as contas. Repara, toda a gente dava o Benfica como morto, e continua na luta pelo título outra vez. Este jogo com o Porto, importante era não perder”, defende o antigo homem do Fátima, com passagens ainda por clubes como o Estoril-Praia, a Naval, o Atlético CP, a UD Oliveirense ou a União de Leiria. “O empate não é uma vitória, mas é como se fosse uma vitória. Animicamente os jogadores vão sentir-se mais motivados. Depois do que se passou na Liga dos Campeões toda a gente duvidou desta equipa e do treinador e agora está numa fase que acredito que irá engrenar”. “Mesmo quando começa o campeonato com cinco ou seis vitórias, o Rui Vitória alerta sempre para que os pés estejam bem assentes na terra. O campeonato é muito longo, todas as equipas têm quebras, é normal no futebol as equipas terem quebras, e no final fazem-se as contas. Não há campeões de inverno ou campeões disto e daquilo. Nada do que está a fazer no Benfica é em vão”.

O Benfica saiu do Dragão com a distância pontual com que chegou ao reduto do FC Porto e ainda que Rui Vitória, em particular, continue sem vencer o rival da cidade invicta, quem trabalhou com o técnico em Fátima, clube que eliminou surpreendentemente o FC Porto da Taça da Liga em 2007, entende que até os empates fazem parte da estratégia do técnico ribatejano. Mesmo que no futebol o objetivo seja vencer, por vezes, é mais importante não perder. Algo que, desde 2016, para a liga portuguesa, o Benfica não conhece perante o rival FC Porto. Se Rui Vitória perdeu os dois primeiros clássicos que disputou ao serviço do Benfica, tanto na temporada passada, como na atual, o Benfica saiu da Luz e do Dragão com empates perante o FC Porto. São agora cinco jogos consecutivos sem vencer o FC Porto, porém, sem que isso significasse falhar o título nacional no final das temporadas anteriores.