Portugal
Portugal quis jogar basquetebol e Fernando inventou ouro
2018-09-10 22:15:00
Há quem diga que William é lento, pachorrento e pouco intenso, mas Fernando Santos pode ter descoberto uma mina.

Foi com alguns fundamentos de basquetebol que Portugal mudou, sobremaneira, o modelo de jogo habitual – e já para não falar do próprio sistema – e, com isso, dominou e venceu uma Itália assim um bocado para o fraquita. Foi 1-0, na Luz, mas poderiam ter sido dois, três ou até quatro. E Fernando Santos descobriu ouro em William. Já lá vamos.

Sem Ronaldo, Portugal trouxe um 4x3x3 com Neves (não deve nada a Moutinho ou Adrien) a 6, William e Pizzi como interiores e Bernardo e Bruma nas alas. Isto permitiu à equipa ter os jogadores mais próximo e fazer uma circulação à basquetebol, com passes rápidos, curtos e com movimentações permanentes. No basquetebol, o “base” é o dono do jogo: pega na bola e decide quando, onde e como será a jogada. Bernardo foi um autêntico base, com uma exibição tremenda e com o habitual critério e técnica na definição e criação.

Mas há mais: André Silva esteve muito bem a fazer trabalho de “poste” – no basquetebol, o jogador mais incumbido de ganhar bolas no ar –, mas menos bem no “pick and roll” – o equivalente futebolístico do receber em apoio, devolver e pedir mais à frente. E foi este o problema de Portugal, na primeira parte. Havia criação, mas, na “zona do agrião”, pouca presença de André Silva, sempre escondido atrás dos centrais e pouco disponível para receber e dar soluções.

Ainda assim, Portugal somou oportunidades de golo suficientes para ir para o intervalo a ganhar. Foi Bruma, foi Bernardo, foi William, foi André. Só não houve golo – nisto, sim, nota-se que Ronaldo faz diferença.

Por fim, outra ideia basquetebolística que trouxe um Portugal diferente: no basquetebol, quando há um jogador forte em jogadas de um contra um, as equipas tentam chamar o adversário para um lado do campo e, com isso, fazer os famosos isolamentos para permitir penetrações para o cesto em um contra um. Bruma foi o homem a isolar. Foi visível a forma como os jogadores portugueses se afastavam – viu-se bem isso em André Silva, que abdicou de apoios frontais, e em Mário Rui, que evitava subir e levar "companhia" –, para arrastarem italianos com eles e deixarem Bruma no um contra um. E o rapaz, por vezes exagerando, fez várias penetrações perigosas. E esta foi outra das diferenças para o Portugal antigo: ter um jogador explosivo no um contra um é diferente de ter um João Mário no corredor. João Mário, nesta equipa, só no lugar de Pizzi. Aí, talvez.

E ter Cancelo – vamos não falar de que este rapaz viu o Mundial em casa – é diferente de ter Cédric. Cancelo é mais criativo, cruza melhor, consegue conduzir e, defensivamente, evoluiu ao ponto de, sobretudo a defender zonas interiores, já não se notar diferenças para Cédric. Toda a equipa ganha com Cancelo.

Ouro. Ouro. Ouro.

Há quem diga que William é lento, pachorrento e pouco intenso, mas, sobretudo na segunda parte, Fernando Santos pode ter descoberto uma autêntica mina de ouro em William, usando a entrada de Neves na equipa (só assim é possível adiantar William). Ao contrário do que poderia ser expectável, William tem mostrado características muito interessantes para jogar como médio interior num 4x3x3 (e não como segundo médio num 4x4x2, porque, aí, precisará de uma rotação e agressividade muito maiores na recuperação). Mas, neste sistema, William consegue mostrar o tremendo primeiro toque que tem – consegue tirar jogadores do caminho só com a receção – e, quando o adversário não “morde” logo, arrancar em potência e queimar metros com bola. Isto pode ser uma bela ideia para o futuro de William e, por extensão, da seleção. O jogador pareceu muito entusiasmado com esta ideia, estando sempre muito disponível para pressionar médio-alto e abafar a saída de bola adversária. Bela ideia.

E foi esta pressão – feita com Pizzi e André Silva – que permitiu a Portugal recuperar bolas mais à frente, na segunda parte. Na primeira delas, aos 48 minutos, deu golo. Recuperação, correria de Bruma e assistência para André Silva finalizar.

Aqui, a Itália cometeu o maior pecado que alguém pode cometer contra uma equipa que está a circular tão curto e tão rápido: individualizar a pressão. Claro que, quando os italianos chegavam à zona da bola, já ela tinha saído no segundo anterior. Ter referências individuais, sim, fazer o “abafar” do portador da bola sem ter noção do espaço e da pressão coletiva, não. Portugal ainda recuperou mais um par de bolas em zonas perigosas, mas, tal como na primeira parte, falhou a finalização.

Até ao final, Portugal acabou por baixar as linhas e ainda se “pôs a jeito” da já conhecida receita dos italianos, mas lá levou o 1-0 até ao apito final de William Collum, árbitro com um critério muito largo - e que bom foi ver este tipo de arbitragem.

Quando Ronaldo voltar, Fernando Santos terá um problema: 1- encostar Ronaldo à faixa, tirando Bruma (Ronaldo não é tão forte no 1 contra 1). 2- voltar ao 4x4x2, tirando Neves (agora, que isto está a correr bem assim?). 3- Colocar Ronaldo a 9, tirando André (Ronaldo de costas para a baliza e entre os centrais é menos jogador). Difícil.