Portugal
"Os clubes não estão estruturados para rentabilizar jogadores da formação"
2020-04-21 23:30:00
Ivo Vieira critica a facilidade com que os treinadores são 'descartados' desde os escalões mais jovens

Ivo Vieira, treinador que vai deixar o Vitória de Guimarães no final desta época, criticou os dirigentes por não permitirem que os técnicos tenham tempo para apresentar resultados.

Em declarações à 'Quarentena da Bola', Ivo Vieira lembrou que esta instabilidade dos treinadores é extensível a todos os escalões, pelo que o propalado discurso dos clubes da aposta na formação não é verdade.

"Qual é o clube, em Portugal, tirando dois ou três, que está estruturado a poder rentabilizar jogadores da formação? Deixem-se de enganar as pessoas. Se aparecer um miúdo de 18 ou 19 anos com qualidade individual é puxado automaticamente para a formação principal, não é um trabalho de formação, é pela qualidade individual", argumentou.

Elogiando a "linha orientadora" do Benfica na formação, o técnico sustentou que os dirigentes utilizam os treinadores como bodes expiratórios para disfarçar a incapacidade financeira dos clubes.

"Qual é o treinador em Portugal que tem autonomia para apontar o dedo a um jogador que quer contratar? Que venha à praça pública dizer que quer o jogador X? Os clubes portugueses não têm capacidade para isso, é a realidade do futebol português. Não vale a pena escondermo-nos atrás da verdade", insistiu.

Se é verdade que se trabalha "muito bem na formação", também o é que já aí os treinadores são os primeiros a 'pagar' quando os resultados demoram a aparecer.

"Detesto quando se anda a dar voltas para justificar o que é injustificável. Trabalha-se muito bem na formação, é verdade, mas quando não ganho três ou quatro jogos nos sub-15 põem o meu trabalho em causa, escolhem outro para o meu lugar. Quando se trabalha assim na formação... Qual é o treinador dos juvenis, numa equipa com objetivos, que não vai embora se perder cinco ou seis jogos? Só não acontece nos três grandes", reforçou.

Ivo Vieira reiterou que os clubes portugueses "não estão estruturados para deixar os treinadores fazerem um trabalho consistente", pois "as pessoas só pensam em ganhar".

A nível pessoal, o treinador explicou a postura ofensiva que impõe nas equipas que orienta, apontando o exemplo da “mentalidade” do Moreirense, clube com um passado de... 'queimar' treinadores.

"Nas duas épocas antes de eu lá estar teve seis treinadores. A equipa não era muito diferente, o plantel que ganhou a Taça da Liga era fantástico. Era a mentalidade”, argumentou.

Cenário semelhante já tinha ocorrido quando orientou a Académica, um clube que “andou dez anos a jogar para não perder”.

“Quando cheguei, os jogadores disseram-me que a ideia era fantástica, mas que não iam conseguir. Tinha um central que andava a passo”, lembrou, realçando a importância de “criar esses hábitos”.

“Isto tem a ver com aquilo que o treinador quer incutir nos jogadores. O pior que podes fazer é treinar uma ideia e no dia do jogo passar a mensagem contrária. Já perdi por seis, por três, por dois, nunca desisti da minha ideia”, insistiu.
Uma característica que Ivo Vieira já demonstrava como jogador.

“Não admitia que um colega andasse a passo dentro do campo”, revelou, contando que José Peseiro, no Nacional, chegou a pedir-lhe para se concentrar mais no desenvolvimento individual do que em “ralhar com os colegas”.

“Os jogadores são remunerados para trabalhar e dar o litro. Não faço comparações, cada um ganha o que ganha, mas tem que haver rigor”, justificou.

“Se o jogador não acreditar na liderança que tem não vale a pena. Se olhar com desconfiança para a ideia do treinador não vai dar, tem que acreditar. O treinador tem que fazer os jogadores acreditarem”, concluiu.