Portugal
Onde houve fumo, houve fogo. Onde houve fogo, não há Taça
2018-10-13 16:00:00
O Sertanense-Benfica tinha tudo para ser uma festa de regeneração, pelo menos emocional, das gentes da Sertã.

Fogo. Terror. Desespero. Destruição.
Futebol. Taça. Festa. Tréguas.

Depois da tragédia dos incêndios de 2017, na zona centro do país, o Sertanense-Benfica, da Taça de Portugal, tinha tudo para ser uma festa de regeneração – pelo menos emocional – das gentes da Sertã. Nada disso. O jogo vai ser jogado no gigante Estádio Municipal Cidade de Coimbra, a cerca de uma hora da Sertã, e ambas as equipas vão, assim, jogar fora de casa.

E podemos começar mesmo por aqui. O Sertanense não gostou da decisão. As gentes da Sertã muito menos. Até nós, simples jornalistas, ficámos desiludidos com esta decisão. Afinal, é nas terras tradicionais, nos estádios castiços e nas gentes humildes que se faz boa Taça. Em Coimbra, naquele gigante Estádio Municipal, não haverá boa Taça. Haverá Taça. Só.

"Era um acontecimento perfeito. Não se falava noutra coisa. Falava-se apenas em preparar a grande festa que duraria uma semana, com um dia épico de jogo. O povo da Sertã merecia esta festa", diz, ao Bancada, Luís Carvalho, líder da "Peste Negra, claque do Sertanense.

Paulo Farinha, presidente do clube, fala-nos de frustração. "Sinto-me frustrado, é claro. Toda a vida joguei no meu estádio. Mais: frente ao Benfica, faço o jogo 500 no banco. Se fosse aqui, seria grandioso. Mas compreendo as razões pelas quais não jogaremos aqui e não quero passar a imagem de que foi o Benfica ou o Sertanense a ter a culpa". 

O dirigente deixa ainda uma garantia: "Vou fazer todos os possíveis para que o Benfica venha à Sertã quando o relvado estiver cinco estrelas. Vamos fazer tudo para que o Benfica cá venha, nem que seja num amigável".

O motivo da mudança do local do jogo é a suposta falta de qualidade do relvado do Estádio Municipal Marques dos Santos. A pensar no Benfica, o clube até adiou o jogo com o Sintrense, do Campeonato de Portugal, para dar alguns dias de descanso ao relvado, mas o líder do Sertanense não quis colocar a foice em seara alheia. "Eu não posso dizer se o relvado está em condições ou não, porque não sou técnico de relva. Não posso opinar. Não sei se pode provocar lesões em jogadores ou não". 

O líder da "Peste Negra" assume a desilusão. "É uma grande desilusão para todos os sertaginenses e, especialmente, para nós que esperávamos há muito por este momento para poder fazer a festa no nosso estádio. Assim vai ser apenas um jogo. O Sertanense já é um clube tão pequeno quando comparado com os grandes e ainda fazem isto. A nossa vantagem era, realmente, ter o fator casa e de muitos adeptos a apoiar. É esse o espírito da Taça: levar o grande à casa do pequeno, custe o que custar. Em Coimbra, não vai acontecer nada disso, nem tantos adeptos do Sertanense, nem espírito algum de Taça".

A "Peste Negra" garante, ainda, que vai protestar. "Vamos levar algumas mensagens de revolta com a Federação e o monopólio dos grandes. Os jogadores não têm culpa e serão a única razão de estarmos presentes".

Um clube sem megalomanias

Queremos saber que clube é este, o da Sertã. “O Sertanense é um cube de sonho: jogadores miúdos que passam cá e chegam aos profissionais. Estamos sempre a catapultar jogadores para as ligas profissionais. Somos um dos primeiros nesse ranking, certamente", define Paulo Farinha.

Preparámos, ainda, um pequeno quiz de resposta rápida. Primeiro, para o presidente. Depois, para a claque.

Melhor momento como presidente do Sertanense: “Vou dizer dois. Subir da terceira para a segunda foi muito bom. E agora, ver que nos calhou o Benfica, mexeu comigo. Quando vi que calhou o Benfica, os meus olhos brilharam. Já tinha dito em off que o meu sonho era jogar com o Benfica".
Pior momento: “foi ontem, quando recebi o e-mail da FPF a dizer que não havia condições. Só não chorei, entre aspas, por vergonha. Fiquei muito triste"
Grande sonho: “Adoraria ainda ser presidente nos 100 anos do clube. É um sonho, mas não vou fazer muito por isso".

Para a claque, as mesmas questões.

Melhor momento como adepto do Sertanense: “A subida de divisão e as duas receções ao FC Porto, há 10 anos, foram marcantes. Os jogos com o vizinho Vitória de Sernache, em especial este último a contar para a Taça, também são especiais, por motivos óbvios. E a receção ao CD Tondela na nossa casa, também na Taça".
Pior momento: “Um dos piores momentos é o que estamos a viver agora”.
Grande sonho: “Qualquer adepto tem o sonho de, um dia, poder ver a sua equipa no Jamor, vencer a Taça e jogar nas ligas profissionais. E, claro, voltar a poder receber um clube grande no nosso estádio”.

O clube não é rico nem poderoso à escala nacional, mas, como nos dizem, é um local de trabalho bem feito. Estão nos campeonatos nacionais há muitas temporadas consecutivas. Nunca sobem aos profissionais, mas nunca descem aos distritais. Estáveis e confortáveis. Paulo Farinha explica-nos quais são as grandes dificuldades vividas pelo Sertanense.

“Para além da interioridade, é o próprio Campeonato de Portugal. Já levamos muitos anos seguidos sem subir e sem descer e conseguir este feito tem de ser com algum saber. O Campeonato de Portugal não é fácil. Todos os anos os campeões distritais voltam para lá. Nós temos a capacidade de ficar por cá".

O objetivo não é, ao contrário do que possa pensar-se, subir à Segunda Liga. "Subir aos profissionais, não. Não sou demagogo. Neste momento, o Sertanense não tem capacidade para subir a uma Segunda Liga. Sei que não temos capacidade para nos aguentarmos. É preferível estarmos bem estruturados no CP. Ir para depois vir, não".

Nesta temporada, a equipa ocupa o oitavo lugar da Série C, a seis pontos dos lugares de acesso ao playoff de subida. A equipa começou um pouco tremida, com vários empates, mas, agora, soma três vitórias nos últimos três jogos. Altura perfeita para receber o "papão" Benfica.

Vocês, outra vez?

Para terminar, um pouco de história. Há uns anitos, o Sertanense esteve na berlinda. Apanhou o FC Porto na Taça de Portugal não uma, não duas, mas três (!!!) temporadas consecutivas. Entre 2007 e 2010 os sorteios ditaram duas viagens portistas à Sertã e uma viagem dos albicastrenses à invicta.

Como se não bastasse a coincidência de três anos consecutivos de Sertanense-FC Porto, há ainda outra bastante interessante: todos acabaram com 4-0 a favor dos dragões.

Antes de um destes duelos, Eduardo Húngaro, na altura a treinar o Sertanense, disse que “isto aqui vai virar um caldeirão”, referindo-se ao ambiente com que o FC Porto seria recebido no Estádio Municipal Marques dos Santos.

Desta vez, será difícil haver caldeirão. O Municipal de Coimbra é grande. Demasiado grande para um humilde Sertanense que só queria fazer a festa na sua massacrada Sertã. Junto dos sertaginenses. Com os sertaginenses. Para os sertaginenses.