Portugal
Oh Benfica, agora já se inclui terror numa história de embalar?
2018-09-23 20:45:00
Vitória mais do que justa, mas o Benfica colocou-se a jeito para ter problemas.

O Benfica venceu o Aves, por 2-0, neste domingo, num jogo fácil de definir: uma história de embalar – definamo-la como um conto bem calminho e feliz –, à qual se juntaram uns apontamentos de terror, lá pelo meio. Foi uma vitória mais do que justa, mas o Benfica colocou-se a jeito para ter problemas.

Mas vamos lá às histórias. Na do terror, João Félix torceu o tornozelo (pareceu complicado), Grimaldo também saiu lesionado e o Benfica poderia ter tido problemas na segunda parte. Na de embalar, os encarnados fizeram regressar Jonas e, mais do que isso, descobriram um jogador, chamado Gabriel (não jogou Gedson), que corrige erros do passado: faz esquecer o último número 8 (era Douglas) e faz esquecer o último Gabriel (o Barbosa). E atenção: este jogador – que remata como gente grande – teve muito dedo na qualidade que o Benfica apresentou hoje. Rui Vitória diz que ele dá robustez ao meio-campo, mas dizer isto é um tremendo eufemismo à qualidade do jogador.

O primeiro ponto-chave para saber jogar futebol é, já diziam Guardiola e Xavi, o passe. Mas vamos acrescentar: é o passe tenso. Um pormenor técnico relacionado com o passe tem uma influência gigante em toda a dinâmica de uma equipa. Caro leitor, apostamos que amanhã, na imprensa, Gabriel não vai ser o jogador com nota mais alta, mas, cá para nós, este jogador trouxe ao Benfica algo que não havia: é inacreditável a qualidade de passe do brasileiro. Do pé esquerdo de Gabriel, as bolas saem tensas – parece um pormenor, mas este ritmo do passe, na circulação, é muito mais importante do que qualquer rotina coletiva –, direcionadas e, geralmente, verticais. E foi isto que permitiu que, hoje, o Benfica resolvesse o jogo. O Aves nunca individualizou a pressão – e muito bem –, apresentando sempre um conjunto disposto a seguir, em bloco, a pressão à zona da bola. O problema é que a circulação rápida do Benfica fez “dançar” o bloco do Aves, num engodo sempre igual: puxar o jogo para um dos corredores e, rapidamente e com passes tensos, chamar Gabriel e Pizzi para virarem o jogo rapidamente. Os jogadores do Aves chegaram constantemente atrasados às marcações e aí, os isolamentos em 1 contra 1 dos craques das alas fizeram a diferença. Passar tenso, passar direcionado, provocar atrasos nas marcações e conseguir isolar os criativos. Simples. E foram oportunidades sucessivas criadas assim.

Ainda sobre Gabriel: ter um jogador desta qualidade ali no meio permitiu ao Benfica reeditar sociedades que Rui Vitória, inexplicavelmente, quis destruir. As triangulações interiores entre Grimaldo, Cervi e Krovinovic (ou Zivkovic) eram das poucas rotinas coletivas trabalhadas e, hoje, pareceram ser recuperadas com um jogador como Gabriel na zona central e com o trabalho de Seferovic, quer em apoio frontal, quer em profundidade, quer em largura (bom jogo do suíço). Já agora: foi extraordinária a forma como Gabriel descobriu Seferovic, aos 67 minutos.

Mas vamos lá deixar as análises e ir ao concreto: depois de algumas oportunidades desperdiçadas - quase sempre criadas pelo tal engodo de isolar os criativos, após passes e triangulações rápidas -, o Benfica lá conseguiu o golo, aos 34 minutos. Marcações atrasadas no Aves e Pizzi, com espaço, isolou João Félix. O jovem finalizou com classe. A mesma classe que mostrou em muitos pormenores durante a primeira parte. É um craque.

Na segunda parte, o Benfica veio mais adormecido. João Félix lesionou-se aos 49 minutos e o Benfica esteve quase cinco minutos a jogar com dez jogadores. Estranhamente, o Aves não aproveitou para subir a linha de pressão e intensificar a tentativa de recuperar bolas em zonas adiantadas e chegar com mais gente a zonas de finalização.

Curiosamente, foi com o Benfica já com 11 jogadores que o Aves começou, sim, a criar perigo. Não necessariamente por recuperar bolas em zonas adiantadas, mas porque começou a ligar melhor as transições, aquando das perdas de bola encarnadas. Foram duas ou três saídas perigosas e, quando o Benfica parecia mais desconfortável, “puff”: veio o golo. Bem Cervi a finalizar o cruzamento de André Almeida, aos 62 minutos. O golo não caiu do céu – dizer isso seria uma injustiça, depois da "carrada" de oportunidades já desperdiçadas pelos encarnados –, mas veio numa altura em que o Benfica pouco fazia por isso. E resolveu o jogo, quase que por magia.

A partir daqui, houve tempo para a tal lesão de Grimaldo – se o espanhol tiver problemas, a primeira fase de construção do Benfica vai ter problemas – e para o regresso de Jonas. Vitória mais do que justa, mas o Benfica colocou-se a jeito para ter problemas, ali no início da segunda parte.

Nota para reflexão: para ter Gabriel na equipa, quem se sentará no banco?