Portugal
"O clube de futebol como estado soberano", refere o New York Times
2020-04-23 16:35:00
Jornal norte-americano aprofunda reportagem sobre as alegadas ligações do Benfica à justiça e ao poder

O sorteio de um juiz adepto do Benfica para o julgamento de Rui Pinto serviu de partida para o jornal norte-americano New York Times (NYT) abordar as alegadas ligações das águias ao sistema judicial, numa reportagem a que deu o título "O clube de futebol como estado soberano".

O jornal, um dos de maior circulação e prestígio nos EUA, salientou a presença regular de altas figuras da justiça e do poder nos jogos em casa do "maior clube de Portugal".

"O Benfica refere com frequência que tem como adeptos mais de metade da população de Portugal e juízes, procuradores, oficiais da polícia e até o primeiro-ministro são convidados habituais", destacou o NYT.

Sendo "o maior dos três clubes mais importantes de Portugal", o Benfica é também, de acordo com a publicação, "um colosso desportivo e mediático cuja influência se estende por praticamente todos os níveis da vida diária no país".

E é a partir dessa suposta "influência" que um "clube de futebol" se comporta "como estado soberano", de acordo com a reportagem.

Com adeptos "em posições de poder" em todos os setores da sociedade, "dos media à banca passando pelo Governo", o Benfica tem "um poder que, segundo os críticos, ultrapassa em muito o campo de futebol, sendo por isso apelidado por alguns de 'polvo'", sustentou o NYT.

Ana Gomes, ativista contra a corrupção e antiga eurodeputada, tem sido a personalidade que mais tem contestado algumas controvérsias envolvendo Luís Filipe Vieira, chegando mesmo a referir "todo um passado de delinquência" ligado ao presidente do Benfica.

"A captura de um Estado é feita através de pessoas em altas posições e é claro que um dos pilares fundamentais é o sistema de justiça. Quando temos juízes capturados, ou que não se importam de serem vistos como capturados, temos um problema", declarou Ana Gomes ao NYT.

O Benfica, solicitado pelo jornal "na segunda-feira" a prestar esclarecimentos, respondeu "na noite de quarta-feira", depois da publicação da reportagem no site do NYT, como vem referido no artigo.

Na mensagem por email, um porta-voz dos campeões nacionais afirmou que o Benfica não cometeu ou sugeriu atos "que não fossem perfeitamente legais".

Nessa resposta (consulte aqui na íntegra), o Benfica acrescentou que as 'teorias' sobre o clube da Luz "são o alimento diário da internet, das redes sociais e, infelizmente, até de jornais confiáveis e reputados".

Neste 'jogo' de ataque e contra-ataque, quem fica "com o maior problema" é Rui Pinto, o hacker que "ao expor os segredos do Benfica fez um inimigo formidável".

Foi, aliás, o sorteio de um juiz adepto do Benfica para presidir ao processo Football Leaks, que tem Rui Pinto como arguido, que despertou a atenção do NYT para o emblema da águia.

Rui Pinto "irritou os adeptos" do Benfica e agora "vai ser julgado por um deles", realçou o jornal.

Para saber "o que acontece quando os adeptos são autorizados a julgar casos que envolvem os interesses do clube" o NYT questionou Francisco Teixeira da Mota, um dos advogados de Rui Pinto.

"É claro que preferíamos alguém que não estivesse ligado ao Benfica", reagiu o advogado, depois de ter dito à imprensa nacional que estava "muito preocupado" com a indicação do juiz Paulo Registo para o processo.

O caso de Rui Pinto é também a principal arma de arremesso da já citada Ana Gomes nas críticas contra a justiça portuguesa.

Assim que foi conhecido o sorteio do juiz Paulo Registo para julgar o caso Football Leaks, a jurista lembrou que o magistrado também faz parte do processo E-Toupeira, cujo principal arguido é o ex-assessor jurídico da SAD encarnada, Paulo Gonçalves.

Paulo Registo já pediu escusa do processo, aguardando resposta do Tribunal da Relação de Lisboa.