A recente entrevista de André Gomes à revista Panenka a admitir não sentir prazer em jogar futebol e ter vergonha em sair de casa por as coisas não lhe estarem a correr bem na equipa do FC Barcelona remete para as dificuldades que alguns jogadores sentem em lidar com a pressão interna e externa, um problema que parece estar a atingir Renato Sanches, João Mário e André Silva, por exemplo, cujo rendimento não atingiu o esperado nas novas equipas. Bancada foi falar com um especialista em Psicologia do Desporto, Jorge Silvério, e o coach Pedro Abranja, para saber o que pensam sobre o assunto.

"Não é muito normal um jogador deste nível, como é o caso de André Gomes, ter este tipo de declaração pública, em que revela os seus problemas mais intímos", começa por destacar Jorge Silvério, que recorda que "já na semana passada, dois jogadores da NBA admitiram que tiveram ataques de pânico e de ansiedade". Para o especialista em psicologia do desporto, "o que André Gomes revelou é o que se passa com muitos jogadores, mas a maioria deles acabam por não falar e os adeptos quando têm as manisfestações de agrado ou desagrado não se apercebem do que realmente se passa".

A recente reação dos adeptos do FC Barcelona que prestaram uma ovação a André Gomes quando o internacional português entrou aos 61 minutos na partida com o Chelsea para a Liga dos Campeões pode, na opinião de Jorge Silvério, funcionar como um ponto de viragem para o internacional português. "A reação do adeptos pode ajudar a inverter a situação", acredita.

Para o coach Pedro Abranja, o caso recente de André Gomes "retrata o que se passa quando um jogador é vencido pela pressão existente em seu redor. Sem ter um conhecimento profundo do caso, é notório que existe um desequilíbrio entre as expectativas geradas pela sua contratação e o seu rendimento. O jogador tem sido vencido sobretudo, pelo que os outros pensam dele, mostrando dificuldade em lidar com as expectativas vindas do exterior", explica Pedro Abranja.

Pedro Abranja refere outros casos de jogadores em que o seu rendimento não atinge o esperado. "João Mário e Renato Sanches, por exemplo, jogadores promissores, já campeões da europa, têm tido dificuldade em explanar todo o potencial que lhes é reconhecido. Causas? Provavelmente, a mesma dificuldade em lidar com a pressão que vem de fora com as expectativas elevadas sobre o seu rendimento", anota. Jorge Silvério lembra as declarações de Gatuso, treinador do AC Milan, a propósito das dificuldades de André Silva em afirmar-se no histórico clube italiano. "Ele falou do peso da camisola do AC Milan..."

"O problema começa quando essas expectativas não são cumpridas, podendo surgir sentimentos de desilusão ou frustração. Lidar com essa sensação de 'derrota' é muito difícil e pode levar os jogadores à depressão", concluiu Pedro Abranja.

Como gerir expetativas

"As expectativas, na maioria dos casos, estão ligadas aos sonhos. Nem sempre são fundamentadas na realidade. Assim, em minha opinião, é mais importante um jogador fazer um diagnóstico de sua realidade para traçar pequenas metas (substituir expectativas por objectivos) potencialmente alcançáveis e um grande objectivo, mais difícil de concretizar mas motivante e com um espaço temporal mais alargado", defende Pedro Abranja.

Jorge Silvério e Pedro Abranja coincidem num aspeto, a de que o futebol é muito mais do que um jogo onde só impera a técnica, a estratégia ou o físico. "A parte psicológica é uma ferramenta que hoje os clubes ao mais alto nível não podem prescindir dela. Não faz outro sentido", afirma Jorge Silvério. "A componente mental é fundamental para extrair o máximo rendimento do jogador. Assim, além de todos os outros aspectos relacionados com o treino, é de extrema relevância que se dê a mesma importância ao ser humano que está antes do jogador", reforça Pedro Abranja.