Portugal
"Não sei o que fazer depois do futebol e isso assusta-me bastante", diz Carlos
2019-10-09 16:00:00
Guardião em entrevista à 'Tribuna Expresso' num depoimento intenso e pouco comum num jogador de futebol

Carlos Fernandes tem 39 anos e depois de passagens, entre outros clubes, por Boavista, Rio Ave ou Steaua de Bucareste da Roménia, alinha agora ao serviço do Amarante do Campeonato de Portugal. A ideia é sair de casa para treinar e jogar "um bocado" e assim "fugir da solidão", porque "é naquele bocadinho que [se] sente alguém".

Do anonimato à Champions foi um salto rápido, demasiado rápido para Carlos Fernandes que sente agora o outro lado da moeda. "De repente, parece que as luzes se apagam", confessa, em entrevista à 'Tribuna Expresso', lamentando que a entrada nos trintas comece a fechar portas aos atletas. E isso é algo que lhe causa uma "grande dificuldade em aceitar".

Aos 39 anos, o guarda-redes diz ainda estar aí para as curvas do futebol. "Não me acho velho, mesmo fisicamente", diz, considerando até que, porventura, trabalha "melhor e muito mais do que muitos jovens que estão aí a jogar futebol."

Mas o desporto de alta competição tem características particulares, algumas, por exemplo, não permitem ter um ambiente familiar dito comum dadas as constantes viagens dos atletas. Carlos Fernandes concorda.

"É difícil manter uma família com a vida que temos, quando se joga em competições europeias está-se constantemente a viajar, mais o campeonato", refere o guarda-redes do Amarante.

Ciente de que a vida de profissional de alta competição, como chegou a ter, dificulta o "bom ambiente familiar", Carlos Fernandes reconhece que, com o passar dos anos, a carreira vai passando e vai-se chegando ao ponto em que os jogadores dão conta de que está mais próxima a fase de pendurar as botas. O ex-guardião está nessa fase e vive com um dilema.

"Hoje estou um pouco à procura do meu refúgio, que é aquela 1h30/2h em que chegamos ao estádio, equipamo-nos, treinamos e tomamos banho, é um bocado para fugir da solidão. É naquele bocadinho em que me sinto a ser alguém. Se não estiver ali, não sinto nada, não sou ninguém."

À 'Tribuna Expresso', o antigo guarda-redes internacional por Angola explica ainda que prossegue a carreira quase como quem empurra para a frente a decisão de terminar a caminhada enquanto jogador. Uma espécie de "refúgio contra o não saber o que fazer a seguir".

"Se me perguntar o que quero fazer depois, não faço a mínima ideia. Assusta-me bastante", confessa Carlos Fernandes, que não nega que vive aos 39 anos com dilemas como se estivesse a começar a vida de adulto.

"Parece que estou a recomeçar a minha vida (...) Estou a adiar o final de carreira, enquanto isso, vou sendo ajudado pelo psicólogo e estudando para poder começar a minha vida do zero."

Quando as luzes se apagam, a vida não é como nas histórias de encantar. O guarda-redes não tem problemas em assumir até que já chegou a estar "quase um ano enfiado em casa, sem saber o que fazer, sem sair".

"Não tem nada a ver com dinheiro. Até ir jantar fora enjoa e cansa". E porque Carlos vive de defesas é com estas palavras que tenta defender outros jogadores que possam estar a passar a mesma situação.