Portugal
Luisão, o carecão que 'djifendji' os 'mininos' e chupa limão
2018-09-26 20:45:00
Chegou como carecão e grandalhão, mas ganhou direito a ser campeão e capitão.

A carreira de Luisão, no Benfica, nem sempre foi poesia, mas houve rimas que o clube encarnado nunca esquecerá: Anderson Luís da Silva chegou simplesmente como carecão e grandalhão, mas ganhou direito a ser campeão e capitão. Ganhou direito a ser Luisão e a ter um lugar na história do clube. E do campeonato tugão, para não deixarmos as rimas de aumentativo.

Mais do que perfis de carreira – todos nós a conhecemos e acompanhámos –, o Bancada achou relevante fazer um perfil do homem. Saber as histórias que Luisão perpetuou no balneário e conhecer os traços da personalidade deste brasileiro que chegou ao Benfica em 2003, com 23 anos. Falámos com ex-colegas como Amoreirinha, João Coimbra, Manuel Fernandes ou os Hélios: o Roque e o Pinto. E temos coisas bem giras.

“Pára de chupar limão!”

Temos, por exemplo, as disputas de beleza entre Luisão e Geovanni. “Literalmente todos os dias, sempre que Geovanni entrava no balneário, o Luisão dava um grito e fazia uma expressão de assustado. De seguida, dizia, na brincadeira ‘Geovanni avisa que tá chegando’”, conta Amoreirinha, numa história que Hélio Pinto completou, assumindo que é uma honra poder falar sobre Luisão.

“Com o Geovani e o Luisão era muito engraçado. Estavam sempre a dizer um ao outro para pararem de chupar limão, porque eram muito feios”. Bom, mas ficam aqui os dois modelos, para cada um tirar as dúvidas.

Esperem lá. Então e o Paíto? Ui, o Paíto... o lado embaraçoso da carreira de Luisão, em Portugal, ficou marcada por dois rapazolas vestidos de verde e branco. Um moçambicano, chamado Paíto, e um brasileiro, chamado Liedson. Liedson, porque fez questão de massacrar Luisão de cada vez que o encontrava. Paíto, porque… enfim, por isto:

Nós chamámos-lhe “lado embaraçoso da carreira”, mas Luisão não concorda. Na despedida, o central agradeceu aos adversários, por terem contribuído para o seu crescimento. Bonito.

“Então, mas falam do Paíto e não falam do Ricardo?”, perguntará o leitor. Falamos, claro! A 14 de maio de 2005, Benfica e Sporting estavam empatados a zero, na Luz. Aos 83 minutos, Luisão subiu, saltou, ganhou o lance a Ricardo e colocou o título nas mãos do Benfica.

Uma discussão que será eterna no futebol português: foi ou não foi falta? Palavra de Luisão. “Pelas minhas filhas e pela minha sorte, não foi falta”, garante, dizendo que este foi um dos dois melhores momentos vividos no Benfica.

“Koeman perguntou quem é que chegou atrasado e o Luisão assumiu que foi ele”

Desafiámos alguns dos ex-colegas para um exercício: definir Luisão numa palavra ou uma frase. Eis o resultado.

Hélio Roque: “Líder”
João Coimbra: “Líder”
Hélio Pinto: “Líder”

Apenas Amoreirinha olhou para a pessoa, definindo: "simples, com uma alegria e boa disposição contagiantes".

A palavrinha escolhida pelo João e pelos Hélios permitem ver que Luisão foi um pai e um guia para muitos jovens que passaram pela Luz. “Tem um caráter incrível. Lutava pela justiça dentro do grupo e dizia na cara de cada um o que tinha para dizer”, recorda Hélio Pinto, tal como Hélio Roque. “O Luisão tem um coração enorme. Um líder nato, que marcou todos os benfiquistas e todos os mais jovens, porque ele era tipo um pai para os mais jovens”.

Senhoras e senhores, há provas disto… “Houve uma semana em que o Rui Nereu chegou atrasado ao treino e o Ronald Koeman mandou-o para equipa B, porque não admitia que os jovens chegassem atrasados. Na semana a seguir, houve um acidente na ponte e eu cheguei atrasado. Quando chegámos ao autocarro, o Koeman perguntou logo quem é que chegou atrasado e o Luisão assumiu que foi ele, só para me proteger”.

Luisão, dizem-nos, é isto. É altruísmo e companheirismo. Não é assim, Hélio Pinto? "Quando eu cheguei à equipa principal, ele nem era o capitão [era Hélder, seguido de Simão], mas num lance mais disputado entre um jogador mais jovem e um dos jogadores com mais ‘moral’ no clube, esse jogador com mais moral começou a discutir com o jovem e o Luisão meteu-se logo à frente e a defender o miúdo”.

Plot twist: Luisão foi um pai para muita gente, mas também foi filho. Um filho que precisou de um pai. Pelo menos é o que garantiu o amigo Geovanni, ao jornal “O Jogo”. "Quando ele ficava um pouco nervoso nos treinos, os jogadores diziam ‘Geovanni, vai lá, que o seu filho está nervoso’. Imagine eu, deste tamanho, a ter de acalmar o Luisão. Foram vários momentos assim: ele nervoso e eu a ter de chegar ao pé dele, dar um jeito de 'dobrar', para ele ficar mais tranquilo”.

Pausa nas historinhas. Amoreirinha diz que se trata de um craque e que "jogadores como ele deveriam jogar até aos 100 anos", mas isto não foi possível. Ontem, foi a despedida, aos 37 anos.

Perdoe-nos, caro leitor, pela nota a resvalar para o exercício opinativo, mas é difícil fugir ao que foi a cerimónia de despedida de Luisão. Um momento que pareceu algo frio. Pouco para o homem em causa. Tudo feito num estádio gigante, mas sem adeptos. Um momento emotivo, mas sem o “sumo” de quem gritou pelo brasileiro, idolatrou este central, sentiu as dores do capitão e riu com o xerife. Tudo aquilo soube a pouco, ainda que a imprensa garanta que haverá um jogo amigável de despedida, entre amigos do ex-jogador. Luisão, dizemos nós, merecia uma despedida em campo, com a Luz cheia. A clássica saída aos 85 minutos ou, porventura, uma entrada aos 85 minutos, caso Rui Vitória não quisesse mesmo ter o brasileiro em campo muito tempo. Não seria giro?

Avancemos.

Luisão, para além de guiar os jovens e liderar o grupo, foi mostrando duas outras funções: fazer a ponte presidente-jogadores e a ponte jogadores-adeptos. E nunca teve problemas em levantar a voz, quando se justificou.

A primeira ponte é explicada por Júlio César, ao canal do clube. “O Luisão era o braço direito do presidente no balneário, tinha muita responsabilidade”, disse, acrescentando que via neles “o Batman e o Robin”. “Chegaram na mesma altura ao clube e, juntos, fizeram com que o Benfica se tornasse a potência que é hoje”.

A segunda é dita pelo próprio Luisão, que assume que, muitas vezes, se excedeu perante os adeptos, na defesa do grupo, quando, das bancadas, vinham críticas ferozes aos jogadores. Este momento foi um deles.

‘E aí, cabeça? Como está?’

Terminamos com cabeças. Umas grandes, outras carecas. Do tempo em que João Coimbra ainda tinha cabelo.

“Eu sempre andei com roupas descontraídas e nunca liguei muito ao “cabelo” (quando o tinha) e, então, de vez em quando, passava algum tempo sem o cortar. Lembro-me de que, quando comecei a treinar com a equipa principal, tinha o cabelo “robusto” e, segundo o Luisão, isso fazia-me a cabeça grande. Então, sempre que ele me via e eu a ele dizíamos sempre um ao outro ‘e aí, cabeça?’ e foi ficando. Há uns anos encontrei o Luisão no Almada Fórum e a primeira coisa que ele disse foi ‘e aí, cabeça? Como está?’. Com a entoação brasileira fica muito engraçado”.

Hélio Roque diz que, quando pensa em Luisão, pensa em Benfica. E esta é uma boa forma de acabar isto, trazendo ainda o que já dissemos no início: a carreira de Luisão, no Benfica, nem sempre foi poesia, mas houve rimas que o clube encarnado nunca esquecerá: Anderson Luís da Silva chegou simplesmente como carecão e grandalhão, mas ganhou direito a ser campeão e capitão.