Portugal
João Henriques, uma solução interna que está a levar o Leixões a bom porto
2017-11-08 19:40:00
Técnico ribatejano começou época como adjunto de Kenedy, mas quando pegou na a equipa levou-a do 15.º ao atual 4.º posto

Após ter vivido uma situação delicada na última temporada, onde se viu obrigado a disputar os playoffs de permanência na Segunda Liga, o Leixões não começou a temporada 2017/18 da melhor forma. Após três jornadas estava no 15.º posto, altura em que Kenedy deixou o comando técnico do clube de Matosinhos. Perante o vazio técnico, os responsáveis leixonenses decidiram apostar no técnico adjunto. E essa opção está, até ao momento, a revelar-se acertada. João Henriques, de 45 anos, surgiu no posto como um “ilustre desconhecido”, mas, após alguns jogos, transportou a equipa até ao topo da tabela. O técnico ribatejano, de 45 anos, foi uma espécie de bote salva-vidas, que está a conduzir o Leixões a bom porto.

Um sucesso que surge na carreira de Henriques depois de um período no “estaleiro”. Há dois anos estava a treinar na Distrital de Santarém – foi por lá que passou grande parte da carreira. Tal como o emblema nortenho esta temporada, também o trajeto do técnico tem sofrido uma ascensão vertiginosa. “Acabou por ser uma situação normal. Já tinha estado numa liga profissional, nos Emirados”, confessa. Em nove encontros no campeonato venceu cinco e perdeu apenas um. A equipa está atualmente no quarto posto da tabela, mas recusa, para já, assumir uma candidatura à promoção ao primeiro escalão. Pelo meio, segue de vento em popa na Taça de Portugal, onde já eliminou o CD Tondela. Lidera ainda lidera o Grupo D da Taça da Liga, depois de vencer o FC Paços de Ferreira e de ter empatado com o FC Porto, sendo o único treinador na presente temporada que conseguiu não sofrer golos no Estádio do Dragão.

Qual o segredo para esta caminhada do Leixões? “De uma época para a outra mudou muita coisa. Ficaram praticamente dois ou três jogadores da época anterior. Entretanto, esta época o Daniel Kenedy fez-me o convite para ajudá-lo na equipa técnica. O início não foi muito bom, mas sabíamos que com o trabalho as coisas iriam dar frutos, porque é uma equipa jovem, com ambição e qualidade, que a pouco e pouco iria melhorar. A grande mudança, basicamente, é a da pessoa que dá a cara. O Kenedy saiu por motivos pessoais. Felizmente, com os jogadores a acreditarem no trabalho que estava a ser feito e com os resultados a aparecerem, o grupo foi ficando mais forte e hoje apresenta a qualidade que tem. Mas acredito que este grupo ainda está em crescimento”, afirma João Henriques ao Bancada.

O técnico recorda-nos a forma como acabou por ficar no comando da equipa, numa situação que causou surpresa até ao próprio. “Quando recebi o convite do Kenedy para a equipa técnica não me passava pela cabeça voltar a ser adjunto, mas aceitei. Depois, também não estava à espera da saída do Kenedy. Quando ele saiu também coloquei a hipótese de acompanhá-lo. Mas ele não deixou e pediu-me para continuar porque a saída era apenas por motivos pessoais. O presidente disse que eu ficaria no cargo nos dois jogos seguintes, até eles terem tempo de pensar no que iriam fazer. No entanto, logo no final do primeiro jogo [receção ao FC Porto B] o presidente tornou público que eu ficaria como treinador principal, porque tinha toda a confiança no trabalho que tinha desenvolvido antes, como adjunto, e depois, pela abordagem durante a semana do jogo com o FC Porto B e pelo resultado [triunfo por 1-0], que solidificou o que vinha a ser o trabalho”, conta.

O Leixões ocupa atualmente o quarto posto da tabela, com 21 pontos. Com menos um jogo realizado em relação aos adversários diretos, o clube nortenho está a apenas quatro pontos dos lugares de promoção e a seis da liderança. Em nove jogos fez 18 pontos, vencendo cinco jogos e perdendo somente uma vez, frente ao CD Cova da Piedade. João Henriques vai numa série de quatro jogos invicto para o campeonato e na última jornada empatou no terreno do candidato Santa Clara, fazendo com que os açorianos deixassem o Académico Viseu isolado no primeiro posto. No próximo domingo o Leixões recebe o Vitória de Guimarães B, último classificado, em jogo em atraso da 12.ª jornada. Se vencer fica a apenas um ponto dos lugares de subida.

Em Matosinhos já se assume uma candidatura à Primeira Liga? João Henriques prefere jogar pelo seguro. “Queremos, acima de tudo, assegurar a permanência o mais rapidamente possível para não haver sobressaltos, porque a Segunda Liga é muito pródiga em surpresas. Uma equipa pode estar em zona de subida e em quatro ou cinco jornadas passar para lugares de descida. É isso que queremos evitar e que foi falado no início da época. O objetivo é fazer um campeonato tranquilo e consolidado, com boas exibições, colocando os jogadores jovens que temos a crescer”, admite o técnico.

“Quando cheguei ao Leixões não existiam jogadores internacionais e agora colocámos cinco jogadores em seleções nacionais, dois deles nos sub-21 portugueses. Esse também é o projeto que estamos a desenvolver, que passa por promover os jogadores, fazê-los crescer e rentabilizar o investimento da SAD, conseguindo ao mesmo tempo resultados desportivos. No entanto, se chegarmos a uma altura do campeonato em que temos a permanência garantida e estamos numa boa zona para poder disputar mais alguma coisa, não enjeitaremos a oportunidade. Mas o objetivo principal é a permanência”, garante-nos, após ter estado a fazer a observação do jogo do Vitória de Guimarães B com o FC Arouca, talvez já com o pensamento nos lugares cimeiros.

Além de Santa Clara e Académico de Viseu, dupla que se tem distinguido no arranque de campeonato, João Henriques vê nos emblemas com história recente de Primeira Liga alguns dos principais candidatos a essa subida. “Há várias equipas que se assumiram candidatas inicialmente e não há dúvidas que são. A Académica, o Nacional, o Arouca, por exemplo. Há uma série de equipas, juntamente com as que estão na frente, que têm grandes investimentos e ambições em subir de divisão. Depois há num patamar seguinte equipas com excelentes plantéis e jogadores, com o objetivo de andarem perto desses lugares e talvez surpreender. Mas os três que mencionei foram os que investiram bastante. Juntando ainda o União da Madeira, que apesar de estar na posição em que está nesta altura [15.º, com 13 pontos], inicialmente assumiu-se como candidato. Mas estamos a falar de um campeonato extremamente equilibrado e muito competitivo, em que a qualquer momento as coisas podem inverter”, refere o timoneiro dos leixonenses.

João Henriques destacou ainda os valores individuais que tem no plantel do Leixões, prevendo altos voos a alguns dos pupilos. “Não tenho dúvida nenhuma do potencial dos jogadores que tenho no plantel. Depois há a importância de ter a experiência de alguns jogadores, como o Bruno China, que é da casa e já passou por esses patamares. Isso é vital para ajudar no crescimento dos restantes. Normalmente apresentamos um onze com uma média de 23/24 anos. São jogadores com muito potencial, até para estarem na Primeira Liga. Outros já estiveram e não tenho dúvida que vão regressar. Não tenho dúvidas que alguns destes jovens, seja com o Leixões ou com outra equipa, vão chegar a esse patamar, pois são muito ambiciosos e comprometidos com o processo de trabalho e treino. Quando os jogadores são assim chegam longe”, atira.

De Santarém para as Arábias

No início desta década viveu a primeira experiência internacional, mudando-se para o Médio Oriente. “A primeira vez que saí do país foi para a Arábia Saudita, através do Sporting. O professor Paulo Leitão convidou uma série de treinadores para entrar num projeto da academia do Al-Ahli Jeddah. Fomos implementar o modelo Sporting nessa academia. Estivemos lá uma época a fazer esse trabalho. A segunda vez que saí foi para os Emirados Árabes Unidos, onde fui integrar a equipa técnica do José Peseiro. Fui convidado para a equipa técnica do Al Wahda B, com o José Vasques. Foi uma experiência muito boa, fomos vice-campeões num campeonato semelhante à nossa Segunda Liga, com equipas B. Correu muito bem e foram duas experiências fantásticas e enriquecedoras, que contribuíram para hoje poder ser melhor treinador do que era anteriormente”, assegura-nos o técnico ribatejano.  

A aventura terminou em 2015. Altura em que regressou ao futebol distrital, para assumir o CD Fátima. “Regressar ao Fátima era algo que não estava na minha cabeça, mas o projeto que me foi apresentado era o de colocar o Fátima nos campeonatos nacionais. Como estava em Tomar, era perto de casa e não tinha convites para Ligas profissionais ou CNS, aceitei o desafio. Até porque a equipa tinha jogadores de qualidade e o trabalho que ia ser feito não estava de acordo com o contexto de distrital, era uma preparação para o CNS. Correu tudo de acordo com o que tínhamos perspetivado. Continuei em Fátima no CNS, até ao momento em que estávamos bem posicionados para atacar a subida de divisão e a ligação rompeu-se devido a um desacordo entre mim e o investidor árabe do clube”, assume o técnico nabantino.

“Felizmente, por onde passei tive sucesso. No distrito de Santarém já passei por vários clubes. Fui campeão distrital pelo União de Tomar, Riachense, CD Torres Novas e CD Fátima, venci a Taça do Ribatejo pelo Torres Novas e a Supertaça pelo UD Rio Maior e pelo Fátima, na época passada. Tanto na terceira divisão nacional, como na segunda divisão nacional tive sempre boas prestações em relação àquilo que eram os objetivos estabelecidos, que foram sempre atingidos. Tenho tido sucesso ao longo da carreira, mas deve-se a muito trabalho. Já são 21 anos como treinador, passando por variadíssimos clubes e deixando sempre as portas abertas por onde tenho passado”, frisa João Henriques, que agora navegou uns quilómetros mais para norte do país.

Quanto a referências, diz que não procura imitar ninguém, mas, sim, beber inspiração de vários companheiros. “Tenho-me cruzado com vários treinadores e todos eles me têm transmitido alguma coisa. Diariamente vou aprendendo com vários treinadores. Mas gosto de treinadores que são rigorosos naquilo que é o processo da equipa e que apresentam qualidade de jogo. Não tenho assim uma referência, tenho várias. O José Mourinho, até determinada altura, foi uma pessoa que transmitiu muito conhecimento a todos. Trabalhei com o José Peseiro e aprendi muito com ele. Fiz um estágio com o Paulo Fonseca. Vi o Marco Silva, que tirou o curso de treinador de quarto nível comigo e fiz o estágio no Estoril-Praia com ele”, enumera.

“Fui beber sempre um pouco a todos para melhorar a forma como faço as coisas. Já são muitos anos, alguns deles até têm menos tempo de treino do que eu, mas procuro aprender sempre todos os dias, tanto com eles como com os jogadores. Não tenho uma referência que queira imitar, vou bebendo de vários para chegar àquilo que é o João Henriques”, remata o treinador do Leixões. Resta saber se João Henriques, o “imediato” promovido a comandante do navio leixonense, vai conseguir atracar com sucesso na Primeira Liga, onde o histórico clube nortenho já esteve em 25 ocasiões e de onde saiu em 2009/10.