Portugal
Fernando Andrade brilha no Santa Clara depois de tempos difíceis em Lisboa
2018-10-08 16:00:00
O atacante brasileiro já marcou três golos e é um dos obreiros do excelente arranque de temporada dos açorianos

Nem o mais otimista dos adeptos do Santa Clara imaginaria que, ao fim de sete jornadas, a equipa estivesse na sexta posição do campeonato, em ano de regresso à Primeira Liga depois de 15 anos afastado do principal palco futebolístico do país. Para isso muito têm contribuído as excelentes prestações de Fernando Andrade, o atacante brasileiro que tem golo nas botas, mas que atravessou momentos complicados quando chegou a Portugal para jogar no Oriental: “O que eu ganhava dava para pagar o apartamento T1 que dividia e sobravam-me 300 euros. O meu primeiro ano aqui em Portugal não foi fácil. Agradeço muito a Deus, porque só eu sei o que passei”, revelou, em conversa com o Bancada.

A verdade é que os momentos complicados por que passou Fernando Andrade, aquando da chegada a Portugal, longe da família e dos amigos, em busca do sonho, estão agora a dar frutos. O atacante do Santa Clara é, nos dias de hoje, uma das figuras maiores da Primeira Liga portuguesa, com três golos e duas assistências em seis jogos, mas não esquece o passado: “Tive de colocar bem os pés no chão, focar-me no que era importante e hoje estou a colher o que plantei nesses dias difíceis”, desabafou Fernando Andrade, que recordou, ao Bancada, os momentos complicados da vida em Lisboa.

“No Oriental fiquei uma temporada. Eu gostei de Lisboa, mas nessa altura eu ganhava muito pouco e não podia andar a passear muito. Era trabalhar no Oriental, que lutava para não descer da Segunda Liga, estar longe da família e dos amigos e andar quase sem dinheiro. Não foi fácil”, sublinhou o atacante que marcou onze golos com a camisola do Oriental, despertando o interesse de outros clube portugueses. Depois de um ano em Lisboa, Fernando Andrade mudou-se para norte e assinou pelo FC Penafiel, também da Segunda Liga, mas com diferentes ambições.

As condições oferecidas pelo FC Penafiel - onde marcou dez golos em 42 jogos - permitiram a Fernando Andrade encarar o dia-a-dia de outra forma, ainda que o dinheiro que recebia não lhe permitisse encarar o futuro de forma mais desafogada: “Depois deu-se a transferência para o Penafiel. As condições melhoraram e tripliquei o ordenado, mas nem por isso a vida ficou mais desafogada porque tinha de pagar a casa. Passei de ficar com 300 euros ao fim do mês para um pouco mais. Mas foram momentos de sacrifício que vou levar para sempre comigo”, disse o jogador que revelou estar agora, ao serviço do Santa Clara, a viver um momento muito feliz na carreira.

 

E a posição preferida de Fernando Andrade é...

“Estou muito feliz e sinto-me em casa”, foi desta forma que Fernando Andrade explicou o que lhe vai na alma nos dias de hoje. “Estou acompanhado pela minha esposa e pelo meu filho e agora até tenho cá a minha mãe que veio do Brasil para passar uns dias comigo”, revelou o atacante que abriu o jogo ao Bancada e disse qual é a sua posição preferida: “Num sistema de 4x4x2 prefiro ser o segundo avançado, jogar mais livre atrás do ponta-de-lança, no fundo gosto de poder ter mobilidade no ataque. Se jogar num sistema de 4x3x3 eu prefiro partir de uma das alas. Não me sinto confortável a jogar preso no meio dos centrais, prefiro oferecer a minha capacidade de mobilidade”, referiu.

Esta temporada, Fernando Andrade já marcou três golos e ofereceu mais dois aos colegas. Além desses dados estatístico, o brasileiro de 25 anos tem sido uma das peças mais importantes na manobra ofensiva da equipa do Santa Clara, que tem surpreendido pelo futebol positivo - tem mais golos marcados do que o Sporting, por exemplo - e pelo sexto lugar ao fim de sete jornadas disputadas. Para Fernando Andrade, o excelente arranque de campeonato não é uma surpresa, mas reconhece que o seja para outras pessoas, até mesmo para os próprios adeptos açorianos.

“Penso que melhor seria impossível. Estou muito feliz por estar a conseguir realizar este excelente início de campeonato. Antes de começar o campeonato eu já tinha dado uma entrevista em que disse que o Santa Clara não ia ser o patinho feio e com sete jornadas ninguém acreditaria na campanha que estamos a fazer, nem os torcedores do Santa Clara imaginavam que fosse assim tão bom. Toda a equipa e comissão técnica estão de parabéns, estão todos a realizar um grande trabalho, desde o início. Desde o primeiro jogo que a equipa se sente confortável e a jogar bom futebol. Na primeira jornada, frente ao Marítimo - que eu não joguei porque estava lesionado - estivemos por cima deles e desde essa partida que temos jogado bom futebol, isso confirma que não é por acaso que estamos em sexto”, analisou o atacante.

 

As palavras mágicas de João Henriques no intervalo do Santa Clara-SC Braga

Na memória de todos os adeptos do Santa Clara está o jogo da segunda jornada, diante do SC Braga. Partida em que o Santa Clara foi para o descanso a perder por 3-0 e que um discurso inspirador de João Henriques permitiu uma recuperação fantástica à equipa da Ilha de São Miguel. A perder por uma diferença de três golos, o treinador dos açorianos pediu aos jogadores que se esquecessem do que havia ficado dos primeiros 45 minutos e para que se concentrassem em vencer a segunda metade. Fernando Andrade recordou como o técnico transformou a desilusão dos jogadores em força anímica para jogar o que restava de uma partida que parecia condenada ao fracasso.

“Essa partida frente ao Braga foi muito difícil, contra um dos grandes. Estar a perder por 3-0, frente ao Braga, e conseguir recuperar foi uma prova de que a equipa, não só pratica um bom futebol, como tem muita alma e muita garra.

Quando terminou a primeira parte, a equipa estava toda de cabeça baixa, como é normal numa situação daquelas, mas o mister João Henriques esteve muito bem na conversa com todos os jogadores ao intervalo. Pediu-nos para esquecer a primeira parte e para ganharmos a segunda. Não importava por quantos golos, ele só nos pediu para ganhar a segunda parte. Pediu-nos para subir ao relvado e imaginar que o encontro ia começar de novo. E funcionou. Porque todos os jogadores esqueceram que estávamos a perder por 3-0 e fomos lá para dentro motivados e é verdade que conseguimos mesmo marcar três golos e acredito até que se houvesse mais cinco minutos para jogar que sairíamos com a vitória.”

 

No Japão não saía do hotel

A experiência em Portugal, onde Fernando Andrade aprendeu a apreciar um bom bitoque, não é a primeira longe do seu Brasil. Aos 20 anos deixou as camadas de formação do São Caetano e mudou-se para o Vissel Kobe, do Japão, hoje cada de Lukas Podolski e Andres Iniesta: “ Saí do Brasil depois de jogar a Taça São Paulo e a minha primeira experiência como sénior foi ao serviço do Vissel Kobe. Aprendi muito com a cultura deles, habituei-me a chegar mais cedo aos treinos [risos], e isso ajudou-me a crescer mais rápido, como jogador e como homem”, explicou Fernando Andrade, que, seis anos depois da experiência no Japão, reencontrou, em São Miguel, o seu bom amigo Anderson Carvalho.

“Eu tinha 20 anos quando fui para o Japão, foi a minha primeira experiência fora do Brasil e como jogador profissional. E curiosamente conheci o Anderson Carvalho que é agora meu companheiro aqui no Santa Clara. Tive a felicidade de o reencontrar seis anos depois.

Temos uma grande amizade fora de campo. Lá eu morava no hotel que o clube arranjava para os jogadores de fora e nos primeiros meses fiquei sozinho, era só eu. Tinha tudo, nunca me faltou nada, mas eu só saía para ir para os treinos, de resto nunca saía, não sabia falar nada em japonês, era difícil sair à rua. Depois, passados seis meses da minha chegada, chegou o Anderson - que também levou o pai - e aí já me senti mais em casa e mais à vontade, mas não dava para sair muito à rua. Eu também estava mais preocupado em aproveitar a oportunidade, uma vez que o mercado japonês é muito bom. A liga é de uma organização extrema. Muitas pessoas pensam que o futebol japonês é de segundo plano, mas é uma ideia totalmente errada. O campeonato japonês é muito competitivo e gostaria muito de voltar lá um dia.”

Na temporada passada, Fernando Andrade marcou 15 golos ao serviço do Santa Clara e foi, a par de Thiago Santana, um dos grande obreiros da subida à Primeira Liga, 15 anos após a última participação do clube açoriano no escalão maior do futebol português. A infelicidade bateu, no entanto, à porta de Thiago Santana que se lesionou com gravidade no início da presente temporada quando já ia com três golos marcados, mas Fernando Andrade tem a certeza de que o colega vai regressar ainda mais forte: “O futebol é assim, mas foi um tremendo azar para ele numa altura em que as coisas corriam muito bem. Mas ele é muito forte mentalmente, tem uma cabeça boa e acredito que vá regressar ainda mais forte.”

“Nós jogadores sabemos que quando entramos em campo corremos esse risco”, rematou.