Portugal
Em São Miguel, há sempre um Fernandes para acabar a sorrir
2018-11-04 20:10:00
Tiago Fernandes venceu na estreia no palco em que o pai fez história.

O que o vento levou em ideias durante a primeira parte, trouxe-as, para o Sporting, em forma de clarividência na segunda. Num jogo disputado sob condições adversas, com muita chuva e acima de tudo muito vento, acabou por ser curioso o facto de nem Sporting ou Santa Clara terem conseguido aproveitar esse fator como desequilibrador, com os três golos do encontro a acontecerem contra o vento. No final, acabou por vencer o Sporting que depois de uma primeira parte para esquecer e a contrariar toda a lógica, regressou pleno de clarividência para a segunda e aproveitou as circunstâncias do jogo para o vencer. Isto, passando um sufoco desnecessário no final.

O Santa Clara recebeu um grande no seu terreno em jogo para a Liga Portuguesa pela primeira vez em muitos anos, tendo ficado a 45 minutos de um momento histórico: vencer pela primeira vez o Sporting num jogo a contar para a Liga. Com um golo de Zé Manuel aos 32 minutos, o Santa Clara saiu a vencer para intervalo, depois de uma primeira parte em que justificou a vantagem. A vantagem do Santa Clara não surpreendeu face aquilo que foi a facilidade com que a equipa açoriana explorou o corredor central. Rashid teve todo o tempo do Mundo para organizar e assistir Zé Manuel, algo que foi exponenciado pela lesão de Battaglia e a menor agressividade de Gudelj que o substituiu dois minutos antes.

Este foi mesmo um ponto central para a entrada em falso do Sporting na primeira parte e o domínio conseguido pela equipa do Santa Clara. Frente a uma das equipas que mais ataca e constrói a sua organização ofensiva pelo corredor central, Tiago Fernandes fez o Sporting regressar ao ADN das últimas temporadas, retornando-o ao 4-4-2 típico com Jesus. Isto significou a perda de um elemento em terrenos mais centrais e uma sobre exploração dos corredores laterais que roçou a obsessão. O Santa Clara ficou confortável e com Rashid, Bruno Lamas e Anderson Carvalho a não terem especial dificuldade em penetrar o miolo adversário, situação que ficou particularmente evidente no lance do golo que deu a vantagem ao Santa Clara.

Sem presença em terrenos interiores e perante a inferioridade numérica no miolo do terreno, o plano de jogo que o Sporting e Tiago Fernandes trouxe para São Miguel anulou ainda Bruno Fernandes - e mais tarde Gudelj - e acima de tudo impossibilitou que o Sporting se adaptasse às circunstâncias da partida. Isto é, impossibilitou que o Sporting chegasse com bola controlada ao último terço e pudesse tirar partido do vento com remates de fora da área em posições vantajosas, algo que conseguiu em apenas duas ocasiões, por Bruno Fernandes e Lumor, nos dois remates mais perigosos do Sporting em toda a primeira parte, acrescendo a isto a dificuldade em reduzir a aleatoriedade dos cruzamentos perante tais condições meteorológicas. Durante a primeira parte o Sporting cruzou muito, com os cruzamentos a saírem invariavelmente longos e excessivamente fortes dada a força do vento.

O Sporting saiu para intervalo a perder perante o Santa Clara e o resultado era facilmente justificável face a um plano de jogo pouco adaptado ao adversário e muito menos às condições meteorológicas presentes ao longo do encontro. Foi só aos 42 minutos, que o Sporting teve uma situação de golo verdadeiramente organizada quando Bas Dost, após canto de Acuña, à boca da baliza, acabou por cabecear ao lado. Na segunda parte, porém, pese embora o susto nos instantes finais e já há muito em superioridade numérica, tudo foi diferente.

O Sporting regressou para a segunda parte com outra clarividência e o maior envolvimento de Bruno Fernandes no jogo, bem como a maior exploração dos terrenos interiores permitido pelo facto de Jovane e Acuña surgirem a jogar nas alas opostas ao seu melhor pé tornou o Sporting mais central e menos lateral, igualando o Santa Clara em número sobre o corredor central. O impacto não foi imediato, Pineda do meio da rua até podia ter matado o jogo aos 48 minutos - o que o Sporting raramente fez na primeira parte, o Santa Clara explorou desde cedo - com um remate perigoso ao lado. Pouco depois, foi Nani num desvio a um livre lateral dos açorianos que testou a atenção de Renan.

O Santa Clara entrou forte na segunda parte, mas à medida em que o Sporting começou a incorporar Bruno Fernandes, Jovane e Acuña no jogo, lá está, à medida que o Sporting foi perdendo a obsessão pela lateralização, a equipa de Tiago Fernandes cresceu. O empate chegou aos 61 minutos de grande penalidade já depois de dez minutos de pressão leonina sobre a área adversária. Aos 51 minutos Nani, após assistência de bandeja de Bas Dost, isolado no coração da área e com tudo para fazer golo escorrega no momento chave e pouco depois é Acuña quem dispara à entrada da área para intervenção semi confortável de Marco Pereira.

A grande penalidade que acaba por dar o empate ao Sporting, por carga de Fábio Cardoso sobre Bas Dost, aos 60 minutos, acaba por ser o ponto de viragem no jogo. Não só porque deu a confiança que faltava até então ao Sporting, mas porque na sequência do lance Patrick Vieira viu dois amarelos em segundos e deixou o Santa Clara em inferioridade numérica. Ora, o Santa Clara que por definição não é uma equipa que gosta de ter bola - é a equipa da liga que menos posse média por jogo tem e aquela que menos passes concretizados e tentados tem até agora -, com menos um homem, empatado frente a um grande, acabou por recuar e ceder a iniciativa de jogo ao Sporting que aproveitou.

Ainda antes do golo de Acuña que acabou por dar a vitória ao Sporting, aos 75 minutos, já Jovane, isolado de marcação após cruzamento da direita do argentino falhara o tempo de salto quando tudo tinha para fazer golo e tranquilizar ainda mais cedo os leões. João Henriques até tinha percebido o ascendente do Sporting, lançando Rui Silva e Arroyo para jogo retirando dele Zé Manuel e Bruno Lamas, mas este era um Sporting mais confiante e esclarecido, aliado a um Santa Clara com dificuldades em controlar jogos com bola. Se na primeira parte a aposta em Acuña no corredor direito pouco efeito surtiu, na segunda o extremo do Sporting tornou-se na principal figura do jogo. 

O que o Sporting conseguiu fazer durante grande parte da segunda metade do encontro, porém, não conseguiu no final do mesmo. Talvez por nervosismo, ou descompressão, o Sporting voltou a permitir o crescimento do Santa Clara, mesmo com os açorianos em inferioridade numérica e sem conseguir controlar o jogo com bola, nem fechar espaços em momento defensivo, o Sporting acabou por permitir a Candé, Rui Silva e Rashid, nos últimos cinco minutos do encontro, remates que saíram muito perto da baliza de Renan, em particular, o do iraquiano já no terceiro minuto de compensação.

Sempre que o Sporting conseguiu colocar Bruno Fernandes no jogo e explorar terrenos interiores fazendo face à superioridade numérica do Santa Clara no corredor central natural dos dois sistemas táticos utilizados pelas equipas, os leões estiveram por cima, algo que apenas aconteceu durante 40 minutos na segunda parte, sem que isso signifique que nos restantes 50 minutos o Santa Clara tenha feito por justificar outro resultado. Afinal, nas contas finais, os açorianos contam apenas um remate enquadrado com a baliza e as restantes situações de perigo criadas a estarem intimamente ligadas a fatores externos e não ao plano e organização colocada sobre o relvado.

Se o Sporting entrou com o pé esquerdo no encontro, a verdade, é que foram alterações táticas promovidas por Tiago Fernandes que permitiram que os leões saíssem de São Miguel com a vitória, obrigando o Sporting a ser mais central na segunda parte. Se este for o legado deixado pelo jovem técnico em Alvalade, dificilmente dele se poderá envergonhar. Se o pai fez história naquele mesmo relvado, a primeira vez do filho correu-lhe de feição. Em São Miguel, há sempre um Fernandes para acabar a sorrir.