Portugal
Dinheiro não explica tudo: Como Nuno retornou Wolverhampton à Premier League
2018-04-15 17:00:00
O dinheiro da Fosun e as ligações à Gestifute ajudaram, mas o segredo da promoção do Wolves é mais complexo do que isso.

Seis anos depois, duas despromoções e duas promoções depois, o Wolverhampton Wanderers está de regresso à Premier League. Em poucos anos, o histórico clube inglês que muitos consideram ter sido o catalisador da criação das competições europeias quando venceram o Honvéd em 1954 – toda uma outra história -, passou da euforia da Premier League ao desespero do terceiro escalão, ultrapassando uma crise desportiva profunda para ser salvo pela Fosun e pela mão de Nuno Espírito Santo regressar ao convívio da elite futebolística inglesa. Como é que isto aconteceu? Não foi tudo obra de Jorge Mendes, como muitos em Inglaterra também acreditam.

“Espero ajudar a construir um novo futuro aqui. Acredito neste projecto. Acredito nas ideias e confio nas pessoas”. Nuno Espírito Santo chegou este ano ao Wolves e o impacto do técnico português foi imediato. O mesmo Nuno que, ao The Coaches’ Voice, admitiu ter-se questionado como fazer a sua filosofia de jogo funcionar numa competição com as vicissitudes do Championship. Uma segunda liga que é muito mais do que uma competição secundária e cuja competitividade tantas vítimas fez ao longo dos anos. “Quando pensas no Championship, quando te oferecem um trabalho no Championship, o primeiro pensamento que te assola é: será que consigo fazer a minha ideia funcionar nesta liga? Este é o primeiro passo que tens de dar. Não é o Championship que tem de mudar a tua ideia de jogo. Não. É como fazer a tua ideia funcionar no Championship. É possível fazê-lo? É possível chegar lá com a tua ideia, a tua filosofia?”. A resposta, essa, foi dada em campo.

Com a vitória por 2-0 perante o Birmingham City já este fim de semana, o Wolverhampton Wanderers alcançou os 95 pontos no Championship fruto de 29 vitórias e oito empates em 43 jogos já disputados. A três jornadas do final do Campeonato, o Wolves de Nuno Espírito Santo pode chegar aos 104 pontos na competição caso vença Bolton Wanderers, Sheffield Wednesday e AFC Sunderland nas jornadas que restam da competição. Um total pontual que colocaria a equipa do Wolves com o terceiro melhor registo pontual de sempre da história da segunda divisão inglesa desde que os três pontos por vitória foram instituídos. A ideia de Nuno Espírito Santo, assente num 3-4-3 de grande mobilidade, não só funcionou no Championship, como o arrasou ao ponto de muitos se terem questionado, a certa altura da temporada, se estávamos a falar da melhor equipa de sempre que alguma vez passou pela competição. Ficou perto disso, pelo menos.

O sucesso do Wolves está em muito associado à compra do clube por parte do grupo chinês Fosun, com fortes ligações, também, ao empresário Jorge Mendes, mas como vários clubes mostraram esta temporada, gastar muito dinheiro nem sempre é sinónimo de sucesso. O Middlesbrough FC, por exemplo, emblema que esta temporada mais gastou no Championship (cerca de 55 milhões de euros) vai mostrando alguma dificuldade em segurar um lugar de acesso ao play-off de promoção tendo ficado cedo arredado da luta pelo título e pela promoção directa.

Depois de uma temporada de estreia sob a liderança da Fosun não ter resultado em mais do que a mediania classificativa, a entrada de Nuno Espírito Santo e nova revolução no plantel dos Lobos revolucionou a face do clube de Wolverhampton. Até aqui, a estreia de Nuno Espírito Santo pelo Molineux tinha tudo para correr mal. Foram vários os analistas que, no início da temporada, questionaram a capacidade do clube em ser bem-sucedido depois de fazer tantas alterações ao plantel, encaixando tantas caras novas, num sistema complicado de trabalhar e segundo a orientação de um treinador totalmente inexperiente e desconhecedor da competição que ia disputar. O grande desafio de Nuno passou por conseguir tornar um grupo de jogadores que nunca tinham jogado juntos numa unidade coesa. Manter focado e concentrado um grupo de jogadores cuja qualidade e promessa futebolística extravasava uma qualquer segunda liga, por muito forte que a mesma até pudesse ser. E, nisso, Nuno não falhou. Mesmo que figuras fulcrais para a temporada do Wolves como foram John Ruddy, Ryan Bennett, Barry Douglas, Rúben Neves, Willy Boly, Leo Bonatini e Diogo Jota tenham chegado somente esta temporada ao Wolves, a equipa solidificou de imediato e ao longo de toda a temporada mostrou uma coesão e solidez assinalável.

"Nós somos uns lutadores. Alguns jogadores lutaram como guerreiros. Estou muito orgulhoso. Talvez, quando a competição terminar, possamos ter uma longa conversa, mas colocaram-nos em dúvida. Algumas pessoas duvidaram de nós”, desabafou Nuno Espírito Santo após a heroica vitória perante o Cardiff City. O jogo de Cardiff mostrou uma outra face da equipa do Wolves e uma face que, no início da temporada, muitos duvidaram que existisse. A face de uma equipa que além de forte tecnicamente, tivesse a mentalidade para arrancar vitórias face às maiores adversidades. Muitos foram os que escreveram, por agosto ou setembro, que quando o inverno chegasse o estilo de jogo do Wolves não ia conseguir sobrepor-se aos adversários. O inverno chegou e, o Wolves, nunca baixou o nível.

Aquele que é, por norma, no papel, um 3-4-3, desdobra-se num 5-4-1 em momento defensivo o que permite à equipa do Wolves ser igualmente forte defensivamente. O segredo, mais do que a organização, está na dinâmica da equipa e a ocupação de espaços nos momentos de transição é chave para tal. Em momento defensivo, os avançados laterais juntam-se à linha de meio campo e ajudam a criar uma barreira quase impenetrável. O Wolves tanto consegue estar a defender com oito ou nove jogadores, como rapidamente se desdobra para um momento ofensivo com cinco, seis ou mais jogadores bem dentro do bloco defensivo adversário. Com a conversão de Conor Coady a defesa central e a utilização de um médio todo o terreno como Romain Saïss permitem a Rúben Neves uma liberdade criativa que não teria jogando somente em duplo pivot com um outro médio de características semelhantes.

A mobilidade dos homens da frente e a capacidade de projecção dos alas (Douglas e Doherty) permitem ao Wolves desdobrar-se rapidamente durante a transição ofensiva, colocando várias unidades dentro do bloco defensivo adversário e com isso desequilibrar e garantir superioridade numérica no meio campo adversário. A qualidade de passe de Coady e Rúben Neves é chave para tal. Ainda que o Wolves seja uma equipa capaz de segurar e controlar a posse de bola, é no ataque rápido e objetivo que a equipa é mais perigosa. A capacidade de Coady e Neves em fazer passes longos que rompem linhas e permitem ligar a defesa e o ataque do Wolves de forma eficiente é uma das chaves para o desequilíbrio ofensivo da equipa. A pressão feita pelas várias unidades ofensivas que o Wolves consegue colocar no bloco adversário permitem à equipa de Nuno recuperar a posse de bola em zonas adiantadas do terreno, permitindo ganhar várias segundas bolas e permitindo que médios como Rúben Neves se adiantem no terreno e explorem a boa meia distância que possuem. Algo que explica o facto de Neves contar mais golos de fora da área que toques na bola dados na área adversária, por exemplo.

“O treinador é extremamente bom em manter-nos focados no dia de jogo. É muito decidido acerca daquilo que quer que façamos, mas é tudo sobre nós. Sabemos o que temos de fazer e sabemos aquilo em que somos realmente bons. Gastar muito dinheiro qualquer um consegue, mas se não se trouxer para o clube a mentalidade e a personalidade certa, então não serve de nada. Se não se trabalhar em grupo e como uma unidade coesa, então nunca vais conseguir ser bem-sucedido. No Wolves temos um grande grupo. Houve muitas mudanças durante o verão, e os jogadores que chegaram, eu incluído, adaptou-se facilmente a um grande balneário. Isso é um sinal muito positivo para os jogadores que já cá estavam e, claro, para o trabalho do treinador”, admitiu o guarda redes John Ruddy à imprensa inglesa, ele que foi considerado o guarda redes do ano para a EFL, entidade organizadora do Championship.

“O plantel é de um nível extraordinário. Os jogadores que foram trazidos para o clube, os Rúben Neves, os Diogo Jotas, os Bonatinis, os Bollys… Todos têm sido excecionais. Mas o mais importante de tudo é a mentalidade e a personalidade deles. A sede que têm em melhorar é contagiante e isso é o fator chave que nos levou onde chegámos”, acrescentou ainda o antigo internacional inglês. Em Wolverhampton o dinheiro foi gasto, mas o segredo da promoção da equipa de Nuno está mais na mentalidade e no trabalho técnico que no dinheiro gasto pela Fosun. A qualidade individual do plantel do Wolves é inegável e o mais provável é que não fosse a ligação da empresa chinesa a Jorge Mendes e nenhum deles alguma vez meteria os pés em Wolverhampton. Mas, esse, era também o desafio de Nuno: manter focados jogadores cuja qualidade extravasava uma normal segunda liga. E, nisso, o técnico português não falhou.