Portugal
Depois de 2005, volta José Peseiro para "apostar as fichas todas"
2018-07-01 23:05:00
Os adeptos do Sporting vão voltar a ver o treinador no banco de suplentes do Estádio José Alvalade

De forma algo surpreendente, José Peseiro foi anunciado por Sousa Cintra como o novo treinador do Sporting para 2018/19. O técnico regressa assim aos leões mais de dez anos depois de se ter sentado no banco verde e branco . Conhecido como o "pé frio" entre os adeptos depois do dramático final de temporada em 2005, com o Sporting a perder a Taça UEFA e a Liga num piscar de olhos. Contudo, quem foi orientado pelo treinador de 58 anos reconhece "capacidade de liderança" e lembra-se que a equipa "jogava mesmo à bola". Mas Carlos Saleiro e Roudoulphe Douala explicaram ao Bancada que não têm tantas certezas que Peseiro consiga ser bem sucedido desta vez. "Vai depender muito do contexto do Sporting. (...) Este é o grande teste da carreira dele, acho que vai apostar as fichas todas esta temporada", disse-nos Saleiro.

Natural de Coruche, onde nasceu em 1960, José Peseiro deu início à carreira de treinador no início dos anos 90. Começou no União de Santarém em 1992 e, em 1994, conquistou o Campeonato Nacional da 3ª Divisão. Mudou-se para o União de Montemor nesse mesmo ano e, pouco depois, foi para Lisboa treinar o Oriental. Em 1999 passou a ser treinador do Nacional e deu nas vistas logo no primeiro ano ao conquistar a zona Sul do Campeonato Nacional da Segunda Divisão B e, assim, subindo ao segundo escalão do futebol português. Logo no ano de estreia na Segunda Liga, o Nacional fez uma campanha tranquila e acabou na sétima posição. Em 2001/02, contudo, os madeirenses conseguiram a subida ao terminar o campeonato no terceiro lugar e José Peseiro foi, assim, o responsável pelo regresso do clube à Primeira Liga.

Para além dos resultados práticos, o trabalho de Peseiro era bem visível no futebol praticado. Ao contrário de grande parte dos treinadores lusitanos, o privilégio era dado à qualidade do jogo, o que também valeu ao Nacional a permanência na Primeira Liga em 2002/03. A qualidade demonstrada permitiu a Peseiro sentar-se num dos bancos de suplentes mais cobiçados do Mundo: o do Real Madrid. Foi adjunto de Carlos Queiroz no Santiago Bernabéu em 2003/04, mas a aventura não correu da melhor forma.

Em 2004 foi contratado por Dias da Cunha para o Sporting, estreando-se dessa forma ao serviço de um dos três grandes de Portugal. Com jogadores como Rui Jorge, Beto, Pedro Barbosa, Fábio Rochemback, Marius Niculae, Sá Pinto ou Liedson, os leões tiveram uma temporada recheada de emoção. Chegaram à final da Taça UEFA, que se realizou no Estádio José Alvalade, lutaram pela conquista da Liga até aos últimos instantes, mas, no fim, tudo acabou em zero conquistas. O Sporting de Peseiro perdeu por 1-3 em casa com o CSKA Moscovo no derradeiro encontro da prova europeia depois de, ao intervalo, estar a vencer e viu o campeonato sair-lhe das mãos com um golo de Luisão, num dérbi com o Benfica, nos minutos finais. Apesar de tudo, o futebol praticado pelo Sporting nessa época é reconhecido de um modo geral como positivo e quem foi treinado por Peseiro no clube leonino só tem coisas boas a dizer, mesmo com o técnico a abandonar o barco a meio da época seguinte.

"Ele é que me contratou e só me lembro que foi um bom treinador. Estávamos quase a ser campeões e ganhar a Taça UEFA. Comigo, tudo correu bem. Estávamos a jogar um bom futebol. Era um clube que jogava mesmo à bola", começou por dizer Roudolphe Douala ao Bancada. O camaronês, que também representou Boavista, Aves, Gil Vicente e UD Leiria, foi contratado pelo Sporting em 2004 pela mão de José Peseiro e explicou que "não lhe deixaram acabar o trabalho dele". "Acho que fizemos uma coisa boa. Perdemos o campeonato nos últimos jogos, nos últimos cinco minutos contra o Benfica. Se não fosse aquele golo, o Sporting era campeão. Chegámos à final da Taça UEFA, não acho que foi uma coisa má. Não fomos campeões, mas estivemos quase a ganhar. Tivemos uma boa época com ele. Ele foi dispensado, não lhe deixaram acabar o trabalho dele", acrescentou Douala.

Na final perdida em Alvalade contra o CSKA Moscovo (António Cotrim/Lusa)

Na pré-época de 2004/05, José Peseiro chamou vários juniores aos trabalhos da equipa principal. Entre eles estava Carlos Saleiro, que mais tarde viria a integrar o plantel de forma definitiva. "Na altura em que trabalhei com ele ainda era júnior. A minha geração, a do Moutinho, Miguel Veloso ou Mário Felgueiras, foi fazer a pré-época com o plantel sénior. Apanhámos o mister José Peseiro e, logo desde início, causou boa impressão porque mantinha contacto com praticamente todos os jogadores. Mesmo connosco, os mais jovens, ia sempre dando umas palavras de apoio", contou o antigo avançado do Sporting ao Bancada. Saleiro, internacional pelas camadas jovens da Seleção Nacional e ex-jogador de Vitória de Setúbal e Académica, por exemplo, falou connosco sobre os métodos de treino de José Peseiro. Apesar de não ter feito parte do plantel durante toda a temporada, Saleiro, hoje com 32 anos, lembra-se que Peseiro era "um treinador muito tático" que dava "grande liberdade" aos seus jogadores. "Trabalhou bem naquela pré-época, recordo-me. Íamos treinar algumas vezes durante a época com ele e era sempre um treinador muito tático, sim, mas com grande liberdade. O Sporting, nesse ano, praticou um grande futebol. Todos elogiavam o jogo e a forma do Peseiro. Infelizmente, o Sporting não conseguiu ganhar os títulos que tinha ao alcance, mas chegou aos finais. Por isso, acho que o trabalho dele foi positivo", frisou. Já Douala não se recorda de nenhuma característica específica de Peseiro nas sessões de treinos. "Nos treinos? Era um treinador normal, sem grandes diferenças para os outros treinadores portugueses. Quando o Paulo Bento chegou foi quase a mesma coisa."

Para Carlos Saleiro, José Peseiro destaca-se pela capacidade de liderança e gosta de dar o exemplo. Ao Bancada, Saleiro contou uma história passada, precisamente, na pré-temporada de 2004/05. "Esta história demonstra o líder que ele consegue ser. Já se passaram muitos anos e estará certamente melhor a este nível. Recordo-me que, na altura, estavam jogadores com grande história no Sporting, como era o caso do Beto, Pedro Barbosa, Rui Jorge, entre outros. Ele dividiu o grupo, colocando os mais jovens de um lado e os mais velhos de outro. Nós não tínhamos as habituais dores físicas de pré-época, estávamos ali fresquinhos, e ele deu o nosso exemplo aos mais velhos, que iam mandando aqueles bitaites normais de pré-época. Aí dá para ver o estilo de liderança que ele tem", revelou.

Depois da famosa temporada do 'quase', Peseiro continuou a servir o Sporting em 2005/06, mas tudo correu mal. A qualificação para a fase de grupos da Liga dos Campeões foi falhada ao perder contra a Udinese e o campeonato começou a ser um pesadelo a partir da quarta jornada. Pelo meio, os leões foram eliminados da Taça UEFA contra os suecos do Halmstads. Depois de derrotas contra Nacional, FC Paços de Ferreira e Académica, José Peseiro saiu e deu lugar a Paulo Bento.

Depois do Sporting, José Peseiro esteve um ano no Panathinaikos (Grécia) e não venceu qualquer título, demitindo-se no final da temporada após não cumprir com o que prometeu na apresentação. Pouco depois, assinou pelos romenos do Rapid Bucareste, mas foi despedido em outubro de 2008. Seguiram-se três anos como selecionador nacional da Arábia Saudita e o regresso a Portugal deu-se em 2012/13. Orientou o SC Braga na Liga dos Campeões, venceu uma Taça da Liga e acabou na quarta posição, perdendo o acesso à liga milionária para o FC Paços de Ferreira. No final da temporada, Peseiro e o SC Braga chegaram a acordo para a rescisão do contrato, mesmo com o coruchense a dar um título aos minhotos. Treinou o Al Wahda, dos Emirados Árabes Unidos, nas duas épocas seguintes.

No SC Braga, Peseiro foi a Old Trafford defrontar o Manchester United (Peter Powell/EPA)

Em outubro de 2015, José Peseiro assinou pelo Al Ahly, do Egito, e a sua chegada não foi bem recebida pelos adeptos, que criticaram bastante a escolha devido ao fraco currículo apresentado pelo português. Ainda assim, Peseiro ganhou a maioria dos jogos e a equipa, no final do ano, foi campeã nacional, mas já sem o treinador. Isto porque, em janeiro de 2016, Peseiro voltou a Portugal para pegar num FC Porto que tinha ficado sem técnico após a saída de Julen Lopetegui. O trabalho não era fácil e Peseiro terminou a Liga no terceiro lugar, perdendo ainda a final da Taça de Portugal para o SC Braga no desempate por pontapés de penálti. Continuou em Portugal para nova estadia no SC Braga, desta feita mais curta. Foi despedido em dezembro depois de perder em casa com Shakhtar Donetsk (Liga Europa) e SC Covilhã (Taça de Portugal).

Desde então, José Peseiro voltou a treinar no Emirados Árabes Unidos (desta vez foi o Al Sharjah) e fez a ponta final do último campeonato no Vitória de Guimarães, não conseguindo atingir o objetivo da Europa. Benfiquista - como assumiu ao jornal 'O Mirante' em 2009 -, José Peseiro nunca escondeu a vontade de, um dia, orientar a equipa principal do clube da Luz. "Já tive essa possibilidade. E continua a ser um dos meus objetivos", contou ao 'Diário de Notícias' em fevereiro deste ano. Na mesma entrevista, o técnico revelou ainda que outro grande sonho é trabalhar em Inglaterra. Agora, regressa ao Sporting numa altura crítica e importante da vida do clube. Estará pronto? Saleiro e Douala não têm a certeza, mas reconhecem capacidade para isso.

"Se acho que ele pode ter êxito? Vai depender muito do contexto do Sporting, de tudo o que se passou e do que está para vir. Depende do que poderá ter à disposição para realizar um bom trabalho e aproximar-se dos dois rivais em Portugal. Que ele tem capacidade, tem, que já demonstrou. Não tenho dúvidas que está mais bem preparado. Este é o grande teste da carreira dele, acho que vai apostar as fichas todas esta temporada", disse Carlos Saleiro ao Bancada, enquanto Douala destacou o facto de Peseiro já "conhecer a casa". "Ele esteve em vários clubes depois do Sporting e conhece bem o clube. Esteve no Sporting quando estava uma grande crise e agora volta a fazer o mesmo. Os adeptos não gostavam dele... Se a direção o escolheu, é porque ele sabe. Ele já conhece a casa", concluiu.