Portugal
Decano dos treinadores, Augusto Mata retirou-se: “podia ficar no banco de vez”
2017-06-30 08:00:00
Veterano técnico orientou o Padroense na última época, decidindo parar, aos 75 anos, por razões de saúde

Foram quase 30 anos como treinador do Infesta. Um exemplo de longevidade nos bancos portugueses que o trouxe até à ribalta. Iniciou a aventura no início da década de 70 e por lá continuou até ao virar do século, apenas com uma passagem de uma temporada pelo Ermesinde SC. Augusto Mata deixou o clube no qual fez história em 2002/03, mas a carreira não parou aí. Nas últimas onze épocas passou dez ao serviço do Padroense. Mas, agora, aos 75 anos, decidiu terminara a longa carreira. “Foi melhor, para não ficar no banco de vez”, diz o decano dos treinadores portugueses ao Bancada, confessando que já sente saudades da função que exerceu durante as últimas cinco décadas.

“Decidi terminar a carreira no dia em que fiz 75 anos [a 4 de fevereiro de 2017]”, começou por revelar ao Bancada. “Não me estava a sentir muito bem. O futebol envolve emoções, tristeza, alegria, tudo… pensei melhor e falei com o presidente a dizer que não ia continuar. Tenho um problema nos ouvidos e quando fico nervoso altero-me um pouco, o que não me deixa concentrar bem nas coisas. Fiquei preocupado e transmiti a decisão à direção. São 75 anos e podia arriscar a um dia a ficar no banco de vez”, explica-nos Augusto Mata.

A decisão foi tomada já na parte final da temporada e em poucos meses as saudades do banco já apertam. “Custou-me um pouco porque foram muitos anos a treinar. Foi a minha paixão, embora tenha a minha empresa de metalomecânica, da qual fiz profissão. Tive mesmo de deixar os bancos antes de correr mal. Ainda me está a custar muito, pois neste momento parece que os dias são todos iguais. Falta-me a rotina do treino e do jogo, que umas vezes dava alegrias e outras tristezas”, relembra o antigo técnico.

Os registos levam-nos até à temporada de 1973/74, quando assumiu o comando técnico do Infesta, mas Augusto Mata garante que começou antes, simplesmente “não tinha carta de treinador”, pelo que as primeiras experiências não ficaram registadas oficialmente. “Comecei por ir treinar os juniores dos Leixões. Num dia treinava os juniores e no outro os seniores do Infesta. Ao sábado ia de manhã aos jogos do Leixões e à tarde ia treinar o Infesta, sem o Leixões saber (risos). Só quando tirei a carta de treinador é que começaram a contar os anos oficialmente, mas já treinava antes disso”, conta-nos.

Chegou a tirar o quarto nível de treinador, mas optou sempre por não seguir o profissionalismo. “Não fui mais longe porque não quis. Ofereceram-me vários contratos, mas não queria largar a empresa que tinha criado para me dedicar exclusivamente ao futebol”, reitera o técnico natural de Matosinhos, antes de desvendar o segredo da longevidade: “a alegria que o futebol me dava”.

De Eusébio às visitas de Pedroto

O futebol entrou cedo pela vida de Augusto Mata. “Estava sempre metido no antigo campo de Santana, do Leixões. Chegava a treinar descalço, quando me chamavam porque faltava um jogador nos juniores”. Jogou no Infesta, subiu com o União Tomar à antiga terceira divisão nacional e regressou aos seniores do Leixões, clube que o “amarrou” após este terminar a tropa. “Não me deixavam sair. Ainda joguei na primeira equipa, frente a jogadores como o Eusébio e o José Augusto”, rebobina.

No entanto, também foi cedo que percebeu que o futuro não estava no futebol. “Tinha um trabalho e só podia treinar duas vezes por semana. Ganhava mais no meu trabalho do que os seniores do Leixões. Era novo, mas sempre tive a noção de que o futebol não me dava futuro, aos 30 anos um jogador era arrumado. Ser jogador de futebol não me dava muita garantia”, lembra Augusto Mata.

Foi então que se deu o início da carreira de treinador. “Depois de sair do Leixões fui para o Ermesinde treinar e jogar durante dois anos. A seguir regressei ao Infesta como treinador-jogador. Foi nessa condição que alcancei três subidas seguidas, desde a terceira distrital até aos nacionais” recorda o técnico, apontando esse feito como a maior alegria da carreira, a par do jogo da Taça de Portugal em que enfrentou o Benfica, em 2001/02 [vitória encarnada em Infesta por 3-0].

Outra das recordações que guarda no baú das memórias foi o dia em que enfrentou um jovem talento ao serviço da AD Fafe, em 1990/91. “Uma das coisas que não me sai da cabeça é que nesse jogo estava o Rui Costa a jogar pelo Fafe. Pensei que era uma pena ele andar ali, mas no ano seguinte regressou ao Benfica e seguiu a carreira dele”, descreve-nos.

Em Infesta orientou equipas de “muita qualidade” e não se esquece das visitas especiais ao estádio local. “Tínhamos um futebol bem jogado, na altura já praticávamos o fora de jogo e isso levava muita gente a ver os nossos jogos, como o Pedroto ou o Filipovic. Tínhamos jogadores com qualidade e fizemos grandes equipas. Chegámos a lançar jogadores que depois foram à Seleção Nacional, como o Tavares, que fui buscar ao Oliveira do Douro. Também lancei o Formoso ou o Chico Fonseca. Tínhamos uma maneira de jogar diferente das outras equipas. Além do fora de jogo, na maioria dos jogos fazíamos e sofríamos muitos golos, mas marcávamos mais que os outros. A equipa era imprevisível e isso causava dificuldades aos adversários”, afirma Augusto Mata.

Nem mesmo a evolução do treino que decorreu a grande velocidade nas últimas décadas, fez com que o veterano técnico se deixasse de adaptar. “Notei muito a evolução do treino, mas foi uma adaptação fácil”, garante, lembrando os tempos em que “não havia ninguém a ajudar”. “Quando comecei era treinador, jogador, treinador dos juniores e também treinava guarda-redes. Com o tempo comecei a falar com jovens e professores de educação física. Depois fui dos primeiros a conseguir ter um treinador de guarda-redes e encontrei treinadores para trabalhar a condição física dos atletas”, frisa.

Após uma longa viagem aos primórdios da carreira, que remonta aos tempos que antecederam o 25 de abril, Augusto Mata volta a confidenciar-nos que deixar os bancos foi uma decisão que “custou muito”, embora admita que conseguiu alcançar “aquilo que queria”. “Tenho de olhar para a minha vida. Agora, dou um pouco de apoio aqui na empresa, mas já não quero ter muitas responsabilidades por causa da idade”, remata.