Portugal
Danny: do “eu sou português!” ao derreter do "General Inverno", passando por cão
2018-07-23 23:00:00
O Marítimo foi buscá-lo 14 anos depois de ter visto o seu "filho" sair. Foram buscar um homem engraçado.

Aos 34 anos, Danny está de regresso a Portugal. Um tremendo reforço para o Marítimo - 14 anos depois de ter visto o seu "filho" sair -, que foi buscar, ao Slávia Praga, um homem engraçado: no início, a malta não percebia bem o que ele dizia. Depois, fez uma espécie de promessa. E cumpriu-a, citando Phil Collins e derretendo o General Inverno. Mais tarde, fez de cão. E sofreu com isso. Mas já lá vamos.

Falámos com Mangualde e Fernando Dinis, dois ex-colegas de Danny, no Sporting. Sim, Danny esteve no Sporting. Lembra-se? Foi alguns anos depois de ter viajado da Venezuela para Portugal. Mais concretamente de Caracas para a Madeira. Aliás, isto é um bom ponto de partida para a primeira historinha.

Mangualde lembra-se que, quando Danny chegou ao Sporting, foi para a equipa B. Era um rapazola a misturar português do continente, com português da ilha, com espanhol da Venezuela. Uma salgalhada.

“Lembro-me de quando ele chegou da Madeira nós chamávamo-lo “venezuelano”. O Danny, com aquele sotaque meio espanhol meio da Madeira, começava a mandar vir connosco a dizer “eu sou português”. Ríamo-nos muito com isso no balneário e ele entrava na brincadeira”.

Já agora, a talhe de foice, Danny também gosta muito de falar italiano. Arranha-o, pelo menos. É que o português é muito amigo de Criscito, jogador que conheceu no Zenit. "Sou muito amigo dele e passamos férias juntos. Em Itália, claro. Uso essa amizade para ir à terra dele, comer bem e falar melhor", contou, ao "Observador".

Mas, afinal, quem é o Daniel Gomes? Fernando Dinis diz, ao Bancada, que “é alguém que sempre se pautou por valores, é amigo do seu amigo e responsável com compromissos”. Já Mangualde destaca a humildade. “É um excelente amigo, humilde e sempre disposto a ajudar os colegas”.

O "caõzinho"

Pausa. Danny é bom rapaz, como nos dizem, mas, por vezes, passa-se da cabeça. Ou não fosse um latino com sangue quente. "Epá, não sei se é o calor ou que é, só sei que o nosso sangue ferve muito rápido. No Marítimo, havia jogadores experientes como Zeca, Bruno, Albertino e Van der Gaag que me partiam a cabeça: ‘porra, miúdo, tem calma; que personalidade tão forte, tens de relaxar’", chegou a reconhecer o próprio Danny, antes de contar a história de duas expulsões. 

"Uma vez, contra o Salgueiros, marquei um golo e tirei a camisola. Cartão amarelo. Depois, boca para o árbitro. Segundo amarelo", conta, falando, depois, da segunda: "Outra foi no Dínamo Moscovo, em que cuspi no árbitro. Foi uma merda que se passou a meio de um jogo. Fui dar a bola ao guarda-redes para bater o pontapé de baliza o mais rápido possível e ele atira a bola para longe. Disse-lhe de tudo e o árbitro chega lá para me dar o amarelo. Passei-me mais ainda e discuti com o árbitro. Depois, cuspi. Só que não lhe acertou. Segundo amarelo, vermelho e seis jogos de suspensão".

Em matéria de polémica, há ainda o célebre episódio do "bobby". Danny foi jogar ao Dragão, pelo Zenit, e foi assobiado e insultado por adeptos portistas. Tudo porque, na primeira mão, quis festejar um golo com uma referência ao cão lá de casa. "Fui tão assobiado nessa noite. Fui chamado de bobby e tinha cartazes no estádio a dizer que os meus filhos faziam chichi como os cachorros. Aliás, no aeroporto do Porto, os adeptos estalavam os dedos e mandavam-me beijos a chamar pelo bobby. Tudo porque no jogo em São Petersburgo fiz golo e fui celebrar à bandeirola de canto como um cão a fazer chichi. Tudo isto para os meus filhos, que estavam no camarote e tinham recebido um cãozinho como presente no dia anterior. Podia ter sido com o Barcelona, só que foi com o FC Porto. No Dragão, chamaram-me de tudo.Ffilho da puta, cabrão, questionaram a minha nacionalidade, se era português ou não. E fui assobiado durante os 90 minutos", contou, ao Observador.

Um pormenor para Trivia: Danny adora basebol e, sobretudo, basquetebol. Aliás, é casado com uma ex-jogadora do CAB Madeira e conta que passam muito tempo a fazer lances livres. E que perde com ela.

Ronaldo e Quaresma? Pois…

Danny jogou no Marítimo dos iniciados aos seniores e, em 2002, com 19 tenros aninhos, foi “pescado” pelo Sporting. Começou pela equipa B, mas, conta quem lá estava, já pertencia a um patamar superior. Ele não era daquele campeonato.

“Daquele grupo, o Danny foi dos que foi contratado numa fase mais adiantada de maturação. Sentimos que ele estava perto de se afirmar”, explica Mangualde, numa visão, assinada também por Fernando Dinis: “Ele chegou depois de ter assumido um papel de destaque no Marítimo e era visto como uma aposta de futuro, que ia às seleções jovens, para colmatar a venda do Hugo Viana. E estava na linha da frente para se afirmar, não havia dúvidas de que tinha sido contratado para a equipa A”.

Apesar de estar a dar nas vistas na equipa B, havia um problema. Ou melhor, havia dois problemas. Pensando bem, havia quatro ou cinco problemas. Problemas com nome. Um chamava-se Quaresma, outro João Vieira Pinto - o ídolo de Danny, com o qual afirma ter "umas 200 fotos" -, outro Sá Pinto e outro Pedro Barbosa. Até havia um problema chamado Cristiano Ronaldo.

“O Sporting tinha uma equipa fortíssima, acabada de ser campeã nacional. O Danny tinha de lutar com jogadores como João Vieira Pinto, Sá Pinto, Barbosa e com jovens como Quaresma e um tal de Ronaldo. O valor do Danny nunca esteve em causa, mas ele sabia que só com as idas à equipa B e com um empréstimo é que poderia afirmar-se”.

E foi assim, como nos conta Fernando Diniz, que Danny regressou ao Marítimo. Fez uma temporada e meia e, aí sim, regressou a Alvalade. Com o foco certo, chegou lá. “Ele sempre trabalhou para conseguir subir esse degrau. Sempre foi muito focado”, garante Mangualde.

Como nunca pareceu contar muito para Peseiro – um treinador que, ironicamente, está de volta ao Sporting e Danny defrontará nesta temporada –, o médio ofensivo partiu numa aventura. Uma aventura louca. E com música. E com tugas. Danny foi dos primeiros a ir para o Dínamo, com Cícero, Jorge Ribeiro e Frechaut, mas, mais tarde, teve a companhia de um batalhão: Luís Loureiro, Custódio, Maniche, Costinha, Nuno, mais os "semi-tugas" Enakarhire, Seitaridis e Jorge Luiz.

Derrete o General!

Pedimos a Fernando Dinis uma história que se lembre de ter vivido com Danny. A história fala-nos de um rapaz meio venezuelano, meio madeirense a querer ir… para a Rússia. Já ouviu falar do “General Inverno”? É o nome dado ao frio russo, que ajudou a travar o avanço das tropas alemãs na II Guerra Mundial. Em parte, foi este “general” – conjugado com outros fatores que não vêm ao caso – que permitiu aos Aliados darem a volta a uma guerra que chegou a parecer perdida para os alemães e seus amigos. O que interessa, para nós, é que o frio russo era um desafio tremendo para um jovem de “sangue caliente”, habituado aos ares quentes da Venezuela e húmidos da Madeira.

E é daqui que vem a música. Phil Collins canta “Against All Odds” [contra todas as probabilidades] e foi com base nesta música que Danny se atirou de cabeça. Contra todas as probabilidades, como nos conta Fernando Diniz.

“Uma história engraçada está relacionada com a ida para a Rússia. Não se conhecia ninguém que tivesse jogado naquele campeonato, mas a oferta era muito boa em termos financeiros. As opiniões eram unânimes: o Danny era muito novo para ir jogar naquele campeonato, apenas por ser bom financeiramente. Mas, uma vez mais, o Danny, com as suas convicções, assumiu o risco e disse-nos que não só iria correr bem, como iria abrir as portas aos jogadores do campeonato português”.

Dito e feito. De facto, a sangria de “tugas”, para o país do General Inverno, começou aqui. Danny fez umas incríveis 13 temporadas na Rússia, divididas entre Dínamo Moscovo e Zenit, e virou herói. Sim, herói. Danny era adorado na Rússia e chegou a capitão e grande figura de um Zenit que teve nomes como Arshavi, Shirokov, Pogrebnyak, Kezman, Semak, Kerzhakov, Rosina ou Hulk.

Na seleção nacional, Danny nem sempre foi tido em conta. Scolari nunca olhou para ele e o extremo chegou a ter tudo alinhavado para jogar pela seleção russa. "No Dínamo Moscovo, jogavam Costinha, Maniche, Frechaut e Jorge Ribeiro. Todos eles iam à seleção, menos eu. E eu era considerado o melhor estrangeiro ou o segundo melhor pela imprensa russa. Alguma coisa se passava para não ser convocado. Fiquei magoado, claro. Mas, pronto, veio o Carlos Queiroz. Se o Queiroz não me tivesse convocado, eu já estava com tudo pronto para tirar o passaporte russo. São coisas da vida. Um momento é o suficiente para mudar tudo", contou.

Por Portugal, Danny acabou por fazer o Mundial 2010, participando em três dos quatro jogos. Agora, volta a casa. À verdadeira casa. "Voltar a casa e ao Marítimo é algo que eu sempre sonhei. A única equipa em Portugal em que podia jogar era o Marítimo. É a equipa do meu coração, a que me lançou no campeonato português", disse, na apresentação.

Acabamos com Fernando Dinis. “Hoje, o Danny é lembrado como uma lenda do futebol e os títulos que conquistou falam por si”, conclui, ao Bancada. E concluímos também nós, porque esta frase já diz tudo.